Entrevista: Felipe Carreras | “Esporte não pode ser o último da fila”, diz relator da Modernização da Lei Pelé

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Aos 46 anos, o deputado federal Felipe Augusto Lyra Carreras (PSB-PE) foi escalado na última quarta-feira para atuar em mais uma posição estratégica no tabuleiro político do Congresso Nacional. O presidente da Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados jogará, também, como relator da Comissão Especial para Modernização da Lei Pelé. Carreras formará dupla com a deputada Celina Leão (PP-DF). Ambos serão responsáveis por tocar o trabalho que tem a missão de dar um “F5” na norma em vigor desde 1998.

Na entrevista a seguir ao blog, o pernambucano torcedor do Sport explica o que motivou a abertura da comissão na última quarta-feira, indica como funcionará o trabalho e opina sobre temas polêmicos. Critica o desequilíbrio no peso dos votos na eleição da Confederação Brasileira de Futebol, defende o projeto dos clubes para criação de uma liga nacional independente da CBF, questiona a transformação do Ministério do Esporte em secretaria, um puxadinho da Cidadania na Esplanada, e diz que a comissão está blindada contra lobistas de peso como a própria CBF e o Flamengo, um dos principais articuladores e interessados na criação da Comissão Especial para Modernização da Lei Pelé.

Um dos primeiros desafios do grupo na próxima semana será o aprofundamento em um tema polêmico: a reedição da Medida Provisória 984/2020, popular MP do Mandante. O texto tramitou no Congresso Nacional durante a pandemia, mas caducou.

Atento às demandas do esporte olímpico e paralímpico, Carreras diz que a modernização da Lei Pelé incluirá também discussões sobre jogos eletrônicos e o patrocínio de casas de apostas online, outro tema sensível em um país marcado pelo escândalo da Máfia do Apito em 2005 e o número crescente de denúncias de manipulação de resultados no Brasil.

O que motivou a abertura da Comissão Especial para Modernização da Lei Pelé?

A Lei número 9.615/98, chamada de Lei Pelé, é a lei que dá todas as diretrizes do esporte no Brasil. Seja de base, escolar, rendimento, etc. Várias questões mudaram no mundo esportivo de lá para cá. São 23 anos. Existe uma grande reivindicação da comunidade esportiva para atualizá-la, torná-la mais justa e atual. Então, a Comissão servirá justamente para discutirmos, de forma democrática, com todos que fazem parte do universo esportivo. Atletas, paratletas, clubes, associações esportivas, comunidade acadêmica, profissionais de educação física, técnicos, árbitros, federações, confederações e o COB. Todos terão vez e voz. Para se ter uma ideia da modernização que temos condições de fazer, em 1998 praticamente nem Internet existia. O esporte precisa estar mais perto da população vulnerável, dos mais desfavorecidos. O esporte é uma grande ferramenta de transformação social.

Quais são os principais pontos a atualizar?

Tudo será debatido de forma saudável e democrática. Vamos discutir questões como eleições de federações e confederações, pois muitas se perpetuam com os atuais critérios. Vamos discutir a Lei de Incentivo federal, buscando uma paridade com a cultura, talvez. Vamos debater a distribuição dos recursos das loterias e buscar novas fontes de receita para o esporte, como os jogos de apostas online, que estão aí e não geram impostos e contribuições para o setor. A questão dos direitos de transmissão e arena, o PND (Plano Nacional do Desporto), valorização dos profissionais de educação física e equipamentos que promovem atividades físicas, como academias, clubes, etc. Esses, na pandemia, ficaram evidenciados, mais do que nunca, que existe uma falta de reconhecimento e um grande débito do estado brasileiro. Devemos avançar na formação de nossos atletas para além do esporte. O esporte forma cidadãos. Vamos revisitar vários pontos e construir outros. Um exemplo é a possibilidade dos jogos eletrônicos serem considerados esporte.

O senhor falou sobre eleições e perpetuação no poder nas entidades. Acha justo o colégio eleitoral da CBF, por exemplo, em que o voto das federações tem peso 3, dos 20 clubes da Série A peso 2 e dos 20 times da Série B peso 1? Não é uma forma de perpetuação no poder?

Acho que isso precisa ser revisto, sim. O jogo me parece desequilibrado. Vamos discutir isso com profundidade, serenidade e transparência.

Qual é o seu posicionamento sobre clube empresa, tema em trâmite no Congresso?

Desde que essa transformação seja feita com toda a transparência e seja saudável para o esporte e preserve a cultura e tradições dos clubes, não vejo maiores problemas com relação a isso. Vamos estudar exemplos onde aconteceu na Europa e ver os resultados. Estamos vivendo em outros tempos. Mas vamos debater esse tema em audiências públicas.

Acho que isso (eleição da CBF) precisa ser revisto, sim. O jogo me parece desequilibrado. Vamos discutir isso com profundidade, serenidade e transparência

O senhor é favorável à criação da Liga Nacional, um Brasileirão desvinculado da CBF?

Vejo com bons olhos a organização de ligas de clubes. Mas o ideal seria que a CBF e seus clubes filiados se entendessem, com os pedidos dos clubes e interesses, principalmente dos atletas, que são os grandes protagonistas do espetáculo. Acho que, com um diálogo honesto e franco, dá para se resolver e ficar bom para todos os lados. Mas antes de ter uma posição, vamos dialogar com todos os envolvidos na Comissão.

Um dos temas picantes é a Lei do Mandante. Como pretendem tratar o tema na comissão?

Na próxima segunda-feira (28/6), inclusive, teremos uma audiência na Comissão do Esporte, para discutir o assunto. Vamos ouvir o que cada um tem a pleitear para assim chegarmos a uma ideia mais segura. Tanto é que convidamos para a audiência entidades com diversos pontos de vista. Não vamos admitir politização do tema.

Como a CBF tem se posicionado em relação às reformas que pretendem fazer?

A CBF será ouvida, assim como outras entidades esportivas, como clubes, federações e os próprios atletas e seus representantes. Todos poderão se manifestar. Sem favorecimento a nenhuma entidade.

Vejo com bons olhos a organização de ligas de clubes. Mas o ideal seria que a CBF e seus clubes filiados se entendessem, com os pedidos dos clubes e interesses, principalmente dos atletas, que são os grandes protagonistas do espetáculo

Até que ponto a crise na CBF, com um presidente afastado e o secretário-geral demitido, pode emperrar a atualização da Lei Pelé. Afinal, é uma entidade importante no debate. Por sinal, até que ponto Walter Feldman, que até pouco tempo estava no Congresso, fará falta na ponte da CBF com o Executivo e o Legislativo devido à habilidade política dele?

Não irá emperrar em nada. A autorização da criação da comissão por parte do presidente Arthur Lira já simboliza que essa legislatura e seu comando terão a coragem de sair da zona de conforto que interessa a alguns. Tenho muito respeito à entidade CBF. Ela está passando por um momento delicado, mas o problema da política na CBF não influenciará em nada no andamento da Comissão.

A saída de Walter Feldman enfraquece a CBF na relação com o Congresso Nacional?

Na terça-feira (22/6), comentei sobre o Feldman, inclusive, na nossa reunião deliberativa da Comissão do Esporte. Lamento bastante, pois sempre foi uma pessoa íntegra, que agrega bastante e tem um canal de diálogo fácil com o parlamento. Afinal, já foi da casa. Tem experiência em gestão esportiva. Fará muita falta para o esporte brasileiro. Conhece tudo dentro da CBF e sempre se mostrou prestativo aos debates. Agradeço a tudo que ele fez pelo futebol nacional. É um amigo que a vida pública me deu.

O Flamengo tem sido muito ativo na Esplanada dos Ministérios e no Palácio do Planalto. Como lidar com essa força nos bastidores do clube mais popular do país?

O Flamengo é um grande clube e tem uma imensa torcida, mas somos a favor da igualdade em todos os sentidos. Vamos ouvir o Flamengo como qualquer outro clube da série A, B, C ou D. Vamos falar sobre o bem do futebol no geral. Afinal, é um patrimônio esportivo/cultural do nosso povo. Nenhum clube ou entidade estão acima disso.

Acabar com o Ministério do Esporte foi um profundo desrespeito com o setor. Falar que a fusão e virando um puxadinho é para economizar, é pura hipocrisia. Quero que alguém prove o quanto economizou. Vamos lutar para Ministério do Esporte voltar

Como se blindar contra os lobistas de todas as partes? Sindicatos, CBF, bancada da bola?

Vamos ouvir todos de forma democrática. Estamos focados e determinados para mudar para bem. Para o justo. E coragem não falta a mim e aos membros da comissão. Seremos muito rígidos com os nossos princípios. A nossa bancada é a do Esporte, é a da justiça!

Como estão sendo os debates com a presidente da comissão, Celina Leão sobre os temas?

Celina tem se mostrado uma grande aliada na luta pela evolução do esporte nacional. Foi uma excelente secretária de Esporte no GDF. É uma grande entusiasta do esporte, é praticante de esporte e tem uma força política muito grande. Tem excelente relação com o presidente Arthur Lira, trânsito fácil na Câmara e deu uma imensa contribuição para instalarmos essa comissão, que, há algum tempo, já se fazia necessária. Ela é uma guerreira em defesa do esporte!

Qual é a sua principal bandeira nessa atualização?

Pensamos no esporte como inclusão social, pois é fundamental utilizá-lo para formar cidadãos, tirar jovens do mundo da criminalidade, dar oportunidades por meio do esporte. Aproximar das periferias e áreas mais pobres e vulneráveis do país, que sequer têm espaços para prática esportiva. Na pandemia, por exemplo, aumentou bastante a quantidade de jovens entre 15 e 29 anos na situação “nem-nem”, que significa que nem estudam nem trabalham. Temos que incluir essas pessoas na sociedade e o esporte pode ser a ferramenta.

Além do racismo, tem que ser punido qualquer tipo de preconceito, como homofobia. Temos que exigir respeito dos outros e fazermos nossa parte diariamente. É um assunto tão antiquado, tão retrógrado, mas, infelizmente, recorrente, que chega aperta o peito ter que comentar sobre isso em pleno ano de 2021. Vamos estudar aumentar a pena para esse tipo de crime no esporte

O Brasil não tem Ministério do Esporte no governo Bolsonaro. Virou secretaria, um puxadinho da Cidadania. Isso é aceitável em um país com o potencial esportivo do país?

O esporte sempre foi o último da fila quando se fala em investimentos do Governo Federal. Acabar com o Ministério do Esporte foi um profundo desrespeito com o setor. Falar que a fusão e virando um puxadinho é para economizar, é pura hipocrisia. Quero que alguém prove o quanto economizou. Vamos lutar para Ministério do Esporte voltar.

O F5 na Lei Pelé certamente não se resume aos esportes de alto rendimento…

Penso sempre em aumentar as políticas públicas para os paratletas, para as mulheres e outras modalidades, além do futebol, que já é o carro-chefe do Brasil. Além disso, é sempre importante valorizar os profissionais de educação física. Isso ficou ainda mais evidente nesta pandemia que estamos passando, pois sem preocupação com a atividade física, a imunidade cai e quem for infectado pelo novo coronavírus pode ficar em situação mais delicada. Mas não adianta praticar esporte sem a orientação de um educador físico. O esporte tem que deixar de ser o último da fila.

Há demanda por uma legislação severa contra o racismo e outros tipos de discriminação ou preconceito. Como combater isso?

Há realmente uma demanda muito forte e eu sou totalmente favorável. Além do racismo, tem que ser punido qualquer tipo de preconceito, como homofobia. Temos que exigir respeito dos outros e fazermos nossa parte diariamente. É um assunto tão antiquado, tão retrógrado, mas, infelizmente, recorrente, que chega aperta o peito ter que comentar sobre isso em pleno ano de 2021. Vamos estudar aumentar a pena para esse tipo de crime no esporte.

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Marcos Paulo Lima

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