De volta ao bar

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Os amigos estão reaparecendo em pleno inverno. Parece que a autorização oficial para a reabertura dos botecos foi a senha da retomada das atividades sociais, embora muita gente ainda esteja cabreira e sem coragem de enfrentar o tal vírus de peito aberto. Esses preferem a segurança do telefone.

Logo na primeira hora o Faixa ligou. “Vai hoje?”, perguntou antes de dar bom dia. A resposta foi aristotélica: “E você?”. Bastou para que ele confessasse todo o receio de sair de casa enquanto não sentisse mais firmeza nas declarações dos chamados especialistas. E também porque não quer se meter em confusão alheia.

Faixa nunca fugiu de briga; ao contrário, como advogado, é chegado numa peleja, mas confessou que não quer entrar nessa discussão ideológica. “Vão dizer que quem estiver no botequim por esses dias é de direita”, disse, com justa preocupação, já que ele se orgulha de ser – ainda hoje – um combativo brizolista.

Também incomodam a ele as exigências obrigatórias para quem sai de casa. Não que isso seja uma novidade para quem frequenta bar, onde o regime é quase sempre ditatorial, com as normas definidas autocraticamente pelo proprietário, que não hesita em exercer autoridade em tudo.

Algumas medias podem ser consideradas justas e protetivas, como o confisco da chave do carro, a recusa em servir a última dose, ameaçar ligar para os filhos – ou pior, para a patroa. Outras são arbitrárias mesmo, como fechar na hora que der na telha, mudar o canal da tevê ou mesmo – nos casos mais radicais – desterrar o cliente.

O faixa se disse incomodado principalmente com a máscara; não consegue ficar muito tempo com ela e – pior – não entende o que os outros dizem quando estão mascarados. Anda meio surdo, certamente, e precisa do apoio da leitura labial. “Eu vou ao bar para usar a boca: falar, beber, comer”, disse, mais uma vez cheio de razão.

A combinação era que fossemos todos ao bar, até para ver como ficou o rearranjo das mesas, que teriam de estar mais distantes, certamente atrapalhando as importantes resenhas de toda semana, suspensas desde o longínquo mês de março. Mas pela quantidade de argumentos contrários, tivemos certeza de que que o Faixa não iria.

A surpresa é que ele não apenas foi, como chegou mais cedo que o costume. Já o encontramos sentado, com um copo à frente, e de máscara. Reclamou que se esquecia que estava com o equipamento: “Já coei meu uísque duas vezes”.

Mais que todos os argumentos pesaram os princípios. Embora advogado, Faixa sempre foi muito crítico à concessão de prisão domiciliar, principalmente para quem assaltasse o erário, ajudando a alimentar a corrupção. Fez inflamadas intervenções quando era noticiada a transferência de alguns ilustres personagens para o conforto do lar, parecendo muito mais um promotor. Ficar em casa, para ele, era prêmio.

No conforto do bar, deu a mão à palmatória e revelou o que o fez sair de casa naquela noite fria e ameaçadora:

– O problema não é exatamente ficar em casa, mas o carcereiro.

Publicado no Correio Braziliense em 19 de julho de 2020

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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