Deputados discutiram nas últimas horas a perspectiva de incluir na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição um dispositivo que deixe os recursos discricionários — ou seja, que não são vinculados diretamente a determinados setores de deliberação por parte do Congresso. Essa ideia ainda não está fechada, mas os parlamentares já foram todos convocados para sessão presencial para hoje e amanhã, de forma a debater uma saída para manter sob deliberação do Congresso os recursos das emendas de relator derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Até aqui, diante da decisão do ministro Gilmar Mendes, de tirar o Bolsa Família do teto de gastos, uma parcela dos deputados perdeu a pressa em votar a PEC da Transição. A avaliação geral é a de que a tensão dos últimos anos entre os poderes Judiciário e Executivo se desloca, nesta reta final de ano, para um embate entre Legislativo e Judiciário.
À flor da pele
Os deputados diziam ontem, em conversas reservadas, que é chegada a hora de saber se os congressistas querem ser um poder independente ou deixar que o STF decida sobre tudo. Eles querem poder. Mas devem deixar a briga maior para 2023.
O “pretinho básico” está salvo
Parlamentares comparam a decisão de Gilmar Mendes sobre a retirada de recursos do Bolsa Família da PEC a um vestido preto simples a ser usado numa grande festa. O vestido está resolvido, mas é preciso mais. Falta cabelo, maquiagem e tudo mais. A joia da coroa, por exemplo, está na possibilidade de usar recursos do excesso de arrecadação em infraestrutura e contrair empréstimos de organismos internacionais.
Onde mora o perigo
O risco, alertam alguns aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é cristalizar a ideia de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva joga para tirar poder do deputado alagoano. Se isso ficar mais evidente ao longo dos próximos dias, ou nos primeiros acordes do futuro governo, vai dar problema.
Médio prazo incerto
Muitos dizem que Lula pode até resolver agora, no curto prazo, o seu problema para pagar o novo Bolsa Família. Mas vai criar uma briga com Lira de difícil solução na largada do futuro governo.
Veja bem
A turma de Lira diz que Lula parece esquecer que a eleição foi apertada, que o país está dividido e as ruas não são mais território petista. Quem acompanha atentamente os movimentos, e não é do PT e nem do PL do presidente Jair Bolsonaro, avisa que o futuro governo não terá refresco nem lua de mel. Logo, não dá para criar tensão junto ao Congresso.
Atenção Janja/ Em janeiro de 2003, Lula chegou sem caneta para assinar o termo de posse. Na hora, o então presidente do Senado, Ramez Tebet (MDB-MS), pai da senadora Simone Tebet, deu a sua, uma Montblanc, de presente ao presidente. Dessa vez, espera-se que o cerimonial da posse, a cargo da primeira-dama Janja Lula da Silva, não se esqueça do acessório.
Por falar em Simone…/ Os bastidores fervem e há quem diga que ela ainda não está totalmente descartada do Ministério do Desenvolvimento Social — leia-se, gestão do Bolsa Família.
Olheiros virão/ O PT está decidido a não entregar nenhum cargo de porteira fechada aos aliados. Onde houver outro partido, terá alguém que seja petista de carteirinha para ajudar a fiscalizar.
Dias decisivos e tensos/ A convocação dos parlamentares para Brasília, até amanhã, indica que o espírito de Natal não está prevalecendo nas relações políticas. Embora o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento, trabalhe com a aprovação da PEC, nada está garantido.