Por: Daniel Augusto Teixeira de Miranda
Em abril de 2021 foi publicado o acórdão do STF nos autos da Ação Direta de Constitucionalidade nº 58 (ADC 58). Ali o STF definiu que a regra geral para a correção dos débitos trabalhistas seria a seguinte:
i) Fase pré-processual (antes do ajuizamento) – IPCA-E acrescido dos juros previstos no caput do artigo 39 da Lei 8.1177/91 (TR).
ii) Fase processual (após ajuizamento) – SELIC (artigo 406 do Código Civil).
Assim, na fase processual, a SELIC seria utilizada como índice válido para correção monetária e juros, seguindo a já antiga jurisprudência do STJ e do próprio STF e a regra “geral” prevista no artigo 406 do Código Civil para as hipóteses em que os contratantes ou a lei não previssem outra forma de correção monetária.
Da leitura do acórdão proferido na ADC 58, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, surgiram algumas questões que não foram solucionadas. A principal delas diz respeito à qual a “espécie” de SELIC seria utilizada, se a SIMPLES, ou seja, aquela definida pelo Banco Central, ou a SELIC Receita Federal (SELIC + 1% no mês do pagamento) utilizada para atualização de débitos perante a Receita Federal.
Posteriormente, o legislador derivado alterou o artigo 406 do Código Civil, criando um cenário ainda mais complexo.
Em 28/06/2024 foi promulgada a Lei 14.905/2024 que altera aquilo que se pode denominar como o “sistema geral de correção monetária e juros”. Vale comparar as redações do artigo 406 do Código Civil:
Redação anterior | Redação atual |
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. | Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. Parágrafo 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. Parágrafo 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. Parágrafo 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.
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A alteração é bastante significativa, uma vez que o artigo 406 passa a definir que a taxa legal para juros será considera o resultado da subtração entre a SELIC e o IPCA-E.
Voltemos à decisão proferida pelo STF na ADC 58 em 2 importantes trechos da ementa:
5. Confere-se interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017, definindo-se que, até que sobrevenha solução legislativa, deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009), com a exegese conferida por esta Corte na ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 5.348 e no RE 870.947-RG (tema 810).
(…)
7. Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º, da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem.
No que diz respeito à mencionada solução legislativa, nos parece evidente que o STF faz menção a legislação específica que altere o artigo 39 da Lei 8.177/91 e não sobre a alteração legislativa realizada pela Lei 14.905/2024.
Fica, assim, estabelecido que devem ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial trabalhista o índice previsto pelo artigo 406 do Código Civil.
Ocorre que a alteração legislativa parece ter criado um cenário de contradição, uma vez que o artigo 406 do Código Civil não mais prevê a SELIC mencionada no item 7 acima transcrito. Agora, a regra geral é de que Juros = SELIC – IPCA-E.
As soluções que se apresentam são as seguintes:
a) Manutenção da aplicação da SELIC SIMPLES;
b) Aplicação da nova redação do artigo 406 do Código Civil (SELIC – IPCA-E) sem qualquer outro acréscimo.
Se por um lado entendemos que o acórdão do STF jamais previu a aplicação da chamada SELIC Composta, por outro lado parece que a alteração do artigo 406 cria um cenário que conclama o Legislativo a criar um novo sistema de atualização dos débitos trabalhistas.
Nesse ínterim, parece difícil qualquer leitura que não seja aquela de determinação de incidência da atual regra do artigo 406 do Código Civil para fins de atualização do crédito trabalhista, ou seja, do resultado da subtração entre SELIC e IPCA-E, tendo efeito de juros e correção monetária.
O TST já tem proferido decisões nesse sentido, apesar de estar longe de ser questão definida por qualquer das Turmas:
“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – EXECUÇÃO . LEI Nº 13.467/2017. CRÉDITOS TRABALHISTAS. ATUALIZAÇÃO. ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEIS. TESE JURÍDICA FIXADA PELO STF. JULGAMENTO DA ADC 58 E TEMA 1191 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO DOTADA DE EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES . TRANSCENDÊNCIA. Considerando a existência de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, em caráter vinculante, nos termos do artigo 927 do CPC, deve ser reconhecida a transcendência da causa. CRÉDITOS TRABALHISTAS. ATUALIZAÇÃO. ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEIS. TESE JURÍDICA FIXADA PELO STF. JULGAMENTO DA ADC 58 E TEMA 1191 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO DOTADA DE EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES . NÃO CONHECIMENTO . 1. A controvérsia dos autos centra-se em definir o índice de correção monetária a ser aplicado na atualização dos créditos trabalhistas deferidos. A matéria foi dirimida pelo e. Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADC 58, na sessão plenária do dia 18.12.2020. Na ocasião, ao conferir interpretação conforme à Constituição Federal aos artigos 879, § 7º, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, a Suprema Corte entendeu que a TR (Taxa Referencial) não reflete o poder aquisitivo da moeda, razão pela qual definiu que, até sobrevir solução legislativa, devem ser aplicados os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigem para as condenações cíveis em geral, a saber: na fase pré-judicial, devem incidir o IPCA-E e os juros previstos no artigo 39, caput , da Lei nº 8.177/91 (TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento) e, a partir da citação, a taxa SELIC, que já contempla tanto a correção monetária, como os juros de mora. Na mesma assentada, o E. STF, por maioria, modulou os efeitos jurídicos da decisão proferida, distinguindo as seguintes situações: a) para os débitos trabalhistas já pagos, de forma judicial ou extrajudicial, devem ser mantidos os critérios que foram utilizados (TR, IPCA-E ou qualquer outro índice), e os juros de mora de 1% ao mês; b) para os processos com sentenças já transitadas em julgado, nas quais foram expressamente estabelecidos, na fundamentação ou na parte dispositiva, a TR ou o IPCA-E e os juros de 1% ao mês, tais critérios igualmente devem ser mantidos; c) para os processos em curso, com andamento sobrestado na fase de conhecimento, com ou sem sentença proferida, inclusive na fase recursal, deve-se aplicar, de forma retroativa, a taxa SELIC (juros e correção monetária); d) para os feitos já transitados em julgado, que sejam omissos quanto aos índices de correção monetária e à taxa de juros, aplicam-se os parâmetros definidos pelo STF. Cumpre destacar que, em relação às alíneas “c” e “d”, adota-se o IPCA-E na fase pré-judicial, acrescido dos juros previstos no artigo 39, caput , da Lei nº 8.177/91. 2. Posteriormente, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos contra a referida decisão, a excelsa Corte Suprema decidiu sanar erro material constante do resumo do acórdão, a fim de estabelecer que a taxa SELIC deverá ser aplicada a partir do ajuizamento da ação e , não , da citação. Oportuno salientar, ainda, que referida decisão, por ter sido proferida em ação declaratória de constitucionalidade e, portanto, no exercício do controle concentrado de constitucionalidade, reveste-se de efeito vinculante e eficácia “erga omnes”, de forma que todos os demais órgãos do Poder Judiciário, bem como a Administração Pública, em todas as suas esferas, ficam a ela vinculados, devendo, pois, nos casos submetidos à sua apreciação, proceder à estrita aplicação da tese jurídica nela fixada, até mesmo para a preservação dos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da efetividade da tutela jurisdicional. Por essa razão, forçoso concluir que, atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de revista, a análise dos pressupostos intrínsecos deve ser sempre mitigada em benefício da aplicação das teses jurídicas vinculantes firmadas pelo e. STF. 3. No caso dos autos , o Tribunal Regional determinou que, quanto aos valores incontroversos que já foram depositados judicialmente, a atualização deveria ser pelo IPCA-e com juros de 1% ao mês, até a data do depósito judicial, conforme determinado na alínea “a”, da ADC 58. Já os valores remanescentes , devem ser atualizados pelo IPCA-e , acrescido dos juros previstos no artigo 39, caput , da Lei nº 8.177/91 (TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento), até o ajuizamento da ação , e pela SELIC , após o ajuizamento da reclamação trabalhista. Assim, nota-se que o acórdão do Tribunal Regional está de acordo com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal . Recurso de revista de que não se conhece . TAXA SELIC. ARTIGO 406 DO CÓDIGO CIVIL. NOVA REDAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. Considerando a existência de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, em caráter vinculante, nos termos do artigo 927 do CPC, deve ser reconhecida a transcendência da causa. TAXA SELIC. ARTIGO 406 DO CÓDIGO CIVIL. NOVA REDAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. 1. A presente controvérsia gira em torno de verificar se a metodologia de cálculo do índice SELIC determinada pelo Tribunal de origem, teria descumprido as diretrizes fixadas nas ADC’ s 58 e 59. 2. A Suprema Corte, nas decisões proferidas nas ADCs nos 58 e 59 definiu que, aos processos em curso (excluída a hipótese dos pagamentos já realizados nos autos), aplicam-se retroativamente, na fase pré-judicial, a correção monetária pelo IPCA-E e juros e, a partir do ajuizamento da ação, somente a SELIC, devendo ser observados os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (artigo 406 do Código Civil), até que sobrevenha solução legislativa sobre a matéria. 3. No caso em análise , o Tribunal Regional, em atenção ao disposto nas ADCs 58 e 59, ressaltou a observância ao artigo 406 do Código Civil, cuja redação, à época do julgamento, era a seguinte: ” quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Naciona l “. 4. Nesse sentido, consignou o acerto dos cálculos de liquidação que observaram a taxa Selic aplicada para correção dos valores devidos à Receita Federal, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais, segundo o disposto no artigo 84 da Lei nº 8.981/95, em observância ao item 7 do julgado da ADC 58. Não restou observada a aplicação de taxa SELIC mais juros de 1% ao mês, tal como arguido pelo exequente. 5. Sobrevela ressaltar, entretanto, que o artigo 406 do Código Civil sofreu alteração pela Lei nº 14.905, publicada em 1º/7/2024, em vigor a partir de 3 0 /8/2024, passando a prever nova forma de cálculo . 6. Desse modo, ainda em observância aos termos das ADC’ s 58 e 59, sobrevindo alteração legislativa, necessário se faz a adequação dos cálculos de liquidação de sentença, quanto às verbas do período judicial devidas à exequente, a fim de que sejam observados os novos parâmetros estabelecidos no artigo 406 do Código Civil, a partir da vigência da lei que alterou referido dispositivo. Recurso de revista de que se conhece e ao qual se dá parcial provimento ” (RR-2003-42.2012.5.12.0035, 8ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 30/09/2024).
Apesar de incerto, nos parece que o cenário atual para atualização dos débitos trabalhistas após a edição da Lei 14.905/2024 é o seguinte:
i) Fase pré-processual (antes do ajuizamento) – IPCA-E acrescido dos juros previstos no caput do artigo 39 da Lei 8.1177/91 (TR).
ii) Fase processual (após ajuizamento) – Resultado da subtração entre SELIC e IPCA-E
Há, portanto, uma lacuna a ser solucionada pelo Legislativo ainda não solucionada, mesmo após a expressa menção no acórdão do STF nos autos da ADC 58.
É certo que esse debate terá uma série de desdobramentos e situações que analisaremos por aqui.
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