Além disso, e é fácil comprovar, as pessoas entopem as redes sociais com observações, contestações, frases de efeito, além de fotos, vídeos e montagens de todo tipo. Há quem diga que, enquanto os livros divulgam o patrimônio cultural da humanidade, as redes sociais têm por função primordial expor a ignorância humana. Claro que essa afirmação carrega um pouco de maldade. Redes sociais podem prestar serviços relevantes. Comunicação imediata e ampla pode aproximar homens e mulheres de diferentes lugares do planeta.
E nós sabemos que a abrangência da comunicação entre os seres humanos tem sido um dos fatores notáveis do desenvolvimento do homo sapiens, uma vantagem enorme com relação a outros animais. Mas, por outro lado, é inegável que algumas regras básicas de convivência humana não têm sido obedecidas na relação com esses veículos de comunicação. A principal é que as pessoas usam as redes para serem ouvidas e lidas, não para dialogar, para ouvir e ler o que os outros têm a dizer. Ficamos ofendidos quando postamos algo que não é lido por ninguém. Mesmo quando somos lidos, queremos mais do que um “gostei”. Queremos um comentário. Comentário sincero, desde que seja positivo…
Mas será que fazemos o mesmo com a postagem alheia? Claro que não. Temos a modesta convicção de que nosso comentário é mais importante, nossa piada mais gozada, nossa frase mais original. As pessoas escrevem porque acham que têm o que dizer. As pessoas não leem, pois não acreditam que precisam aprender. Quando redigem seus truísmos transvestidos de verdades, ensaiam estranha sensação de onipotência. Como o mundo podia ter sobrevivido sem aquelas pérolas brilhantes? Como o planeta ousou girar sem que seus habitantes conhecessem aquelas gotas de sabedoria generosamente colocadas no Facebook, no Twitter ou (para esgotar a minha paciência) no Whatsapp da família?
‘ “Como você está me criticando”, disse a prima de um amigo meu para ele, “eu não tenho o direito democrático de escrever o que acho das ideias econômicas do ministro ou das declarações do representante dos EUA na ONU”? “Tem, Rosinha”, respondeu meu amigo, “você pode escrever o que quiser, mas eu também tenho o direito democrático de mostrar que você fala do que não entende, seus posts acabam expondo sua ignorância”. Pronto. As redes sociais, pelo próprio nome destinadas a aproximar as pessoas, acabam criando rupturas incorrigíveis no seio das famílias, em grupos de amigos, conterrâneos, colegas de classe.
Conheço um grupo de ex-estudantes de uma escola católica que se encontraram após 30 anos e abriram um grupo fechado no Whatsapp. A euforia do reencontro não resistiu aos embates pré-eleitorais do ano passado. Quem era a favor de um candidato a Presidência da República não podia aceitar que outros preferissem o adversário, que era, sabidamente, isto e aquilo. E vice-versa. Moral da história: o grupo se desfez para que as pessoas não chegassem às vias de fato.
A exposição a que cada um de nós fica sujeito quando escreve e publica uma opinião deixa claro, muitas vezes, que o nosso pensamento é básico, elementar, não sofisticado como imaginávamos, e isso é intolerável para o nosso ego. Ao escrever, nosso maniqueísmo, nosso pensamento esquemático, é revelado de forma crua. Não aceitamos que não somos o que imaginávamos ser, que nosso argumento tinha a profundidade de um grito de torcedor na arquibancada, nada a ver com a nossa autoimagem. Com dificuldade de aceitar o óbvio, culpamos o outro. Como em qualquer discussão em que nos faltam argumentos, embora nos sobre convicção.
Como resolver esse dilema entre o que somos e o que gostaríamos de ser, entre como somos vistos e como gostaríamos de ser vistos? Com modéstia intelectual. Assumindo que o mundo já existia antes de nós. Que o patrimônio cultural da humanidade é uma construção coletiva. Lendo. Um pouco de tudo, mas principalmente bons livros. Mais tarde, quem sabe, escrevendo um…
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