A Epidemia da Solidão

Publicado em Solidão

Cosette Castro

Brasília – Muito tem se falado e escrito sobre a epidemia da solidão agravada pela pandemia de Covid-19 e pelo envelhecimento populacional.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem afirmado que a solidão representa uma grave ameaça à saúde pública. E lembra que a solidão não afeta apenas pessoas idosas. Ela ocorre desde a infância, se manifestando também na adolescência e vida adulta.

As consequências da solidão vão além dos transtornos mentais. Não por acaso o Brasil é o primeiro país do mundo em casos de ansiedade e o 3o. país em casos de depressão (OMS, 2023). A solidão se manifesta no corpo e pode trazer implicações que vão do diabetes, dores generalizadas, doenças autoimunes ao aumento de risco da mortalidade por doenças cardiovasculares.

A permanência cada vez mais tempo nas redes sociais digitais é um indicativo de redução da interação interpessoal, ao vivo e a cores. E pode dar pistas sobre a solidão mesmo dentro das famílias. De acordo com o Relatório Digital We Are Social e Melwater (2024) os brasileiros passam cerca de 9h 13 minutos/dia na Internet.

Há um estigma associado à solidão. Para muitas pessoas é como anunciar que ninguém gosta dela. É como um desaparecimento em vida. Talvez por isso as redes sociais digitais tenham tanto sucesso. Na internet, elas mostram uma performance de êxito e felicidade.

As redes mostram um lado “interessante” de pessoas que se alimentam de cliques e da aceitação virtual. Ou sofrem com bullying ou com cancelamentos virtuais. A perversidade da vida real também encontra espaço no mundo virtual e se alimenta disso. E, sim, gera muito dinheiro.

Desde o mercado, há duas semanas, Mark Zuckerberg, dono do WhatsApp, Facebook, Instagram, Threads e Messenger anunciou um novo produto. O lançamento de um “amigo virtual” que está em teste em países de língua inglesa.

Ele lançou um “companheiro” para pessoas de todas as idades para competir com o Chat Gpt, do Google, que na versão original é gratuito. Mas na versão 4.0 é pago.

O “amigo” da Meta ainda não chegou no Brasil. Mas vai chegar. Cada pessoa se “relaciona” com uma Inteligência Artificial (IA) que é moldada de acordo com seus interesses. Mas sem precisar fazer a experiência com a vida real. Nem escutar nãos.

É quase como voltar a ter amigos e amigas invisíveis da infância, aqueles que viviam no nosso imaginário.

A diferença é que os novos “amigos virtuais” ganham “corporeidade” através das telas de celulares e computadores e das impressões em papel. Eles têm voz, com tons selecionados por quem compra um “amigo” ou “colega de trabalho”. Eles e elas prestam serviços. E mantém as pessoas “ocupadas” no trabalho ou na vida cotidiana.

A partir de cada solicitação, as IAs criam perguntas ou textos, preparam Power Points, respondem perguntas e muito mais. Algumas pessoas até consideram a IA mais inteligente que elas mesmas. Mesmo que o “novo amigo” utilize informações que a pessoa mesma forneceu e de milhões de outras disponíveis gratuitamente e pegas indevidamente na Internet.

Cada vez mais as máquinas e seus programas se tornam mediadoras do afeto. Um afeto que existe apenas de um lado, com aceitação contínua do lado da IA, sem risco de discussões, desentendimentos ou términos.

Além de ajudar as pessoas a serem mais produtivas no trabalho e para a busca de informações, os “novos amigos” foram criados para combater a solidão. Essa epidemia que cresce em todas as faixas etárias. Tudo baseado em “relações” que são pagas. Onde o outro não reclama ou aponta defeitos em você.

Da parte dos humanos, as pessoas pagam pelo serviço travestido de amigo virtual. Em troca elas cedem suas informações pessoais para as maiores big techs do mundo. Independente se o nome da empresa é Google ou Meta.

Nesse novo nível de “relacionamento”, as pessoas cedem informações sobre a forma como sentem e percebem o mundo. Contam sobre seus sentimentos e a forma como reagem frente a medos e ameaças.  E o  “amigo ou a amiga virtual”, puro sangue artificial, não vai ficar chateada.

A ideia de uma relação entre humanos e robôs não é nova. Seja nos livros de ficção, seja no cinema. Mas esta é a primeira vez que sai dos livros e dos filmes para entrar dentro das casas e das vidas íntimas para fazer parte do cotidiano. Isso muda radicalmente a relação das pessoas com o mundo, mesmo que ainda não possa ser visto ou compreendido em grande escala.

Fora da Internet, os casos de bebês reborn têm ganhado espaço na mídia. Bem mais que a violência sexual contra crianças e adolescentes de carne e osso.

Bebês de faz de conta, assim como os “amigos virtuais (IA), não reclamam, não ficam doentes nem morrem. Tampouco podem dizer aos seus pais que os amam. Ou odeiam. Bebês de faz de conta amaciam a dor de quem só consegue olhar a si mesmo, tendo bonecos como espelhos.

Mas fica a pergunta: Por que os bebês reborn causam mais escândalo do que as bonecas que há anos vem sendo usadas para fins sexuais pelos homens, mesmo que isso ocorra na intimidade? Por que elas são aceitas com condescendência, com um “faz de conta que não existem”, mesmo que representem a objetificação do corpo feminino?

PS: Nesta terça, 18/05, a edição de maio do Programa TERCEIRAS INTENÇÕES traz a Dra. Andrea Prates, das 19 às 20h. Tema: Menopausa. (Link aqui)

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