Um amigo acaba de voltar de férias. Encontrou sol, brisa, paisagem, mas não achou paz. O vaticínio dele: não há mais rota de fuga do mundo, não há como escapar. A expressão usualmente rutila foi substituída pelo olhar abatido do beque que acabou de levar um drible: “Eu não consegui desligar o telefone”, murmurou.
Era a imagem da derrota, do viciado impotente. Estava em lugar remoto, até há pouco um canto escondido do mundo. Mas o telefone celular continha tudo o que ele queria deixar para trás. E o que não veio com ele, chegou por ele.
Começou com uma foto que mandou para amigos. Como uma coisa leva a outra, continuou ligado aos problemas do escritório, sofrendo com cada bip que ouvia quando chegava uma postagem nova. Na hora nem notava que estava ligado nas mesmas coisas que deixou por aqui; hoje, viu que exagerou.
A aldeia global preconizada por McLuhan chegou. Mas o que seria apenas a redução da distância e a unificação de comportamento, se transformou em nova forma de escravidão, com grilhões etéreos, materializados na tela do telefone inteligente. Ficar longe provoca crises de abstinência.
Não é mais permitido se alienar. Em segundos o mundo vira – e como resistir a acompanhar à chamada marcha dos acontecimentos em tempo real?
Lembrei de um texto de André Carrazzoni. Fui apresentado ao autor, gaúcho que chegou a morar em Brasília, pelo incansável Danilo Gomes. Morto em 1982, não viu a transformação do vasto mundo em aldeia e defendia a necessidade da informação, quando encontrou um candidato a alienação.
O interlocutor resolveu se apartar do mundo como o Luiz Gonzaga de Riacho do Navio, que sonhava com o ranchinho “sem rádio e sem notícia das terras civilizadas”. Diante da enxurrada de informações de hoje, talvez Carrazzoni não escrevesse a crônica Imagens de uma Noite de Chuva em que defende a palavra escrita, contestando o amigo, que pede um conhaque (“gênero de primeira necessidade”, pontua o cronista)
“Sem jornal, suicida-se o espectador da vida, que muda incessantemente na dança das formas ou dos ritmos… Desta coluna ou desta reportagem, tiramos um som humano – gemido ou queixume, grito de triunfo, música de glória, murmúrio de idílio, voz de paixão, súplica de tragédia”, escreveu, numa época em que ainda havia ponto de exclamação – sinal gráfico em desuso, já que não nos é mais permitido se espantar com nada.
Era um tempo em que as pessoas iam atrás da notícia; hoje somos atropelados pela informação. Com isso, perdemos a noção da importância do fato – escândalos cabeludos duram minutos. É um jeito novo de encarar a vida, mas que não agradou ao meu amigo que perdeu as férias na tela do celular, vivendo como um avatar numa dessas cidades-jogos inventadas no computador como SimCity.
Como as filhas de Danaus, obrigadas a encher um tonel sem fundo por terem matado os maridos, o amigo de Carrazzoni lamenta o destino dos jornalistas, “condenados a encher o tonel das Danaides da curiosidade anônima”. Ou seja: todos estamos danados.
Publicado no Correio Braziliense em 23 de janeiro de 2022
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