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A FORÇA DA ANCESTRALIDADE

Publicado em Espiritualidade, Filosofia, Psicologia

Belíssimas as cerimônias de transmissão de cargo às Ministras Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas. Eu não conseguia sair da frente da televisão, impactada pela importância das duas pastas ministeriais e pela força dessas mulheres. Tudo o que vi e ouvi das duas serviria como tema para este blog, tal a carga de símbolos e de sentimentos nas vestes, nos cabelos, nos gestos, nas posturas, nos discursos, nas representatividades.

 

Mas quero destacar o trecho do discurso da Ministra Sonia, em que ela diz: “Sabemos que não será fácil superar quinhentos e vinte e dois anos em quatro. Mas estamos dispostos a fazer desse momento a grande retomada da força ancestral da alma e espírito brasileiros”. E o comovente, e mais que perfeito para a ocasião, poema Vozes-Mulheres, de Conceição Evaristo, declamado pela Ministra Anielle, que começa com “A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou lamentos de uma infância perdida”.

 

As duas falaram da importância de algo sobre o que a maioria de nós não para pra pensar – a nossa ancestralidade. Nós nos preocupamos muito com o nosso futuro e com o futuro dos nossos descendentes, esquecidos dos nossos antepassados, das nossas origens, como se nossa vida tivesse sido tirada de uma cartola de mágico, como se fôssemos folhas soltas, como se não tivéssemos raízes.

 

E quando falo em ancestrais, não estou falando apenas das vovozinhas amorosas que recebiam os netos em suas casas com amor e comidas maravilhosas. Estou falando de todos os que participaram da nossa formação sob o ponto de vista biológico, emocional e espiritual, desde os homens e as mulheres mais primitivos, porque também eles, que parecem tão distantes de nós, marcaram nossas vidas de maneira indelével.

 

O que somos hoje começou lá atrás, com as alegrias e as tristezas, os acertos e os erros, os esforços dos que vieram antes de nós, os caminhos por eles percorridos. E mesmo quem crê que a morte seja o fim precisa saber que as personalidades que nos antecederam, o que elas viveram, jamais passarão. Porque, mesmo nos humanos mais intelectualmente sofisticados de hoje, vivem seus pais, muitas vezes analfabetos, e todos os que viveram antes deles, inclusive os habitantes das cavernas, que se assustavam com o fogo sem ter ideia de que, naquela coisa estranha, estava o futuro.

 

Quantas pessoas sentem-se sozinhas no mundo por não terem parentes ou por não conseguirem com eles conviver? Mas o ser humano tem uma história tão antiga que ninguém deveria se sentir assim. São milhares de personagens no nosso background, gravadas em nós, que, de repente, apresentam-se ou até assumem a direção das nossas vidas. Como quando, num momento crucial, fazemos coisas que jamais imaginamos que poderíamos fazer, tomados por uma força, por uma determinação que nunca imaginamos ter, mas surge em nosso socorro. Você já parou pra pensar de onde tudo isso vem?

 

Não nos aprofundamos nessas questões. Mal conhecemos a verdadeira história dos nossos pais, as cidades onde eles nasceram, infância, alegrias e tristezas, adolescência, sonhos, realizações, frustrações, medos, namoros, casamentos. Mesmo porque muitos escondem coisas de nós, propositalmente ou até sem querer. Sabemos tão somente o que eles contam e nos damos por satisfeitos, sem atinar que não é só da história da vida deles que estamos abrindo mão, mas da nossa, da dos nossos filhos, da dos nossos netos…

 

Lembro que eu já era uma adolescente quando achei a certidão de nascimento do meu pai e, no lugar que deveria estar o nome do meu avô, estava escrito “pai desconhecido”. Fiquei sem entender. Por que o nome do vovô não estava lá? Só então me disseram que ele não era pai biológico do meu pai, embora o tenha criado como filho; que minha avó “havia se perdido”, como diziam antigamente; e que tudo aquilo havia sido escondido de nós por minha mãe, que acreditava que saber dessa história poderia ser uma má influência para as filhas, especialmente pra mim, que me pareço tanto com minha avó.

 

Desde então, fico imaginando como deve ter sido difícil pra minha avó, na década de 30, no Nordeste, engravidar sem marido, sem profissão, sem emprego. Mas ela enfrentou tudo, teve meu pai e o criou. De onde ela tirou essa força, essa determinação? E dá pra imaginar que tudo isso se perdeu apenas porque meu pai tornou-se adulto e formou uma família “dentro dos conformes”, como se alguém tivesse passado uma régua na história da minha avó, a quem também devo minha vida, o que sou hoje?

 

E o pai da minha mãe? Um homem extremamente severo que espancava os filhos para “mantê-los na linha”; que andava armado; que matou um cunhado numa desavença e, mesmo tendo uma educação formal básica, escreveu a própria defesa e foi absolvido. Ele era inteligente, honesto e trabalhador, ficou viúvo ainda jovem, com onze filhos, mas fez questão de que todos estudassem, inclusive as meninas. Tudo isso em Recife nos anos 30! E, mesmo não concordando com os abusos por ele cometidos, quando surge uma valentia dentro de mim, costumo brincar dizendo que parece que o velho Virgílio “encostou”. Também a ele devo a minha vida, o que sou hoje.

 

É essencial que conheçamos nossos antepassados, mas com o coração aberto e o olhar amoroso, procurando contextualizar suas histórias para que consigamos nos colocar no lugar de cada um, aprendendo com eles, suas experiências, sabedoria e falhas. Porque quem entende o valor da ancestralidade nunca se sente só e, por mais difícil que a situação possa ser, sabe onde buscar forças para resistir, persistir, conquistar, agradecer. Sempre!

 

Às duas Ministras, desejo a sabedoria e a força dos ancestrais do povo brasileiro!

 

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33 thoughts on “A FORÇA DA ANCESTRALIDADE

  1. Ana via WhatsApp: Maravilhoso texto! E oportuno. ❤️ Acho q meus antepassados resolveram mandar uma mensagem através de vc. Obrigada, querida.

  2. Regina Coeli via WhatsApp: Sim. No que pudermos percorrer a história, ver os desacertos e o que levou ao acerto, ao pouco questionável, para aquele nível intelectual do tempo … hoje temos muita história, muitas discordância porque ainda muitas perguntas sem respostas. Do lado político a nossa Ditadura escondida, nem tanto, mas com uma cortina esfumaçada por um terror pouco dito, pouco falado … muitos perdidos pq a mídia, historiadores e educadores não conseguiram passar a todos a história atrás da cortina … aí uns sem noção se acham no direito de fazer história, sem entender a própria … não, não é p rir, é para se envergonhar do acontecido q não pode ser esquecido o 8 de janeiro, este pelo menos vimos. Serão realmente levado a júri certo? … viraram pizza? termo antigo … mas boto fé a não

  3. Geni via WhatsApp: Oi Maraci. Quero desejar vida longa ao seu blog. Parabéns. Você tem o Dom da Palavra. Escreve fácil as coisas profundas. 😘

  4. Rose Inah via WhatsApp: Como sempre uma bela reflexão. Realmente não costumamos pesquisar ou saber da nossa história de família….nos contentamos com o que dizem e se formos pensar bem…..tem uma multidão de familiares que nem imaginamos quem sejam😘

  5. Que os aprendizados com o passado jamais sejam esquecidos. Que nosso eu de hoje” entenda que o “eu de ontem” está diretamente ligado ao “eu do amanhã”. Que tenhamos sabedoria para lidar com o que somos hoje, pois estamos interferindo diretamente no amanhã de nossos filhos, netos, bisnetos… Lindo texto, querida amiga Maraci… Que venham muitos mais textos como este.

  6. Elizângela Freire via WhatsApp: Que os aprendizados com o passado jamais sejam esquecidos. Que nosso eu de hoje” entenda que o “eu de ontem” está diretamente ligado ao “eu do amanhã”. Que tenhamos sabedoria para lidar com o que somos hoje, pois estamos interferindo diretamente no amanhã de nossos filhos, netos, bisnetos… Lindo texto, querida amiga Maraci… Que venham mais textos como este.

  7. Elizângela Freire via WhatsApp: Não falei no espiritismo, mas não tem como não pensar na ancestralidade espiritual, que vem de centenas de milhares de reencarnações! Louco pensar nisso!

  8. Kalidaza Medeiros via FB: Nossa! Como me identifiquei com esse assunto, por coincidência no momento da oração do último Natal eu falei exatamente sobre agradecer aos nossos antepassados.

  9. PE via WhatsApp: Como sempre, os seus textos são um convite a uma boa reflexão sobre o que se relaciona a sentimentos. Este nos mostra o quão é importante buscar conhecer nossa ancestralidade, para entendermos de onde viemos e o que somos!

  10. Uau! Que texto profundo! Sabedoria que se perde achando que se está evoluindo! E pior, esquecemos de agradecer aos nossos antepassados por tornarem nossa vida mais fácil.
    Obrigada, por compartilhar!
    Nunca estamos sozinhos!

  11. Roque via WhatsApp: Prezada Maraci, bom dia. Meu nome é Roque. Morei no Brasil por um quarto de século. Agora na Itália. Queria manifestar minha gratidão pelo seu artigo “A Força da Ancestralidade” publicada no Correio Braziliense. Traz à luz um fato de relevância totalmente subjugada e esquecida, como é a herança genética. Estou compondo, na forma de modestíssimo livro, a minha história familiar até meados do século XVI, momento máximo onde há registros dos meus antepassados camponeses. Receba minhas cordiais saudações, com repetidos votos de gratidão.

    1. Bom dia, Roque! Adorei seu comentário e, mais ainda, saber da sua pesquisa, do seu interesse. Por favor, vá nos dando notícias do seu livro!

  12. Roque via WhatsApp: Prezada Maraci, muito obrigado pelo gentil retorno. Com muito prazer dividirei os resultados, fruto de uma longa pesquisa que começou lá por 1983, após a recuperação da comunicação com familiares sem contato desde o início da Segunda Guerra. Hoje, pesquisa incrivelmente facilitada pelo mundo digital. Ótimo final de semana!

  13. Estou encantada com o texto. Extremamente necessário. Emocionante. Parabéns!!! Gratidão eterna aos nossos queridos antepassados. Muito obrigada

  14. Maraci, que texto lindo! Quanta verdade! Me emocionei e escrevo esse comentário com o coração cheio de gratidão pelo privilégio de ter encontrado um relato tão essencial. Desejo que você sempre escreva, pois ganhou uma leitora e fã.

  15. Maraci que lindo o seu olhar para a nossa ancestralidade a partir do momento histórico que estamos vivendo, ver duas ministras representarem, serem realmente a cara do nosso povo, que teem ligações contextualizadas historicamente, espiritualmente e arquetipicamente, vi em seu texto todas as explucações Junguianas, sobre a importância de conhecer nossa identidade e de saber de ondem estamos tirando forças, é lindo ver você nos remeter à idade anterior a idade do fogo, as primeiras mulheres, mães, médicas, e guerreiras foram forjadas, e toda a força que cada uma de nós temos, em diferentes situações das nossas vidas, me emocionei ao ver que você citou Conceição Evaristo, e me afetou ver a figura do seu pai, ao saber que foi criado só por uma guerreira! E o caso do seu outro avô, que criou os filhos e filhas sozinho, e mesmo sem instrução formal quis que todos os filhos se formassem, veja o meu caso, completamente distinto do seu! Meu avô, professor do Estado de Minas Gerais, efetivo, nunca ensinou um filho a ler e escrever, e pior nunca se esforçou para que os filhos frequentassem uma escola, tivessem uma instrução formal, eu não tive a oportunidade de perguntar os motivos dele, então morrerei sem jamais saber. Bom, saindo dos meus dramas pessoais, amei a pontualidade dos seus textos, texto certo na hora certa, precisamos nos conhecer, conhecer nossas raízes, para criar nossa identidade como pessoa e como um povo. Porque como mulher temos vistos nas histórias, lendas e mitologias mundo à fora, que jà houveram sociedades muito bem desenvolvidas porque eram administradas por grandes deusas e deuses, desde de o Egito Antigo, passando pelos Gregos e Romanos. Quem sabe esse modelo patriarcal subjacente seja rompido também, quando as Las Lobas (Clarissa Pinkola), cantarem seus ossos, se reconhecerem como líderes da matilha.

  16. Geany via WhatsApp: Maraci, não conhecia o texto e amei. Amei pela relação com as duas ministras e suas pastas importantíssimas, mas também pela reflexão sobre o olhar que devemos ter quando tratamos da ancestralidade. Não é feita apenas de coisas boas, mesmo assim nos ensinam algo. As vezes o que almejamos ser, as vezes o que não queremos ser. E os dois nos impulsiona para frente, basta abrirmos o coração. Obrigada pelo texto.

  17. Hoeck Miranda via WhatsApp: No seu excelente artigo A Força da Ancestralidade, você destacou a força da mulher, representada pelas duas Ministras, a Anielle e a Sônia, que assumiram duas pastas governamentais difíceis e que necessitam ser construídas, praticamente do zero. Duas mulheres símbolos de nossa extraordinária mistura cultural e ancestral. Essa mistura, faz nosso povo ser tão impar e tão complexo, a tal ponto que parecemos com todo o mundo e o passaporte brasileiro é muito cobiçado. Ainda não nos chamamos de Estado Plurinacional como a Bolívia já o fez, reconhecendo a grande contribuição das diversas nações indígenas para aquela nação vizinha, mas podemos chegar lá. Temos a força da mistura étnica, da qual a música popular brasileira gera obras extraordinárias, com a contribuição de todos que aqui chegaram, seja como imigrantes ou como escravos e aceitaram a contribuição dos povos indígenas, não obstante a sua desumana dizimação. Na sua história, você destaca a força da mulher e, essa força, será capaz de levar a mulher a conquistar todos os espaços necessários na sociedade. Os Ensinamentos Bahá´is afirmam que, quando tal situação ocorrer, a paz será estabelecida no Terra. Parabéns pelo seu excelente e muito bem escrito artigo. É a força da mulher em ação!

  18. Wagner Luís Pinto via WhatsApp: Texto maravilhoso este. A Força da Ancestralidade. Classifico-o como crônica: você capta um fato do cotidiano e provoca uma reflexão sobre ele. Você está fazendo isso magistralmente. Nada escapa ao seu olhar, conduzindo sempre à sua área de conhecimento e atuação. Destaco este chute na canela, que você dá com a força de um atleta e muita competência. “_Porque, mesmo nos humanos mais intelectualmente sofisticados de hoje, vivem seus pais, muitas vezes analfabetos, e todos os que viveram antes deles, inclusive os habitantes das cavernas, que se assustavam com o fogo sem ter ideia de que, naquela coisa estranha, estava o futuro.” Por isso, é ignorância qualquer tipo de preconceito e irresponsabilidade social nada fazer para reduzir desigualdades. Mérito é muitas vezes privilégio e uma ditadura que não leva em conta a ancestralidade.

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