Entrevista: Marcio Suttile | Ele explica por que Jair Bolsonaro não pode interferir na gestão da CBF

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A suposta pressão do governo federal sobre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o técnico Tite e os jogadores da Seleção Brasileira para engolir a participação na Copa América é tema de debate entre especialistas em direito esportivo. Afinal, por que a Fifa blinda seus filiados e é praticamente imune a ataques de diferentes sistemas ou regimes de governo?

Em último caso, qual seria o castigo imposto ao Brasil houver prova de que Jair Bolsonaro pediu e o presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo, prometeu demitir Tite e contratar o bolsonarista assumido Renato Gaúcho? Esse é o tema do bate-papo a seguir com Marcio Suttile, do escritório Suttile & Vaciski Advogados, depois dos ataques dos filhos de Bolsonaro e até do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, ao técnico da Seleção Brasileira.

Por que a Fifa não aceita interferência estatal nos 209 países filiados?

A Fifa é um organismo que está presente em mais de 200 países e tem sua sede em Zurique, na Suíça. Imagine que esses mais de 200 países tenham seus mais diversos regimes: democráticos, monárquicos, ditatoriais, teocráticos… Ela (Fifa) existe como um instrumento em um órgão só. Único. Ela se autoadministra. Ela tem que existir independentemente de onde está fixada.

É uma carapaça, um mecanismo de proteção…

A forma que ela tem para se proteger e continuar existindo da forma como ela é, prevista em seu estatuto, é coibindo qualquer tipo de ingerência de qualquer tipo de governo que seja. Isso não quer dizer somente o nosso (sistema) de governo. Recentemente, tivemos algumas punições a seleções que foram excluídas de competições, campeonatos e jogos eliminatórios da Copa do Mundo. A Espanha, em 2018, correu risco de não disputar a Copa da Rússia.

Qual é o contra-ataque da Fifa quando sente-se invadida?

No momento em que a Fifa implementa essa norma nesses mais diversos países, e ela coíbe qualquer tipo de ingerência, influência ou pressão dos governos, ela pune as federações ou confederações que são extensões dela de duas formas: suspendendo a federação ou a confederação ou excluindo conforme a gravidade do que acontece.

No caso do Brasil, há indícios de que o mandatário afastado da CBF, Rogério Caboclo, teria prometido, ainda na ativa, ao presidente da República, Jair Bolsonaro, a troca do técnico Tite pelo Renato Gaúcho. O dirigente nega, mas outros integrantes do governo fizeram pressão publicamente, como o vice-presidente Hamiton Mourão. Qual é o impacto disso?

No caso em que o Bolsonaro estaria pressionando o presidente (Rogério Caboclo) para que retirasse o Tite depois da declaração de achar inoportuna a realização da Copa América em vista do momento pandêmico em que vivemos, existem muitos indícios a respeito disso, mas não há prova contundente de que o presidente (Bolsonaro) exigiu essa alteração de técnico.

E se a prova aparecer?

Se essa prova vier à tona por meio de uma gravação ou de uma própria declaração que o Tite venha a dar, ou ter ouvido do presidente Caboclo que estaria sendo pressionado pelo Bolsonaro a substituí-lo, por exemplo, não tenho dúvida de que a Fifa poderia punir a CBF.

Qual seria o castigo?

A exclusão não é o caso porque teria de ser um ato muito grave. A suspensão é uma punição que fica em aberto. O grau e a forma não estão bem definidos no estatuto. A intensidade será definida depois pelo conselho, conselho de ética, por quem vai julgar o caso. Ela pode, sim, resultar na exclusão da Seleção das Eliminatórias, consequentemente da Copa do Mundo, e pode afetar, também, os clubes, proibindo-os de participar de qualquer evento internacional como Libertadores, Copa Sul-Americana…

Obviamente, desde que haja prova.

A punição vai decorrer necessariamente de uma prova, de um fato que tenha a base dele como forma concreta. Indícios não são suficientes. No caso da declaração do presidente Caboclo de que trocaria, a mando do presidente ou a pedido, Tite por Renato Gaúcho, nós não temos uma prova concreta. Se vier, sim, e os reflexos podem ser bastante severos e drásticos para o futebol brasileiro. A Fifa faz isso para manter-se uníssona, igual em todos os países. Justa, portanto, pois aí ela atua sob uma mesma legislação em todos os países do mundo e aplica uma autogestão.

A Fifa é praticamente imune ao judiciário…

Tanto é que ela foge do judiciário. Ela evita, proíbe que as questões que envolvam os clubes sejam levadas à Justiça comum. Tem órgãos próprios de julgamento, toda uma estrutura que prevê o processo legal: levantamento de prova, contestação, defesa, sentença e recurso.

Quais federações ou confederações foram castigadas recentemente?

A gente já viu recentemente países que sofreram punições por interferência política com sua suspensão dos campeonatos, inclusive das Eliminatórias que estavam disputando, e com consequências drásticas. O futebol para um país, em última instância, é a Copa do Mundo. Chade e Mali por interferência governamental e o Paquistão por violação a outros artigos do estatuto da Fifa.

Aquele argumento batido de que o Brasil é o país do futebol, o único pentacampeão do mundo, que a camisa pesa, amenizaria aliviaria a barra?

O fato de o Brasil ser o Brasil, ao contrário do que se pense, não aliviaria a pena, multa ou tamanho do tipo de suspensão ou de exclusão. A Fifa utilizaria o Brasil com efeito acadêmico para mostrar a mais de 200 países que estão de olho nesse fato que a permissividade a qualquer membro de governo na instituição gera punições, inclusive, no Brasil. A Espanha, por muito tempo, não foi punida (o Conselho Superior do Esporte teria influenciado no processo eleitoral da Real Federação Espanhola).

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Marcos Paulo Lima

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