Não tem festa, mas ainda assim é preciso comemorar os 60 anos de Brasília. Não foi fácil chegar até aqui; a luta pela consolidação da capital no centro do país enfrentou todo tipo de ataque, com toda espécie de arma – até a vassoura do populista Jânio Quadros que, com a desculpa de varrer o que chamava de bandalheira, usava Brasília como símbolo.
A nova capital ainda não havia completado seu primeiro ano de vida quando teve que ser defendida pela manchete do Correio Braziliense do dia 22 de outubro de 1960: “Brasília resistirá ao retorno”, estava impresso. Era uma reação contra políticos que patrocinavam a tese da volta da capital ao Rio de Janeiro, com a esdrúxula proposta de transformar Brasília em sede da Organização das Nações Unidas.
A posse de Jânio Quadros mudou o humor da cidade. Antes, havia uma festa permanente, um ar contagiante que se refletia nas poucas casas noturnas frequentáveis da época – as boates Macumba, Pillango e Chez Willy – que repentinamente se viram às moscas.
“O pessoal do Juscelino bebe mesmo é nas boates, na frente de todos. O do Jânio, não. Bebe muito, mas nas reuniões domésticas, com medo de que se arranhe, perante a grande massa, a religião moralista”, escreveu o então deputado Neiva Moreira, conforme compilado no caudaloso livro A Bailarina Empoeirada, de Luiz Humberto del Isola e Noemia Boianovsky. Como se vê, a hipocrisia dos políticos não é coisa nova.
Ataques vinham de todas as partes e de todas as maneiras, inclusive com notícias falsas – sim, fake news sempre existiram. Chegou aos ouvidos do colunista Ari Cunha, deste Correio, que Ibrahim Sued, de O Globo, publicou nota dizendo que Brasília poderia ser inundada pelas águas do Paranoá.
Enquanto isso, deputados esgrimiam discursos e artigos contra e favor da permanência da capital, criando um clima de incerteza entre milhares de brasileiros que acreditaram no sonho de JK. As obras estavam paradas desde a posse do novo presidente; as poucas que continuavam não eram pagas.
Para piorar a situação, em fins de 1961, quando Jânio já havia renunciado, Brasília foi invadida. Por ratos. Com a destruição do cerrado, os roedores migraram para a incipiente cidade em busca de comida; não eram camundongos, mas animais enormes, “roedores tremendos”, nas palavras do deputado Padre Nobre, registradas em A Bailarina Empoeirada.
Numa primeira etapa, foram eliminadas 24 mil ratazanas, segundo as contas do médico Welto Crespo, numa cidade que tinha pouco mais de 200 mil habitantes. O jornal O Globo, em campanha aberta pela volta da capital ao Rio, publicou que a porcentagem de loucos em Brasília era a maior do Brasil e a causa seria a falta de umidade no ar.
O professor Lopes Rodrigues, diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais, pôs ordem no hospício com um caso emblemático: “conheço o caso de uma dama ilustre que amanhecia quebrando os pratos da casa, até convencer o esposo que estava ficando louca”. E disse às amigas: “Meu truque deu certinho”.
Contra tudo e todos Brasília está aí, há 60 anos. Parabéns aos resilientes.
Publicado no Correio Braziliense, em 19 de abril de 2020
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…