Autor: Paulo Pestana
Estamos chegando àquela idade em que nem é mais preciso tomar um gole de bebida destilada para sentir a cabeça rodando naquela tontura suave que nos arranca da realidade por alguns segundos. Agora, para obter o mesmo efeito, basta levantar da cama com um pouquinho mais de velocidade. Ou, se conseguir, fazer um agachamento e levantar. A sensação é a […]
Antes havia o piado da seriema, um dos poucos sons a quebrar o silêncio do ermo onde seria erguida a nova capital. No final de 1956 chegaram os homens: inicialmente, 256 trabalhadores; em janeiro de 1957 já eram 2.500 e em julho se contavam 12.283 candangos. Aí já era possível ouvir uma viola ou uma sanfona, o serviço de alto-falante; […]
Conheci muita gente artificialmente inteligente na vida. Gente com cultura adquirida nas estampas Eucalol, nos almanaques Capivarol e até nas figurinhas do chiclete Ping-Pong. Fingiam inteligência quer era uma beleza, mas não assustavam. Só que coisa inteligente assusta. Leitor de Isaac Asimov, Philip K. Dick e Arthur Clarke, entre muitos outros, não desconfiava que a ciência que eles mostravam passaria […]
No princípio era o ermo e nessas antigas solidões sem mágoa – para usar a descrição de Vinícius de Moraes – havia uma cidade sem flores. Brasília ainda não havia sido inaugurada quando o presidente norte-americano Dwight Eisenhower decidiu vir lançar a pedra fundamental do que seria a embaixada norte-americana na nova capital. O Itamaraty preparava uma recepção no Brasília […]
O carnaval que começa marca o enterro das marchinhas. Ou melhor: mais uma tentativa. É hora do piseiro, me dizem. Trata-se de uma contrafação da pisadinha que, por sua vez é uma contrafação do xote, apoiado em teclados eletrônicos, letras de mau gosto, erros de português, palavrões à granel e com passos arrastados e mãos coladas no corpo como um […]
Andar em Brasília está um perigo. Não que o número de bandidos tenha aumentado, isso é intriga da oposição; mas é que as ameaças estão se multiplicando pelas ruas da cidade. Andando pela Asa Norte quase fui vítima de um petardo que veio do alto com velocidade espantosa e, por sorte, caiu a menos de um metro de onde eu […]
JK ainda nem havia nascido quando o botânico francês Auguste Glaziou esteve por aqui acompanhando a segunda missão Cruls e imaginou represar os rios para formar um lago – o Paranoá. Cheio, o fundador o chamou de “moldura líquida da cidade”. Foi uma saga. A empresa norte-americana contratada para construir a barragem não entregou o serviço; o escritor (e engenheiro) […]
Carmen Miranda, em 1932, gravou um samba de André Filho, o autor de Cidade Maravilhosa, que dizia assim: “Vivo feliz, no meu canto, sossegada/ Tenho amor, tenho carinho/ Tenho tudo, até pancada”. No mesmo ano, Noel Rosa escreveu: “Mas que mulher indigesta, merece um tijolo na testa”. Em 1930, Ary Barroso ganhou o concurso de músicas de carnaval na voz […]
Histórias nascem muitas vezes de um pequeno fragmento que fica martelando na cabeça ou está anotado em algum lugar. O finado Erasmo Carlos confessou que mantinha vários cadernos com registros e recortes que ele folheava constantemente em busca de ideias para desenvolver; coisas mal resolvidas em algum momento e que precisavam de maturação, esperando sua vez de virar canção. Em […]
Chego no mercado e vou direto à banca das frutas. Pego um daqueles saquinhos de plástico que ficam enrolados numa bobina, corto, abro e escolho meia dúzia de maçãs; em seguida, pego outro saquinho e coloco seis goiabas – que não têm o mesmo sabor daquelas apanhadas no quintal, mas ainda assim são goiabas – não muito grandes. Chego perto […]