Encruzilhada no combate às drogas

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Foto: Flavia Vilela/Agência Brasil

 

Avançando, contínuo e silenciosamente, o consumo de drogas ilícitas no Brasil, disseminado, de maneira assustadoramente uniforme entre as classes sociais, regiões geográficas e faixas etárias, produzindo hoje um cenário que poucos anos atrás seria visto como exagero retórico. O modelo tradicional de combate aos entorpecentes centrado, quase exclusivamente, na repressão criminal e em operações pontuais deu provas reiteradas de exaustão. As estatísticas, os relatos de profissionais de saúde, os números de internações e o comportamento cotidiano das grandes cidades deixam evidente que enxugamos gelo, enquanto o problema se expande de forma geométrica. A sensação difusa de que a sociedade caminha em direção a uma era de entorpecimento coletivo, na qual usuários e não usuários serão igualmente atingidos pelas consequências dessa espiral, deixou de ser mera metáfora e passou a representar um temor legítimo.

É nesse ambiente que se torna praticamente inevitável discutir medidas duras, profiláticas e abrangentes que possam proteger a parcela saudável da sociedade antes que ela seja tragada pela dinâmica desse fenômeno que atua de modo difuso e devastador. A constatação de que o vício já penetrou os altos escalões do serviço público, inclusive figuras políticas e administrativas de grande responsabilidade, serviu para romper uma barreira simbólica que, durante anos, manteve-se por uma espécie de ficção coletiva, segundo a qual o problema estaria restrito às franjas vulneráveis da sociedade. Essa ficção ruiu.

Diante dessa deterioração, torna-se compreensível que a sociedade comece a ponderar soluções antes consideradas draconianas, mas que hoje surgem como instrumentos possíveis de contenção. A proposta de instituir exames toxicológicos rotineiros e obrigatórios para todos os servidores do Estado, incluindo políticos eleitos, funcionários públicos, profissionais de educação, segurança e saúde, aparece nesse contexto como uma barreira de proteção, uma espécie de quarentena ética e administrativa, destinada a impedir que a máquina estatal funcione sob a influência de substâncias que alteram o comportamento, reduzem a capacidade de julgamento e fragilizam estruturas que já vivem permanentemente sob pressão.

É evidente que tal proposta despertará debates constitucionais, questionamentos jurídicos e acusações de eventual violação de privacidade, mas tal medida se justificaria como um ato que visa preservar a sanidade institucional e, por consequência, proteger a sociedade inteira de um efeito dominó que já começa a se insinuar. Um professor dependente, um policial sob efeito de substâncias, um médico intoxicado no exercício da função, um motorista de transporte coletivo incapaz de operar com a atenção necessária, um gestor público tomado por impulsividade ou apatia decorrentes do uso químico, todos esses cenários ocorreram em casos concretos e amplamente divulgados.

A vinculação explícita entre narcotráfico, terrorismo e instabilidade institucional, tema que antes circulava apenas entre analistas de segurança, passou a ser admitida publicamente. Para o Brasil, que convive com facções fortemente armadas, controle territorial por grupos criminosos e penetração das redes de tráfico em setores da economia e da política, ignorar esse movimento seria não apenas ingênuo, mas perigoso.

O país se encontra, portanto, diante de uma encruzilhada. De um lado está a continuidade de políticas que se mostraram incapazes de impedir o alastramento do uso de drogas e a infiltração desse problema na estrutura estatal. De outro lado, a adoção de uma medida rigorosa e possivelmente impopular, mas que carrega consigo a promessa de restaurar um mínimo de confiança na integridade das instituições e estabelecer um novo padrão de responsabilidade pública.

 

A frase que foi pronunciada:
“Sempre parece impossível até que seja feito.”
Nelson Mandela

Nelson Mandela em Johannesburg, Gauteng, em 13 May 2008. Foto: wikipedia.org

História de Brasília
Nenhuma classe poderá conseguir o ideal de existência com o Racionamento estimulado pelos próprios membros. E o estímulo de guerrilhas internas, através de informações dadas a jornalistas menos avisados, é condenável inclusive pela ética profissional. (Publicada em 12/5/1962)

A ética perdida

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Platão e Sócrates. Imagem: reprodução da internet

Criada na Grécia antiga pelos filósofos Sócrates, Platão e, principalmente, Aristóteles, a ética sempre foi entendida como um eixo orientador da vida humana, um critério para a virtude, para a justiça e para a convivência social pautada pelo bem comum. Não por acaso, transformou-se em disciplina própria dentro da filosofia, justamente porque estabelece o fundamento do que deve ser uma vida virtuosa, pacífica e feliz. Quando se observa esse legado, percebe-se que ética e moral são indissociáveis, sobretudo nas relações sociais e políticas, pois ali se decide não apenas o destino de instituições, mas de gerações inteiras.

Na política, ética não é um ornamento teórico; é condição de governança. Envolve honestidade, transparência, responsabilidade, justiça e respeito aos direitos humanos. Sem esses princípios, qualquer governo, por mais robustas que sejam suas estruturas, transforma-se em mero simulacro de poder, incapaz de promover desenvolvimento real ou estabilidade institucional. O Brasil conhece bem esse processo corrosivo. Há décadas, a população assiste, perplexa e cada vez mais descrente, ao desfile contínuo de escândalos de corrupção que corrói a confiança no Estado e fere de morte a própria democracia.

Do Mensalão à Operação Lava Jato, passando agora pelos casos de desvios bilionários que atingem aposentados, justamente o grupo mais vulnerável e que deveria ser protegido, o país revela, repetidas vezes, uma ferida que nunca cicatriza. A cada novo escândalo, a sensação é de que a ética se tornou presença rara, quase exótica, no exercício da política nacional. E o mais grave: enquanto a sociedade clama por integridade e justiça, o Estado e seus representantes demonstram uma surdez seletiva, incapaz de ouvir a demanda mais básica de um povo que deseja apenas ser governado com decência.

É preciso reconhecer um fato incômodo: a corrupção, no Brasil, não é fenômeno difuso ou espontâneo. É, por excelência, um produto gerado pelo próprio Estado e por seus agentes eleitos ou não. Nasce onde há concentração de poder, baixa transparência, impunidade crônica e estruturas burocráticas que facilitam o desvio, o superfaturamento e o uso privado do dinheiro público.

Ao longo do tempo, isso produziu uma cultura institucional que normaliza a imoralidade, que tolera o ilícito como método administrativo e que recompensa quem deveria ser punido. Os efeitos são devastadores. A corrupção drena recursos essenciais para a educação, a saúde, a segurança pública e a infraestrutura. Impede investimentos estratégicos, retarda o crescimento econômico, afugenta empresas sérias e desestimula qualquer tentativa de planejamento de longo prazo. Pior ainda: consolida uma pedagogia perversa para as novas gerações, ensinando, pelo exemplo dos poderosos, que vantagem pessoal vale mais do que o interesse coletivo.

Não há futuro possível para um país que cresce desconectado da ética. As crianças e jovens que hoje assistem ao noticiário e veem governantes, gestores públicos e empresários envolvidos em tramas criminosas aprendem que o Estado pode ser capturado, que a lei é maleável e que a impunidade é quase garantida. Esse aprendizado tácito destrói a confiança social e amplia o cinismo político, abrindo caminho para novas formas de autoritarismo e para o descrédito completo das instituições democráticas.

Por isso, o debate sobre ética na política não pode mais ser adiado. Trata-se de uma urgência nacional, de uma agenda civilizatória. O país precisa recuperar a centralidade da virtude na vida pública, reconstruir mecanismos de controle, fortalecer órgãos de fiscalização, proteger denunciantes e punir com rigor quem trai o interesse público. Mais do que isso: precisa reafirmar que o Estado existe para servir ao cidadão, e não o contrário.

Sem ética, nenhuma nação se sustenta. O Brasil já pagou caro demais pelo distanciamento da moralidade pública. Persistir nesse caminho é condenar as próximas gerações a um futuro reduzido, injusto e moralmente desabitado. A reconstrução ética do país é, portanto, a única obra verdadeiramente inadiável porque dela dependem todas as demais. A escola, a família e a comunidade precisam assumir um compromisso explícito com a construção de valores como honestidade, responsabilidade, respeito, empatia, justiça e valores que, quando enraizados na infância, tornam-se a base sólida de uma sociedade íntegra.

Educar eticamente não significa impor doutrinas, mas oferecer às crianças ferramentas para discernir o certo do errado, compreender as consequências de seus atos e reconhecer que o bem comum depende da ação de cada indivíduo. Ensinar ética às crianças é, portanto, uma estratégia de longo prazo para a transformação do país. É formar cidadãos capazes de rejeitar práticas imorais, pressionar por governos íntegros e participar da vida democrática com consciência e coragem. Se quisermos que as futuras gerações vivam em um Brasil mais digno, precisamos começar pelo óbvio: ensinar ética enquanto ainda estamos moldando o caráter de quem irá herdar este país. Sem isso, continuaremos reféns da mesma engrenagem que, há décadas, corrói nossa democracia e compromete nossos sonhos coletivos.

A frase que foi pronunciada:

“Não há dúvida de que, à medida que a ciência, o conhecimento e a tecnologia avançam, tentaremos realizar coisas mais significativas. E não há dúvida de que sempre teremos que ponderar essas ações com ética.”

Ben Carson

Benjamin S. Carson. Foto: achievement.org

 

História de Brasília

Excelente iniciativa, a da delegacia do IAPC em Brasília, determinando a dedetização de todos os apartamentos. Os inquilinos terão que comprar apenas uma lata de querosene, para se verem livres das baratas que estão invadindo todos os apartamentos. (Publicada em 12.05.1962)

Eleições 2026 em mar revolto

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Charge do Cazo

 

Daqui a um ano, em 4 de outubro de 2026, o país voltará às urnas para um pleito geral que, dificilmente, será um simples ato rotineiro. Na verdade, analistas políticos convergem para a conclusão de que esse será um ano que entrará para a história da democracia brasileira; não por acaso, mas porque um conjunto de variáveis se combina para torná-lo complexo, instável e possivelmente decisivo para os rumos institucionais, sociais e econômicos da nação.

Primeiro, há a extrema polarização política que marca o panorama atual. Já nas eleições municipais de 2024, o país assistiu a um jogo em que o eixo tradicional entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro pareceu perder alguma centralidade ainda que as facções à direita e à esquerda continuem fortíssimas. Segundo a imprensa independente, os resultados deixaram claro que o “centro” político captou força e que o eleitorado busca alternativas, mas não rompeu de vez com a divisão estrutural direita-esquerda.

Debates públicos prometem visibilidade sobre a ausência de um comprovante físico impresso durante as eleições, assunto que alimenta dúvidas sobre auditagem, publicidade e transparência. Segundo a Freedom House, no Brasil, há um “vibrante”, mas também “frágil” debate público, e as armas digitais constituem uma fonte relevante de interferência ou desinformação. Três variáveis merecem destaque especial. Legitimidade e confiança institucional: quando parcela expressiva do eleitorado questiona se as urnas ou a contagem podem ser “auditadas”, o sistema perde força para exercer sua função pacificadora. Estrutura partidária e fragmentação política: com dezenas de partidos, coligações efêmeras, “troca-troca” de partidos por parte dos parlamentares e governabilidade comprometida, cresce a instabilidade e Contexto socioeconômico adverso. O país vive ainda os efeitos da pandemia, a inflação persiste, o desemprego e informalidade são elevados, e o eleitorado está menos disposto ao risco. Um cenário econômico frágil gera maior volatilidade política, e quem confia que o “sistema eleitoral dê conta” tende a reagir com ceticismo.

Dessa conjunção resulta que o pleito de 2026 será menos um rito previsível e mais um momento de inflexão. A polarização não se limitará à direita vs esquerda: haverá disputa por narrativas, por controle da comunicação, por definir quem tem voz e quem se sente excluído.

É nesse contexto que se impõe, com urgência, uma reforma política profunda. Reformar não significa apenas trocar partidos, mas repensar como representamos, como elegemos e como garantimos que o resultado seja aceito por todos e, porque não, como viabilizar o recall do voto dado a quem promete e não cumpre.

Auditoria externa das urnas e contagem pública transparente, se queremos que a paz social dependa da aceitação do resultado, não basta que o TSE e as zonas eleitorais façam tudo “por trás das cortinas”: é preciso que o cidadão e a sociedade possam ver, tocar, entender os mecanismos. Reformar o sistema partidário e as coligações, diminuir a proliferação de partidos, tornar obrigatória a fidelidade partidária, limitar troca-partido pós-eleição; garantir que os partidos assumam compromissos reais perante os eleitores e que não se transformem em meros expedientes de poder. Regular fortemente a propaganda eleitoral digital, redes sociais, uso de IA, micro-segmentação; já vimos que o terreno digital virou campo de batalha, e sem regras claras e fiscalização eficaz os riscos de “efeito caixa preta” e de manipulação se tornam evidentes.

Se o 4 de outubro de 2026 for disputado sob nuvens de dúvida, com contestações à legitimidade em curso, há sério risco de convulsão, não necessariamente de um golpe clássico, mas de erosão lenta da confiança democrática e de crise recorrente pós-eleitoral. Não se trata de ser “catastrófico” por hábito, mas de realista frente à conjuntura.

2026 será um momento de tensão, risco e oportunidade. Risco, se mantivermos o sistema como está, sem reformas, alimentando incertezas, ficando à mercê de narrativas de fraude ou de veto institucional. Oportunidade, se aproveitarmos para modernizar a representação, reforçar a confiança, aprimorar transparência e fazer desse pleito um legado de fortalecimento da democracia. Em última instância, a pergunta é esta: queremos mais uma eleição onde a sociedade volte à normalidade ou um momento de ruptura de confiança democrática? A reforma política, o voto impresso conferível, a transparência eleitoral, a regulamentação da propaganda digital e a reconstrução da confiança institucional não são questões opcionais: são condição de sobrevivência democrática.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição anterior, mesmo que o agrave.”

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade. Foto: Arquivo Nacional

 

História de Brasília

Aqui estão os primeiros parlamentaristas: presidente, Hélio Marcos; Primeiro Ministro Domingos José, Vice 1o. Ministro Mário Jorge; ministro da Cultura, Dimer Camargo Monteiro; Ministro da Economia, Marcelo Magno de Oliveira Veloso; ministro da Presidência, Italo. Ministro da Divulgação, Rogerio Brant Martins. Chaves; ministro de Assuntos Sociais, Rui Lemos Sampaio; Ministro de Assuntos Missionários, Ivan de Oliveira Delforge; ministro de Assuntos literários, George Ney e presidente do Banco, Paulo Cesar Vasques. (Publicada em 11.05.1962)

Muros e pontes

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Congresso Nacional. Foto: EBC

 

Fazer política é construir pontes e não dinamitar. Com base nessa ideia simples, entende-se que quem não faz acordo político acaba por implodir as pontes. Mesmo que não queira. E é aí que entra o elemento para salvar a própria contradição da política, que é a ética pública na política. Fazer política, em sua essência mais nobre, é a arte de construir pontes entre ideias, entre setores da sociedade, entre gerações e entre realidades distintas. Infelizmente, no Brasil contemporâneo, essa missão tem sido sistematicamente abandonada em nome de uma lógica de confronto contínuo, que não apenas paralisa a ação pública como dissolve a própria ideia de nação em uma espessa e estéril gosma ideológica.

No lugar do diálogo, tem-se privilegiado o embate. Em vez da negociação responsável, a retórica inflamada. Em vez da busca por soluções reais, o cálculo eleitoral imediato. O resultado é visível em todas as esferas da vida pública: políticas travadas, reformas inacabadas, projetos abandonados e uma população cada vez mais cética e desamparada. Não faltam exemplos. A condução da pandemia da Covid-19 revelou o quão letal pode ser o colapso das pontes institucionais entre ciência, governo e sociedade. O caso da vacina Covaxin, envolvendo suspeitas de corrupção na negociação de imunizantes, expôs um Estado mais preocupado com interesses obscuros do que com a saúde pública. Enquanto o país registrava recordes de mortes, a política seguia em guerra consigo mesma — e com os fatos.

Da mesma forma, a reforma tributária, debatida há décadas, é constantemente bloqueada por disputas federativas e jogos de poder que colocam o cálculo eleitoral acima da racionalidade econômica. Cada grupo protege seu feudo, cada bancada defende seu privilégio. Na área da educação, assistimos a um processo ainda mais degradante: escolas e universidades sendo transformadas em arenas de uma ideia só. Sem investir na formação crítica e científica, o país mergulha em debates moralistas, muitas vezes irrelevantes, que apenas servem para perpetuar a polarização.

Enquanto o mundo se prepara para a era da inteligência artificial e da economia verde, o Brasil insiste em discutir se o professor é inimigo da pátria. A política nacional parece aprisionada num eterno “nós contra eles”, que sufoca o bom senso e criminaliza o dissenso. É um ambiente tóxico, onde adversários são tratados como inimigos e qualquer tentativa de mediação é vista como traição.

O fenômeno das emendas do orçamento secreto, revelado em 2021, ilustra bem esse ambiente: bilhões de reais distribuídos em troca de apoio político, fora dos critérios técnicos e éticos mínimos que se exigem numa democracia funcional. Compromisso concreto com a transparência, a responsabilidade e o interesse coletivo é o que se espera nos nossos representantes. Pois a ética pública é o que impede que o poder se transforme em instrumento de abuso e a política em mero teatro de manipulações.

Passa da hora de o Brasil reencontrar o caminho do equilíbrio. Uma espécie de aggiornamento. Isso exige coragem para o diálogo, disposição para o acordo e maturidade para entender que a política vai além da guerra, na busca pela convivência. Os países que prosperaram nas últimas décadas em desenvolvimento humano, inovação, justiça social foram justamente aqueles que souberam construir pontes necessárias para unir a população. Seguir dinamitando essas pontes é escolher o atraso. E, pior, é condenar as futuras gerações a viverem num país permanentemente paralisado por suas próprias contradições.

Esse é o momento para deixar para trás a gosma ideológica e ingressar no mundo civilizado, antes que esse venha a ser interrompido por algo como o choque de um grande e devastador meteoro que pode estar se aproximando.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Se você for bem-sucedido, alguém ao longo da linha lhe deu alguma ajuda … Alguém ajudou a criar esse sistema americano inacreditável que temos e que permitiu que você prosperasse. Alguém investiu em estradas e pontes. Se você tem um negócio – você não o construiu. Alguém fez isso acontecer.”

Barack Obama

Barack Obama. Foto: washingtonpost.com

 

Ouvido miúdo

No cafezinho da Câmara, um recém chegado de Dublin perguntou, completamente atordoado com as notícias: “Que tarifaço é esse? Imposto de Renda, o IOF ou o imposto por Trump?” A resposta foi mais comprida, mas só deu para ouvir: “todos”.

Charge do Fraga (Gaúcha/Zero Hora)

 

História de Brasília

Como em Brasília todo o mundo viaja, um grupo de chantagistas resolveu criar o conto da mala feita. Na história de descontar “um cheque que eu vou viajar agora”. Várias autoridades e um banco caíram no conto com duzentos mil cruzeiros. (Publicada em 06.05.1962)

Sufrágio dos Bichos

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Charge do Baggi

No velho campo onde se reuniam as espécies, aproximava-se, mais uma vez, o tempo da escolha. Era um ritual conhecido: a cada estação certa, reuniam-se os bichos em assembleia, fingindo surpresa com os nomes apresentados, como se não os conhecessem desde os tempos em que aprenderam a farejar o perigo. O curioso é que, a cada nova escolha, falava-se em renovação. Mas bastava olhar com mais atenção para notar que os candidatos ao pasto principal eram quase sempre os mesmos. Alguns, impedidos de se apresentar no curral central por conta de antigos escândalos no galinheiro, enviavam representantes treinados: o sobrinho do jumento, a esposa do galo, o afilhado da raposa. Todos bem ensaiados, com discursos decorados e promessas renovadas. Chamavam isso de continuidade com outra roupagem. Os mais crédulos chamavam de mudança. Ninguém sabia ao certo quem havia inventado a prática, mas ela funcionava com precisão.

Os mesmos que haviam devorado os grãos do celeiro agora voltavam com novas penas, distribuindo sementes como se fossem dádivas. E os bichos, com fome ou com esperança, aceitavam. Afinal, quem recusa comida quando o inverno ameaça? O mais espantoso é que o ritual se repetia sem sobressaltos. Alguns animais até se indignavam, relinchavam, grasnavam em protesto, mas, no fim, cediam ao espetáculo. A promessa de feno fresco e sombra larga faziam com que muitos esquecessem os episódios de estiagem, os grãos desaparecidos, os ninhos abandonados.

As assembleias, cada vez mais barulhentas, pareciam ter virado feiras. Entre cartazes com desenhos de frutas e slogans sobre o futuro do brejo, os velhos macacos distribuíam bananas, as cobras ofereciam simpatia e os leões aposentados cochichavam no ouvido de seus substitutos. Tudo sob o olhar tolerante dos gansos, que fingiam não ver, ou não entender. Ao fim, o que se desenhava era sempre parecido com o começo. Mudava-se a voz, trocava-se o casaco, reformavam a cerca. Mas a trilha do curral era a mesma, e os caminhos levavam ao mesmo estábulo, onde só alguns tinham direito a ração especial.

Entre berrantes e promessas, entre milho e teatro, a escolha dos líderes seguia seu curso.

A cerimônia tinha ares de celebração, mas carregava também certo tédio repetitivo. Os tambores batiam forte, campanhas publicitárias prometiam horizontes, e os bichos, empolgados, balançavam a cauda. Havia até quem trocasse de penas. Era como se os bichos, embora inquietos, tivessem esquecido que a natureza não se altera com fantasia nova.

Quem era proibido de entrar no curral encontrava um jeito de manter-se no comando. O tempo passava e, com ele, a indignação se esvaía, como o rastro de uma lesma ao sol. Nas tocas mais escuras e nas clareiras mais discretas, comentavam com certo receio que era melhor guardar as opiniões nas gavetas. Opinião contrária era acinte.

Mas os mensageiros da floresta, aqueles que viviam de sussurrar ao pé dos cupinzeiros e retransmitir fake news no sopro do vento, logo tratavam de abafar o incômodo. Falavam em união, em cicatrização das feridas, em conciliação entre espécies. Repreendiam quem ousasse lembrar o que se passou. Afinal, insistiam, todos têm direito a uma segunda chance… terceira ou décima chance. Enquanto os mais atentos tentavam rememorar os desmandos da última temporada, aqueles que tomaram o silo e as serpentes foram nomeadas para vigiar os ovos. Os mais jovens, ou mais desatentos, deixavam-se encantar pela fluência dos novos discursos, que soavam como os antigos com a diferença de uma musiquinha patrocinada ao fundo.

E assim, a assembleia se formava com um som ruidoso, onde panfletos forravam o chão, as bandeiras com frutas coloridas tremulavam ao vento estampando frases de efeito sobre o futuro do brejo. Quem ousasse apontar erros ou questionar o ciclo vicioso era logo lembrado: em terra de sapo, mosca não dá rasante.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“É um grande debate global o quanto aquele processo inflacionário correspondia a um choque de oferta pela desarticulação das cadeias produtivas e dificuldade de produzir, e o quanto correspondia a uma questão de demanda decorrente dos programas de transferência de renda e socorro por causa da pandemia. A minha posição, eu recorro sempre a uma frase do Churchill: a verdade é uma adúltera, nunca está com uma pessoa só.”

Gabriel Galípolo

Gabriel Galípolo. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

 

História de Brasília

O panorama napolitano de roupas ao vento nas janelas e nos corredores, outrora privilégio das quadras 409-10 já se estendeu à Asa Norte. O Bloco 42 comanda o espetáculo. (Publicada em 05.05.1962)

Leões e cordeiros

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Charge do Baggi

 

Há países onde a política se parece menos com um pacto social e mais com um teatro repetido: os atores não mudam, os cenários se deterioram e a plateia já nem aplaude. Em uma dessas nações vizinhas, marcada por décadas de improviso institucional, surgiu, recentemente, uma voz dissonante. Um personagem que não saiu do camarim habitual da política, mas dos bastidores da crítica radical. Sua retórica era direta, sua proposta, disruptiva: o palco precisava ruir para que se pudesse construir um novo espaço de representação.

Ele começou sua reforma por onde poucos ousam: pela simbologia do poder. Disse, com franqueza desconcertante, que ninguém representa mais do que aquele a quem representa. Como num mercado, o derivativo não pode valer mais do que o ativo. Ou seja, o político não pode custar mais caro do que o povo que o sustenta. Essa máxima — simples, porém subversiva para certos círculos — tornou-se eixo de sua proposta. Redefiniu a lógica do serviço público como um espaço de responsabilidade, e não como um pedestal.

Ao observarmos o que se passa por lá, é difícil não notar o abismo entre aquele movimento de enxugamento institucional e outras realidades onde o Estado se agiganta não para amparar, mas para dominar. O novo dirigente iniciou cortes drásticos: ministérios fundidos ou extintos, contratos revistos, subsídios revogados. A máquina pública deixou de ser monumento de privilégios para ser submetida à regra do equilíbrio. Um ajuste fiscal profundo foi aplicado, com cortes em obras, cargos e repasses que, por anos, serviram a interesses cruzados.

Não se trata de um simples programa de contenção de gastos, mas de uma tentativa de refundar o edifício institucional sobre bases menos clientelistas. E, curiosamente, é justamente isso que tem causado escândalo. Porque, onde se havia normalizado o excesso, a austeridade soa quase como heresia. O desconforto que essas mudanças têm provocado é, em si, revelador: expõe a dependência de muitos grupos à gordura do Estado.

Entre os alvos, estão estruturas sindicais que, por muito tempo, funcionaram como satélites de poder, mais interessados na perpetuação de sua influência do que na defesa do trabalho real. Há quem veja, nesse embate, ecos de outras geografias: sistemas onde o sindicalismo se tornou braço de partidos, e os partidos, extensões de projetos pessoais. O paralelo não é forçado. O líder vizinho reconheceu essas estruturas como parte da engrenagem que emperrou seu país e propôs reformas para flexibilizar, modernizar e desburocratizar relações de trabalho.

No plano simbólico, cortou também regalias históricas: pensões especiais, carros oficiais, gabinetes inchados. Propôs que o erro político deixasse de ser custo social e passasse a ser ônus individual. Ou seja: quem erra, paga. Como em qualquer outra profissão. Isso, claro, desafia o pacto informal da impunidade, que vigora em muitas democracias capturadas por seus representantes. Afinal, exigir do político o mesmo sacrifício que se exige do cidadão comum é, para muitos, uma afronta.

O mais curioso, porém, é que essa nova liderança não se vende como herói. Seu discurso é o do sacrifício, não da redenção. Seu projeto não é a conciliação de forças, mas o enfrentamento direto das distorções. Isso lhe rendeu inimigos poderosos, resistência parlamentar e uma tempestade midiática. Mas também lhe garantiu apoio popular entre aqueles que, cansados da linguagem pasteurizada da política tradicional, encontraram nele um eco de suas próprias frustrações.

Há muito a ser provado, e o caminho está longe de ser pacífico. As medidas são duras, e os efeitos sociais podem ser profundos. Mas ignorar o diagnóstico seria perpetuar o colapso. A crise daquele país não começou com esse governo; ela foi gestada por décadas de populismo fiscal, aparelhamento institucional e desprezo pela responsabilidade. O novo dirigente apenas decidiu não fingir mais que não vê.

Enquanto isso, em outros cantos, a lógica se mantém invertida. O Estado continua a crescer enquanto os serviços públicos encolhem. Os representantes se isolam em suas fortalezas burocráticas, enquanto a população se debate com a ineficiência. E as reformas estruturais continuam sempre “para depois”, como se houvesse tempo eterno para resolver o insustentável.

O que acontece ali — nesse vizinho barulhento e em convulsão — é, talvez, o prenúncio do que outros também terão de enfrentar. Porque o modelo da abundância política em tempos de escassez social chegou ao seu limite histórico. E quando o leão já não defende o rebanho, mas o devora, os cordeiros — mais cedo ou mais tarde — deixam de confiar no cercado.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente.”

Sócrates

Sócrates – A estátua de Sócrates na Academia de Atenas. Obra de Leonidas Drosis (d. 1880). Foto: wikipedia.org

 

História de Brasília

A Universidade de Brasília solicitou ao IAPI e êste à Novacap para que sejam abertas fossas “provisórias” para os blocos 4 e 7 da superquadra 305. Nada mais absurdo. Ou muda tudo ou não deve haver privilégio em detrimento de outros. (Publicada em 05.05.2025)

Lições do conclave

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Foto: Reprodução/Vatican News/ND

 

Enquanto observava o recém-eleito papa Bento XVI na Loggia das Bençãos, o cardeal Francis George foi filmado com uma expressão notavelmente pensativa. Questionado por um repórter, ele respondeu com ares proféticos: “Estava olhando para o Circus Maximus e para o Monte Palatino, onde os imperadores romanos costumavam residir. Era daquele ponto lá no alto que eles comandavam a perseguição sangrenta contra os opositores e contra os cristãos naquela época”. Hoje, diz o sacerdote, “onde estão seus sucessores? Onde está o sucessor de Júlio César? Onde está o sucessor de Marco Aurélio? O fato é que ninguém mais se importa com isso. Eles passaram, mas a Igreja permanece. Figuras que foram tão importantes no passado só são lembradas hoje nos velhos livros de história. Mas, ao contrário, o sucessor de Pedro, aquele ao qual Cristo confiou as chaves do céu, está, neste preciso momento, acenando para a multidão do alto da janela do Palácio do Vaticano. Vejo -o sorrindo e saudando a todos como uma vitória da própria Igreja”, finalizou.

De fato, o Império Romano, que chegou a se imaginar eterno, não caiu num único dia, nem como vítima de apenas uma batalha. Ruiu aos poucos, como muitas repúblicas ao longo da história humana, minado pela corrupção, pela centralização do poder, pela decadência moral e pela substituição do bem comum pelo privilégio de poucos. O ano era 476 da nossa era. Ou seja, a 15 séculos passados.

O Senado, tão poderoso naquele período, era o símbolo da razão republicana e o centro do poder. Aos poucos, no entanto, foi se tornando apenas um palco para a manifestação de vaidades e traições. Naquele final de ciclo, as decisões já não eram guiadas pelos nobres ideais republicanos, mas por acordos silenciosos, traições, mentiras e muitas moedas invisíveis.

A história cobra apenas que aprendamos com os fatos passados. Para não repeti-los em forma de farsa. Muitas lições podem ser apreendidas nesse conclave, que agora escolhe um novo papa para a Igreja. Toda essa movimentação que agita a cidade eterna de Roma neste momento parece lançar uma luz no nosso tempo, fazendo uma espécie de link do passado com a incômoda realidade brasileira que atravessamos.

De certa forma, somos ainda uma república jovem, mas que já apresenta sinais de cansaço e velhice precoce. Temos a Carta de 1988, moderna e adequada a este século, mas que, infelizmente, continua sendo empurrada adiante com as ferramentas gastas da velha política. O Congresso, que deveria ser o guardião da democracia, frequentemente se comporta como uma câmara patrimonialista — mais próxima do Senado dos Césares do que de uma ágora cidadã. Os escândalos se sucedem, os nomes se repetem, e o futuro se adia. Tudo igual a Roma antiga.

Sob os afrescos de Michelangelo, um ritual multicentenário se repete com homens de diferentes nações reunidos  não para disputas do tipo secular, mas para definir o novo pastor para os 1,4 bilhão de fiéis. Nesse tipo de escolha, não se vê palanques, jingles ou comícios em alto som — apenas a manutenção de um silêncio profundo, seguido de orações em busca de uma luz nova para a Igreja. Depois, vem o voto secreto. O poder, ali, não é um fim em si mesmo, mas uma responsabilidade que pesa nos ombros de todos aqueles que envergam os trajes papais.

Em 2026, também o Brasil realizará seu rito de escolha para o comando do país. À diferença do que ocorre agora em Roma, as eleições de 2026 prometem ser das mais aguerridas dos últimos anos. A polarização política do país está mais extremada do que o céu e o inferno, com os dois lados se condenando mutuamente ao degredo e ao fogo eterno das trevas. Promessas recicladas, alianças improváveis, messianismos oportunistas.

O país irá às urnas em busca de um rosto novo para um país envelhecido por dentro. A decadência do Império Romano vis-a-vis a nossa decadência política pode, enfim, nos ensinar algo importante: a lição de que nosso país não necessita mais de Césares ou Augustos. Talvez, o conclave tranquilo para a escolha do papa possa nos apontar um novo caminho, longe das velhas estruturas.

Mas antes temos que cuidar de empurrar esses imperadores e cônsules para o fim da história. Temos que nos abster dos mesmos vícios que condenaram o Império Romano. Temos que espantar para bem distante esses sucessores de César. Os mesmos que ainda vestem togas ou outros que circulam pelos corredores impunes pelos corredores do poder, protegidos contra tudo e todos, acima das leis. Temos que fugir, como os escravos fugiam do castigo cruel, em busca de um país sem privilégios e tantos vícios. Que a queda do Império romano, afogada em vinho e sangue, nos oriente a virar as costas para esse tipo de passado. Que possamos ver na continuidade e solidez um farol a nos guiar nestes dias revoltos e de pouca luz.

 

A frase que foi pronunciada:
“Essa é a paz de Cristo ressuscitado. Uma paz desarmada, uma paz ‘desarmante’, humilde e perseverante, que provém de Deus.”
Papa Leão XIV

Papa Leão XIV. Foto: vaticannews.va

 

História de Brasília
A Resolução 1.731, publicada no boletim do IAPC, dá conta de que houve concorrência administrativa para a conservação dos blocos em Brasília. Isto não é nada, quando chegarmos aos números. (Publicada em 3/5/1962)

Milhares de pedaços

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Operação Lava Jato

 

Não é de hoje que figuras sem maiores expressões acadêmicas usam da titularidade de historiador e de outras formações de nível superior para distorcer fatos históricos, numa tentativa vã e descarada de reescrever o passado recente, sobretudo um passado que manchou para sempre a ficha corrida de diferentes comandos do nosso país. É justamente esse passado recente, envolvendo os escândalos do mensalão e do chamado petrolão, que busca lançar, ao lixo e ao esquecimento, como se nada desses episódios criminosos tivesse sido acompanhado e documentado, par i passo, por milhares de coberturas in loco e em tempo real por todo o jornalismo brasileiro e do exterior.

Apenas uma juntada de todas as reportagens que foram feitas naquele período perfaz, com folga, mais de dezenas ou centenas de milhões de linhas, todas elas focadas no que a maioria dos analistas passou a considerar como o maior e mais abrangente esquema de corrupção de toda a história brasileira. A história vista de cima, em todo o seu conjunto e com toda a justeza e imparcialidade dos verdadeiros historiadores, não tem lado político e não se alinha ao caminho fácil e enganoso das ideologias. Nem se deixa levar ditames e simpatias de partidos.

Antigamente, se dizia que filósofos e historiadores, para ficar apenas nessas duas vertentes do pensamento, não deviam se alinhar a ideologias, muito menos às de cunho político e partidário. Filósofos que buscaram abrigo em legendas e ideias políticas perderam a capacidade intelectual de isenção e de livre pensamento, restringindo suas ideias ao horizonte curto da política e de seus labirintos sem saídas. Não é de hoje que se ouvem vozes aqui e ali, vindas tanto do mundo político quanto das universidades públicas do país, que buscam distorcer os fatos que levaram o país a conhecer, nos seus meandros, os casos de corrupção acima citados. Volta e meia, alguns desses personagens insistem em dar uma nova explicação para coisas que, em si, foram taxativamente expostas à luz do dia e ao conhecimento geral.

É fato que a ideologia cega. E cega mais ainda quem se acredita um expert em manipular a verdade. O descaramento é tal que gente desse naipe não se avexa em repetir o mesmo bordão daqueles que protagonizaram e comandaram diretamente esses escândalos. O que chega a ser surpreendente é que professores e pensadores, que deveriam, por sua formação, serem os mais precavidos e ponderados, acabem embarcando na canoa furada que agora culpa a Operação LavaJato não pelo desmonte da megacorrupção sistêmica que sangrava o país, mas pelo fato de ter causado impactos geopolíticos, comprometendo a soberania nacional. É o caso aqui do poste urinando no cachorro.

Para alguns desses professores de história, cerceados por legendas partidárias, a Lava-Jato foi o maior desastre da política externa brasileira, pois teria provocado o maior desmonte da engenharia pesada nacional. Tudo isso por ação direta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. São tantas sandices, sacadas ao léu, que, mesmo se repetidas milhares de vezes, jamais irão se transformar em verdade.

Quem destruiu a engenharia pesada nacional foram os próprios empresários nacionais aliados àqueles políticos daquela ocasião. Não fosse aquela operação virtuosa, ainda hoje os cofres públicos estariam sendo saqueados à luz do dia e sob o olhar complacente de todos aqueles que lucraram com essas rapinagens.

A bem da verdade, versões desse gênero nem sequer deveriam ser levadas a sério. O problema é tentar vender esse peixe mal cheiroso para os jovens que ingressam nas universidades como carne fresca. Os velhos professores dessa disciplina, para os quais a história ensina a não condenar e não absolver, ficam apenas com a alternativa de dizer a verdade, mesmo que esta esteja, como se diz, espalhada em milhares de pedaços por todo o lado.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“Para que um país seja livre de corrupção e se torne uma nação de mentes brilhantes, acredito firmemente que há três membros-chave da sociedade que podem fazer a diferença. São eles: o pai, a mãe e o professor.”
APJ Abdul Kalam

Cientista e ex-presidente da Índia APJ Abdul Kalam, 2008. Foto: britannica.com/biography

 

Direito de ir e vir
As brigas entre moradores de rua e o assédio aos transeuntes das quadras na Asa Norte têm sido a marca da pouca atenção do governo. O que se vê é a falta de iniciativa e apoio para uma morada decente tanto para os abandonados quanto para os pagadores de impostos.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Pres

 

História de Brasília
Depois, outra notícia circulou. É que havia caído um raio na antena do aparelho e inutilizou-o. Ninguém sabe de fato a razão ou as razões, mas sabe que o equipamento está fora de uso e os médicos não foram sequer procurados para devolver o transistor que tinham sempre ao bolso. (Publicada em 29/4/1962)

Tridimensionalidade do tempo e poder

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Charge do Cardom

 

Observando o mundo ocidental hoje, um fenômeno vem chamando a atenção de muitos: a democracia, como a conhecemos, parece começar a exibir sinais de esgotamento do modelo tradicional, levando as pessoas a se assustarem com os possíveis modelos de representação popular que poderá vir a substituir a velha, boa e tradicional democracia, conforme idealizada nos anos pós-revolução francesa de 1789. Há uma fronteira tênue entre democracia e ditadura na medida em que se assiste ao crescimento de um poder, no caso, o Judiciário, cujos membros não são eleitos pela população, mas cujas medidas passam a ter caráter de decisão final e irrecorrível.

Diante desse aparente esgotamento do modelo de democracia ocidental, que outro modelo poderá ser criado, sem que ele afete a liberdade individual? Haveria, nesse caso, também uma relação entre a superpopulação mundial e os antigos direitos individuais impostos pela democracia? O homem mudou ou teria mudado o próprio conceito de democracia? O que o século XXI prepara em termos de democracia num mundo populoso e onde as mídias sociais parecem dominar, unindo e desunindo as massas? Essa reflexão é profunda e extremamente pertinente. O século XXI está, de fato, colocando, em xeque, não apenas os mecanismos de funcionamento da democracia, mas também seu sentido mais essencial: a representação da vontade popular com respeito às liberdades individuais. Há uma crise da democracia representativa, mas isso seria resultado de  esgotamento ou de uma transição? Não sabemos até agora. O fato é que desde a Revolução Francesa, o modelo de democracia liberal representativa se sustentou em pilares como: o sufrágio universal; a separação dos poderes; o Estado de Direito, bem como as garantias dos direitos individuais.

Hoje, assistimos a uma crise de legitimidade geral, decorrente, talvez, da baixa participação política, com um aumento do desinteresse e desconfiança nas instituições; a ascensão do Judiciário como “poder moderador”, preenchendo vazios deixados por um Legislativo paralisado ou desacreditado, refém de seus próprios interesses. Além disso, assistimos a uma polarização extrema alimentada por redes sociais, dificultando o consenso democrático, insuflando mentiras e verdades na mesma proporção.

É claro, até aqui, que não podemos culpar o advento das redes sociais pelo esgotamento do modelo atual de democracia. Mas, lembrando ensinamento antigo, podemos induzir que onde todos têm direitos, ninguém tem direito algum. O fato é que a qualidade da democracia é dada diretamente pelo nível de educação de seu povo. Sem educação ou com uma baixa qualidade, sobretudo das escolas públicas, falar em democracia de qualidade, que atenda às exigências atuais, é perda de tempo. Talvez, esteja nesse ponto o calcanhar de Aquiles de muitas democracias, inclusive a nossa.

Por outro lado, vemos que a democracia parece mais um processo de “gestão de conflitos permanentes” do que uma expressão clara da vontade popular. Não se pode aqui desviar de um assunto espinhoso: a hipertrofia do Judiciário como sendo ou um poder necessário, ou ameaça total à democracia. Não é segredo para ninguém que o Judiciário vem se tornado protagonista em diversas democracias ocidentais — não apenas no Brasil, mas também nos EUA, Israel, Índia, entre outros países. Os desafios a essa tendência são diversos e complexos, a começar pelo fato prosaico de que os juízes não eleitos com poderes decisórios finais geram a sensação de uma vaga e perigosa “tecnocracia judicial”.

Mas é sabido que isso ocorre porque o Judiciário passou a governar por exclusiva omissão do Legislativo ou como dizem, por contenção de populismos autoritários. Esse fato pode criar um paradoxo democrático: a de proteger a democracia restringindo, cada vez mais a vontade popular. A tecnocracia nos leva por caminhos perigosos, criando uma tensão crescente entre a eficiência institucional e a legitimidade popular. Há ainda outro fenômeno a ser contemplado: a superpopulação, suas complexidades, versus os direitos individuais. Com a explosão populacional e a crescente complexidade social, o modelo clássico de “um homem, um voto” começa a mostrar seus  limites práticos. O primeiro talvez seja o relativo às demandas sociais fragmentadas e identitárias, tornando o processo decisório lento e conflituoso.

Há ainda o problema dos direitos individuais, que, muitas vezes, colidem com o bem coletivo, especialmente em temas como meio ambiente, segurança, mobilidade e saúde pública. Aqui, surge um outro dilema: os direitos individuais devem ser absolutos em um mundo superpovoado e interconectado? Talvez, sempre talvez, seja necessária uma revisão geral do contrato social, sem abolir a liberdade, mas repensando seus contornos, possibilidades, tudo isso sem perder de vista seus princípios básicos.

Outras questões também são vitais como o que propõe distinguir a democratização ou nova tirania das massas, impulsionada pelo advento das redes sociais, que prometiam democratizar a informação. Hoje, há dúvidas sobre isso. Mas é prescindível notar que as mídias sociais deram uma nova amplidão ao conceito do que seja popular. Goste-se ou não, as mídias sociais deram vozes a todos, inclusive aos idiotas e, por um fato simples, eles também existem. Mas não se pode perder de vista que essa ampliação das  vozes extremas, pode nos conduzir ou a desinformação e ao que chamam agora de  tribalismo digital, criando uma espécie de”realidades paralelas” que podem muito bem, minar o debate público racional.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.”

Peter Drucker

Peter Drucker. Foto: George Rose/Getty Images

 

Direito de ir e vir

As brigas entre moradores de rua e o assédio aos transeuntes das quadras na Asa Norte têm sido a marca da pouca atenção do governo. O que se vê é a falta de iniciativa e apoio para uma morada decente tanto para os abandonados quanto para os pagadores de impostos.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Pres

 

História de Brasília

Depois outra notícia circulou. É que havia caído um raio na antena do aparelho, e inutilizou-o. Ninguém sabe de fato a razão ou as razões, mas sabe que o equipamento está fora de uso e os médicos não foram sequer procurados para devolver o transistor que tinham sempre ao bolso. (Publicada em 29.04.1962)

Penas ao vento

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Charge do Cazo

 

         Acreditem: a polarização política, por seu poder dissipador e insidioso da cizânia, uma vez inoculada aos quatro ventos, torna-se impossível regredir. É como o fofoqueiro da aldeia, que, arrependido de suas intrigas, foi se consultar com o sábio local para tentar reverter o mal que tinha causado às pessoas por sua língua cheia de veneno. Ciente de que esse era um caso sem solução, o sábio sugeriu, ao consulente, que pegasse um grande travesseiro de pena de beija-flor e fosse ao mais alto monte do lugar e sacudisse-o durante uma tempestade de vento. Depois de seguir os conselhos do sábio, o fofoqueiro voltou para saber dos resultados de sua penitência. Volte lá, disse-lhe o sábio, e recolha cada uma das penas de beija-flor espalhadas.

         Ficasse restrita apenas na esfera política, a polarização extremada faria seus estragos apenas entre os políticos, não trazendo seus malefícios para o mundo exterior. Ocorre que a política, por sua necessidade vital nas relações humanas, permeia toda a vida em redor. Não há um lugar sequer onde os ventos da política não soprem de uma forma ou de outra. A política, uma vez infectada com o veneno da discórdia, produz seus efeitos por toda a parte, não respeitando nem mesmo os laços familiares e as amizades fraternas de longo tempo.

          Trata-se de um veneno deletério ao próprio espírito humano. Quantas e quantas vidas não foram ceifadas ao longo da história humana, apenas tendo leit motif à polarização política. A questão a intrigar a todos é saber por que, até hoje, não encontramos antídoto para esse mal, se conhecemos seus efeitos, suas causas e, sobretudo, de onde partem e com que intenção são criados.

         Não somos imunes à polarização da mesma maneira que não somos imunes ao mal. Talvez, isso se deva ao fato de que tenhamos, interiormente, o mal instalado dentro de alguma parte de nós. O que talvez sirva de consolo para alguns é que, diante do fato de termos adentrado milhas adentro nessa selva incivilizada, já nos encontramos, todos, igualmente perdidos. Queira o céu que, nessa luta pela sobrevivência, não tenhamos que repetir o que aconteceu na história do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que caiu na Cordilheira dos Andes, em outubro de 1972, com 45 pessoas a bordo, sendo que, dessa tripulação, apenas 16 sobreviveram comendo a carne dos mortos nessa tragédia. Observem que o fenômeno do canibalismo não é desconhecido dos homens, acompanhando-o desde as cavernas.

         A polarização política exacerbada, fosse apenas uma espécie de canibalismo circunspecta à classe política, não teríamos queixas maiores. Só que essa fome pelo outro extrapola o ringue das radicalizações, atacando também o entorno com toda a ferocidade. Hoje, são raros, tanto em nossa sociedade, como em outros lugares pelo mundo, infensos ao mal dos extremismos políticos.

         O século XXI, que seria o da vitória da tecnologia e da modernidade, tem aliado os avanços da ciência com o que de mais primitivo existe na índole humana. Em nosso tempo, homens têm sido mortos como moscas, por diferenças religiosas, culturais e outras escolhas. À sentença fatalista “está tudo dominado”, junta-se agora à outra: “está tudo polarizado”. Em nosso caso particular, a coisa toda ganha ainda mais dramaticidade quando verificamos qu em nossa aldeia, o sábio que deveríamos consultar para sanar parte de nossas culpas pela cizânia, também já foi contaminado pelos ventos funestos da polarização e, portanto, torna-se impedido de proferir nossas penitências ou absolvição.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Nada mais cretino e mais “cretinizante” do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.”

 Nelson Rodrigues.

Nelson Rodrigues em 1949. Foto: Carlos Cedoc/Funarte.

 

Leitura

Um deleite correr os olhos pelas linhas do “Lumiar de Lamparina”, um livro de memórias de Luiz Bezerra de Oliveira. Ora sorrindo, ora enxugando as lágrimas, o livro é um exemplo da riqueza de vida de tantas pessoas que atravessaram as maiores privações para alcançar a vitória nos estudos e no trabalho, com os pés no chão.

 

 

História de Brasília

A minha terceira atividade é publicidade, mas quando recebo dinheiro dou recibo, o que nem todos fazem na nossa profissão, infelizmente. (Publicada em 27.04.1962)