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Curso da PM-DF distorce conceito de ética para “justificar” tortura, diz site
As distorções apresentam “justificativas” para que um policial que forja um flagrante ou pratica “pequena” tortura estaria agindo corretamente
Em uma apresentação de slides sobre a disciplina “Ética, chefia e liderança” do curso de de formação de praças da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) em que o UOL teve acesso, evidencia uma interpretação do conceito de “ética utilitarista”, de Benthan, ao trabalho policial, um quanto polêmica, visto que de acordo com os exemplos apresentados, um policial que forja um flagrante ou pratica “pequena” tortura estaria agindo corretamente.
“O corpo de uma garota foi encontrado em um terreno baldio. A análise do cadáver demonstrou que houve violência sexual antes da morte… Agentes conseguiram capturar Tício, que em princípio negou a autoria do fato, mas assumiu após uma ‘pequena’ sessão de tortura. Tício foi preso e a comunidade ficou mais segura depois de sua prisão, mesmo sem a certeza da autoria do fato. A consequência da ação policial (resultado) foi boa para a maioria das pessoas, portanto considerada ética sob uma ótica utilitarista”, um dos exemplos fictícios apresentados no curso.
Em seguida o policial aluno é questionado se a conduta apresentada estaria correta. O slide traz a seguinte resposta: “Um utilitarista diria: policial, aja de forma que sua ação beneficie a maior parte das pessoas, não importando os meios utilizados.”
Ademais, também é apresentado um slide uma imagem em que várias soldados fazem saudação nazista exceto uma homem, na apresentação estava escrito o seguinte texto: “O Cálculo Utilitarista diz que as minorias deveriam curvar-se às vontades das maiorias”, fica passível de uma interpretação favorável ao nazismo, visto que pode-se entender que homem que se recusa a fazer a saudação está errado.
De acordo com o professor de filosofia política, ética, e história da filosofia moderna da Universidade de Brasília (UnB), a abordagem parece simplificar o conceito de utilitarismo. “Sem considerar o material completo e o contexto dessas afirmações, é difícil fazer um juízo justo. Mas a julgar por esses dois exemplos, diria que a abordagem parece ser simplista demais, o que pode, sim, implicar distorção do que dizem os utilitaristas. O cálculo utilitarista pode implicar, segundo algumas interpretações, uma ideia de ‘maximização’, mas isso é bem diferente de dizer que ‘a minoria deve se curvar à vontade da maioria’. Já sobre a questão meios-fins é bastante complexa no utilitarismo. O exemplo também sugere uma leitura simplista e perigosamente distorcida, sobretudo no contexto em que foi usado. Há, de fato, uma dificuldade teórica do utilitarismo em lidar com alguns conceitos, como o de “direitos” em um sentido absoluto, ou como a noção de uma ação que seja intrinsecamente (ou seja, independentemente de suas consequências) errada ou má. Mas isso é bem diferente de dizer que os meios são indiferentes ou podem ser desprezados em função da “bondade” dos fins alcançados”, analisa o professor.
“Uma coisa é abordar teoricamente o utilitarismo, outra coisa é utilizá-lo em um contexto especial, como o do serviço público em geral (e os serviços policiais ou de segurança em particular). Nesse contexto, a importância das regras (e de sempre segui-las, independentemente de “cálculos”) é fundamental. Uma discussão não distorcida do utilitarismo nesse contexto deveria partir disso. Há uma longa e rica discussão, dentro da tradição utilitarista, em torno das regras (é a discussão entre “utilitaristas de ato” e “utilitaristas de regra”), assim como uma preocupação constante com as questões ligadas à ideia de justiça e a noção correlata de direitos (nesse caso, como, aliás, em geral, a referência clássica mais importante não é o Jeremy Bentham, mas o filósofo John Stuart Mill)”, acrescenta o docente.
O Papo de Concurseiro questionou a PM-DF e até o momento em que essa matéria foi publicada não obteve respostas.
*Estagiária sob supervisão de Thays Martins