Tristeza, o Outro Lado do Amor

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Quantas dores emocionais sentimos quando convivemos com um familiar com demência?

Medo, raiva, frustração e sensação de impotência se misturam e revezam. Elas  podem aparecer em diferentes momentos do dia. A tristeza é o sentimento mais frequente, mesmo que seja escondida a sete chaves.

Os sentimentos, às vezes contraditórios, podem se manifestar à noite, estimulando pensamentos repetitivos e  angustiantes que podem levar à insônia. Podem levar a  noites mal dormidas e a dias extenuantes física e emocionalmente.

Demência é o nome genérico de doenças neurodegenerativas sem cura, mas com tratamento. Os pacientes podem viver até 20 anos em condições cada vez mais frágeis, em absoluta dependência de quem cuida.

A mais conhecida das demências é o Alzheimer, mas existem vários outros tipos. Entre eles a Demência Vascular, a Frontotemporal, a de Corpos de Lewy, Huntington, entre outras.

Existem também sub-tipos das demências, como as mistas que incluem mais de uma doença ao mesmo tempo. Esse é o caso, por exemplo, do Parkinson que pode evoluir para demência.

As demências são pouco conhecidas pela população, embora já tenham sido declaradas um problema de saúde pública mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Elas comprometem a memória, o pensamento, o raciocínio, a orientação de tempo, incluindo dias, horas e localização, a compreensão, a linguagem, a capacidade de aprendizagem, o julgamento e o comportamento.

Também comprometem a capacidade de executar tarefas cotidianas, seja o preparo de uma alimentação e a administração das contas bancárias. Ou a higiene pessoal.

Ou seja, de um lado a pessoa enferma perde a capacidade de decidir e gerir sua própria vida. De outro, há uma pessoa da família,  em geral uma mulher, que terá de se tornar cuidadora.

Embora ocorram majoritariamente entre pessoas acima de 65 anos, existem casos de demências que começam a se manifestar a partir dos 38, 40 anos. São  conhecidas como demências precoces, representam cerca de 7% dos casos diagnosticados e são genéticas.

Há um mito de que as demências só ocorrem entre pessoas mais velhas. Essa é uma das razões pelas quais o diagnóstico nas demências precoces demora mais. E onde há mais descrédito sobre a doença, inclusive entre médicos com pouca ou nenhuma formação sobre demências.

Isso pode  levar a um périplo de visitas a profissionais de saúde e significar um tempo de espera de até 08 ou 10 anos sem tratamento adequado. Enquanto isso, a doença segue evoluindo com consequências diretas para a família.

Uma pessoa com demência perde cada vez mais a sua independência, assim como a memória.

Também afeta a vida da pessoa acima dos 65 anos que está em processo de diagnóstico, tempo que pode demorar de 02 a 03 anos nos planos de saúde privados. Ou 03 a 04 anos na saúde pública, como apontou o Estudo sobre Pessoa Idosa com Demência e sobre Cuidadores no Distrito Federal, publicado em 2022 pelo Instituto IPE-DF.

Já a pessoa que cuida um familiar precisa modificar ou parar seu projeto de vida de uma hora para outra. Sem planejamento ou aviso  prévio. Muitas vezes sem anteparo emocional.

O cuidado deveria ser algo temporário, dividido com toda família, principalmente entre irmãos. Mas são comuns os relatos de sobrecarga física e emocional da cuidadora principal. E de adoecimento durante ou após do falecimento do familiar com demência.

Sobre a Tristeza

Como lembra a médica paliativista e geriatra Ana Cláudia Quintana Arantes, a tristeza chega na nossa vida sem pedir licença. Isso ocorre com mais frequência em casos de demências e outras doenças sem cura.

Ficamos tristes quando nosso mundo interno é total ou parcialmente destruído. E isso acontece quando acompanhamos por anos o definhar da saúde e da memória de uma pessoa querida. E também quando somos obrigados a cuidar alguém que nos maltratou durante a infância ou adolescência.

Frente a doenças sem cura ou da morte, a sensação de segurança e controle é abalada. E quando o equilíbrio existente é abalado, raiva, frustração e medo se misturam. O que sobra é a tristeza. Ela estará presente ainda que tentemos esconder.

Podemos afundar nela. Em um mundo de dor. Mas também é possível reconhecer a tristeza, dar espaço a ela.

A tristeza mostra que somos seres que sentimos, que temos afeto. Somos afetados pelos acontecimentos da vida. Quem experimenta o amor também experimenta a tristeza.

Acolher a tristeza é acolher a vida. E seus desafios cotidianos, com doenças, finitude e luto.

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, em meio a tristeza  pela perda a conta gotas de um familiar com demência, escolhemos e acolhemos  a vida. Escolhemos o cuidado coletivo e o autocuidado.

Acreditamos que o autocuidado é a melhor maneira de homenagear quem nos deu a vida, nosso maior presente.

Cosette Castro

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