“A poesia preenche um vazio essencial.”
João Cabral de Melo Neto
Você vai fazer concurso? Redige ofícios, memorando, relatórios, exposição de motivos? Candidata-se a vaga na universidade? Está de olho em promoção no emprego? Escreve e-mails? Participa de redes sociais? Abra os olhos. Não caia nas ciladas que roubam pontos e prestígio. As armadilhas são muitas. A seguir, desmontamos algumas.
O hospital atende pacientes de “0” a 18 anos
Zero ano? Nem com mágica. Só depois de 365 dias, completam-se os 12 meses necessários pra chegar lá. Melhor dar tempo ao tempo: O hospital atende pacientes de até 18 anos.
“Duas” milhões de mulheres
Ops! Milhão é masculino e não abre. Numerais, artigos e pronomes têm de concordar com ele: dois milhões de mulheres, os milhões de crianças, muitos milhões de declarações.
O diretor manterá a “mesma” assessoria.
Ora, se vai manter, só pode ser a mesma. Se não for, o verbo é outro. Pode ser mudar. Ou alterar. Xô, pleonasmo: O diretor manterá a assessoria.
O acidente deixou cinco “vítimas fatais.”
Fatal quer dizer que mata. O acidente mata. É fatal. A vítima, coitada não matou. Morreu. Em bom português: O acidente deixou cinco mortos.
Quem aposentou-“se”?
Olho na gangue do qu. Que, quem, quando, quanto, qual, porque atraem os pronomes átonos: Quem se aposentou?
“Há” dois meses da Copa, muitas obras estão no papel.
Olha a confusão! O há indica tempo passado. O a, futuro. Não vale trocar as bolas: Chegou há pouco. Entrou na universidade há dois anos. Paulo chega daqui a pouco. A dois meses da Copa, muitas obras estão no papel.
“Face ao” exposto, pouco se pode fazer.
Atenção, marinheiro de poucas viagens. Face a não existe em português. A forma 100% nacional é em face de: Em face do exposto, pouco se pode fazer.
Educação deve ser prioridade “independente” do vencedor.
Epa! Independente é adjetivo. Quer dizer livre. Independentemente é advérbio. Significa sem levar em conta: O Brasil ficou independente de Portugal em 1822. Educação deve ser prioridade independentemente do vencedor.
Lia estava com a mãe quando o ladrão encostou a arma na “sua” cabeça.
Sua de quem? Pode ser da mãe ou da filha. O sua responde pela ambiguidade. Melhor livrar-se dele: …encostou a arma na cabeça da criança. Ou da mãe.
Expediente entre “12h e 14h”.
Na indicação de horas, o número vem sempre (sempre mesmo) acompanhado de artigo: Expediente entre as 12h e as 14h.
Ele “aposentou” aos 60 anos.
Olho no verbo pronominal. Aposentar quem? O INSS aposenta o trabalhador. Mas o trabalhador se aposenta. Eu me aposento, ele se aposenta, nós nos aposentamos, eles se aposentam.
Haverá eleições presidenciais “esse” ano.
Que ano? Se é o ano em curso, o este pede passagem. A regra vale para semana e mês: este ano (2022), este mês (agosto), esta semana (a semana em curso).
1,3 “milhões”
Nas frações, o substantivo concorda com o número inteiro: 1,35 milhão, 0,45 bilhão, 2,3 trilhões.
A lei está “vigindo.”
Vigir não existe. A forma é viger. Intolerante, o dissílabo detesta o a e o o. Por isso só se conjuga nas formas em que essas vogais não aprecem depois do g. A 1ª pessoa do singular do presente do indicativo (eu vigo) ou o presente do subjuntivo (que eu viga)? Uhhhh! Fora! Nas demais, viger é regular. Conjuga-se como viver: vives (viges), vive (vige), vivemos (vigemos), vivi (vigi), viveu (vigeu), vivemos (vigemos), viveram (vigeram); vivia (vigia); viveriam (vigeriam). E por aí vai. Na dúvida, deixe o viger pra lá. Que tal vigorar? Ou entrar em vigor?
O fiscal extorquiu o “comerciante”.
Que susto! Fiscal extorquir comerciante? É difícil. Extorquir não é lá coisa boa. Significa obter por violência, ameaças ou ardis. O verbo tem uma manha. Seu objeto direto tem de ser coisa. Nunca pessoa. Extorque-se alguma coisa. Não alguém: Fiscal extorquiu dinheiro de comerciante. A polícia tentou extorquir o segredo. Extorquiram a fórmula ao cientista.
Lula “se” sobressai nas pesquisas.
Sobressair não é pronominal. Altivo, ele dispensa objeto. Reina sozinho, absoluto: Lula sobressai nas pesquisas. Os baianos sobressaem na música. O CIEE sobressai nos estágios.
“Aluga-se” casas.
A passiva sintética (construída com o pronome se) é tropeço certo. Sobram placas com “vende-se frutas” ou “aluga-se casas”. Nada feito. Para não dar esbarrões na língua, lembre-se do macete: construa a frase com o verbo ser. Se o danadinho ficar no plural, o da passiva sintética vai atrás. Se no singular, idem: vendem-se frutas (frutas são vendidas), alugam-se casas (casas são alugadas), constrói-se muro de pedra (muro de pedra é construído).
João ou Rafa “serão” presidente do clube.
O ou joga em dois times. Ora inclui. Ora exclui. Olho vivo! Se mais de um sujeito pode praticar a ação, é a vez do plural: Um ou outro artista compareceram à festa (nada impede que mais de um artista apareça). O perigo mora na exclusão. Aí, só um pode reinar. O verbo tem de concordar com ele. É o caso de “João ou Rafa será presidente do clube”. Só há uma vaga? O singular pede passagem.
Leitor pergunta
A maioria do pessoal sumiu ou sumiram?
Carlos Marcelo, BH
Partitivo é parte de um todo. Há expressões partitivas — parte de, uma porção de, grupo de, o resto de, a metade de, a maioria de. Com elas, o verbo pode concordar com o sujeito ou complemento. Quando os dois são singular, o verbo fica no singular (a maioria do pessoal saiu). Quando seguidas de complemento plural, o verbo se esbalda. Pode concordar com o sujeito ou com o complemento: A maioria dos brasileiros lamentou (lamentaram) a morte do Jô. Metade das crianças saiu (saíram).