É tempo de recordes. Para muitos é a busca pela perfeição, a tentativa de superar os próprios limites, para outros é o caminho da glória a partir de derrota dos adversários; e há até quem busque a imortalidade, ainda que ilusória, por meio de marcas insuperáveis – ou quase.
Mas o destino do recorde é ser quebrado, como vimos em Tóquio, embora alguns durem eternidades, talvez pela falta de motivações olímpicas – uma das ideias do Barão de Coubertin, que trouxe as disputas da Grécia antiga para nossos tempos, era que os jogos substituíssem as guerras. E recordes irrelevantes duram mais.
Exemplo é o recorde de caligrafia microscópica que há décadas está nas mãos do padre espanhol Jose Mallada, que escreveu o Padre Nosso num palito de fósforo. Três vezes! A utilidade disso para o desenvolvimento da humanidade ainda é um assunto em aberto.
Há palavras minúsculas mais famosas e relevantes, como as registradas nas cadernetinhas de Bob Dylan, que resultaram num de seus melhores álbuns, Blood on the Tracks (1975). Ou as anotações do filósofo Walter Benjamin, relevantes pelo conteúdo, surpreendentes pelo tamanho microscópico.
De recordes idiotas o mundo está cheio: disputa-se quem mais come cachorros-quentes, cospe mais longe, coloca mais canudos na boca, fica mais tempo plantando bananeira na ponta dos dedos ou consegue girar mais o pé para dentro, a ponto de virar um caipora. Qualquer coisa que dê motivo para uma conversa de pub inglês, onde surgiu esse festival de bizarrices. Aqui não é diferente.
Quando jovens, hoje vetustos jornalistas saíam do trabalho na boca da madrugada se reuniam para tomar a penúltima. Muitas vezes a calçada em frente a Cantina Sorrento ou qualquer outro bar que não arriava as portas se transformou em pista para disputas aguerridas de velocidade – nenhum atleta resistiria a um exame antidoping, até porque se havia algum recorde a ser batido era o número de garrafas tiradas da caixa.
No fundo, recordes são apenas números. Me lembro de ter entrevistado o médico Ryoke Inoue, o mais prolífico escritor do mundo com 1.283 títulos publicados até este minuto, a grande maioria sob pseudônimo e sobre faroeste. Lançou alguns livros assinando o nome, mas sem tanto destaque. Certamente, trocaria a vasta produção por um reconhecimento, digamos, menos peculiar de sua obra.
Um gaúcho foi considerado o leitor mais voraz do mundo, com uma média de 446 livros por ano. Ao todo seriam mais de 10 mil livros já lidos por ele, todos retirados na Biblioteca Pública. O crítico Rubens Ewald Filho assistia – e resenhava – pelo menos três filmes por dia até morrer em 2019. Fichinha perto dos maratonistas de séries de hoje.
A olimpíada está no fim. A falta de público deve ter refletido de alguma forma na redução do número de recordes desta edição, mas o número de especialistas aumentou; até o Maurição saiu da toca para comentar que o coreano não merecia o ouro no salto sobre o cavalo. Ante o pasmo da turma, o Faixa explicou:
– Ele é advogado. Entende tudo de pirueta.
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