Feira Internacional de Gastronomia Amazônica celebra a culinária da região

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Proteínas exóticas – como tartaruga e formiga -, frutas, flores, sementes, raízes e peixes amazônicos foram destaque nas receitas apresentadas na FIGA 2023

Manaus – Foi debaixo da fumaça proveniente das queimadas e com o leito do rio em seu nível inferior que esta cidade sediou, por dois dias, o mais completo debate sobre turismo gastronômico na Amazônia, um serviço absolutamente imprescindível para diminuir a dependência econômica da região do polo industrial na zona franca de Manaus.

Várias instituições governamentais e privadas, como Sebrae, apoiaram a realização no último sábado e domingo da FIGA- Feira Internacional de Gastronomia Amazônica, promovida pela quinta vez pela Abrasel do Amazonas, no centro de convenções Vasco Vasques. A entrada franca permitiu que centenas de pessoas acompanhassem a programação, especialmente os alunos dos cursos locais de gastronomia.

Salada de flores comestíveis. Crédito: Liana Sabo/CB/D.A Press

O evento trouxe ainda uma feira de produtos e equipamentos do setor de alimentação fora do lar, que se somou ao conteúdo de aulas-show de chefs regionais e internacionais e de palestras de especialistas, como o biólogo, professor e pesquisador Valdely Kinupp, que catalogou 351 espécies entre as mais de 10 mil frutas, folhas, flores, raízes e sementes. O trabalho resultou no livro Plantas alimentícias não convencionas, cujo acrônimo deu origem à palavra panc, hoje fartamente difundida e com presença na mesa do brasileiro. Na aula, ele discorreu sobre frisantes, bebida obtida de fermentação natural com panc.

Da tartaruga a flor

Nada representa melhor a culinária ancestral amazônica que a tartaruga, rica em proteína e gordura. Coube a chef Selma Reis, proprietária do restaurante Zefinha Amazonas (o nome é uma homenagem à mãe, dona Zefinha) instalada na rua Rio Jutaí 817, Nossa Senhora das Graças, protagonizar receitas, como guisado e picadinho com farofa, cujo preparo e limpeza da carne foram mostrados em vídeo.

“O futuro do Amazonas é o turismo gastronômico da floresta, porque ninguém vai à floresta sem comer e quer saber o que comemos”, decretou a culinarista, nascida às margens do rio e que, por cinco anos, apresentou o programa televisivo Sabores da Amazônia. Segundo ela, a carne do tracajá, que é a tartaruga de água doce, adquirida com aval do Ibama, “não é gorda, nem pesada, mas agradável ao paladar”. Alho, cebola, coentro, chicória, alfavaca e pimenta de cheiro, além de cominho e colorau deram o sabor.

Hibisco recheado com tartar de aruanã. Crédito: Liana Sabo/CB/D.A Press

Dono do restaurante Celele em Cartagena, 19ª posição no ranking dos 50 melhores restaurantes da América Latina, o chef colombiano Jaime Rodriguez, de 36 anos, surpreendeu a plateia com a beleza e o sabor do prato: nada menos que um cintilante hibisco vermelho recheado com tartar de aruanã, castanha de caju torrada, azeite de castanha e pincelado com mel de jandaíra (abelha sem ferrão), parecendo gotas de orvalho.

Chef colombiano Jaime Rodríguez. Crédito: FIGA 2023/Divulgação

Filho de mãe cozinheira, o chef para quem “comida é muito visual”, também preparou uma salada de flores comestíveis, colhidas por ele num sítio nas cercanias de Manaus. Já a conterrânea colombiana Verônicas Socarras, jornalista e administradora de empresas com mestrado em turismo gastronômico, pontuou ser esta “uma ferramenta poderosa capaz de gerar mudanças e desenvolvimento econômico no país”, tema de sua palestra.

Do pirarucu ao cogumelo

A arena gastronômica, palco das aulas-show, recebeu este ano o nome de Maria do Céu Athayde, em homenagem à premiada chef de cozinha amazonense, que abriu o evento se declarando “cabocla”. Polêmica e combativa a chef lamentou que “as frutas perderam o nome e agora, são vermelhas por exemplo”. Amiga de Thiago de Mello, ela homenageou no prato o poeta e jornalista amazonense com “banana pacovan de casca preta assada na brasa e farofa de pupunha que ele mais gostava”.

Um dos maiores peixes de escama de água doce, capaz de chegar a 3 metros e pesar até 250 quilos, considerado o bacalhau da Amazônia, o pirarucu foi o eleito do chef Felipe Schaedler para servir defumado com purê de tucumã. Ele próprio defuma a ventrecha (barriga do peixe) com madeira de macieira por uma hora e prepara o purê “com um pouco de limão para dar acidez”.

Pesquisadora Noemia Ishikawa. Crédito: Liana Sabo/CB/D.A Press

Última fronteira gastronômica da Amazônia, os cogumelos existem desde sempre e são responsáveis pela maior parte da decomposição da matéria orgânica nas florestas, especialmente da celulose. Conhecidos pelos índios, os fungos são objeto do micoturismo (mico em grego significa fungo), resultado de um projeto de investigação científica apoiado pelo Japão com o objetivo de preservar a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável de recursos silvestres.

No micoturismo diurno se observa os cogumelos na presença de luz e no micoturismo noturno, o turista tem a experiência de entrar na floresta e desligar as lanternas para ver os fungos bioluminescentes de grande beleza. O assunto foi apresentado pela pesquisadora Noemia Ishikawa. Ela adverte, porém, que alguns cogumelos são comestíveis, outros são venenosos.

Comida indígena até com…

Chef Luana Oliveira. Crédito: Liana Sabo/CB/D.A Press

Filha de um dos mais respeitados chefs da culinária amazônica, Ofir de Oliveira, Luana seguiu os passos do pai, graduou-se em turismo e hotelaria e pesquisou a comida do povo xerente apresentada com o nome de kupakubu, prato de carne bovina (na aldeia era de caça) com mandioca. “Não tem muita estética, mas tem sabor”, resume a turismóloga a receita temperada com chicória, alfavaca, alho e pimenta-de-cheiro escoltada de arubé, espécie de mostarda feita do sumo da mandioca e tucupi amarelo, que dá um molho delicioso.

Outra herdeira de um ícone da gastronomia do Norte, Paulo Martins, que ao lado da mãe comandou, por quatro décadas, o restaurante Lá em Casa e idealizou o festival culinário Ver-o-Peso, que já não se realiza mais em Belém, Daniela Martins optou por ensinar que “tapioca não é só para tomar com açaí”. Ela faz nove sabores de pão de tapioca que vende congelados: queijo do reino, provolone, parmesão, charque ou carne seca, calabresa, bacon, leite de coco, zero lactose e tradicional.

Sopa de camarão com tapioca da chef Daniela Martins. Crédito: Liana Sabo/CB/D.A Press

…formiga

Atualmente os jovens indígenas têm vergonha de comer formiga na aldeia, como consumiam seus antepassados, constata a chef Elisângela Valle na apresentação compartilhada com a colega pesquisadora Lidia Medina, na qual foi degustado pão com farinha de formiga. Você pode comprar o inseto em cápsulas provenientes de São Gabriel da Cachoeira, município distante 850 quilômetros de Manaus, onde se cultiva a formiga Baniwa, Saúva, Maniwara e outras. Formiga é catalogada como alimento em mais de 120 países.

Acre em Sampa

Chef Amanda Vasconcelos. Crédito: Liana Sabo/CB/D.A Press

Nascida em Rio Branco, a jovem Amanda Vasconcelos mudou-se para São Paulo em 2011, para cursar arquitetura. A saudade da comida de casa fez com que ela se aventurasse na cozinha e, com ingredientes enviados por seu pai, começou a preparar pratos acreanos. Fez sucesso com os amigos paulistanos que elogiaram muito o cardápio nortista até que ela, sem cursar escola culinária, se tornou chef autodidata em seu próprio restaurante: Casa Tucupi, aberta em março de 2018, na Vila Mariana, espaço no qual também exerce o papel de agitadora cultural, mediante exposições de arte.

Exemplo de empreendedorismo feminino na gastronomia, Amanda discorreu sobre a sua experiência e preparou delicioso ceviche com temperos acreanos. No restô de Sampa, ela ainda oferece bacalhau do Amazonas de pirarucu com tucupi e castanha fresca e limão segundo a receita que aprendeu com a mãe e a avó.

O evento que se realiza desde 2015 tem a curadoria da jornalista Denise Rohnelt de Araujo, responsável pela coluna gastronômica www.letrassaborosas.com.br.

A jornalista viajou a convite da FIGA 23

Liana Sabo

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