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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Com a ascensão de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, um rompimento explícito com a ordem econômica global estabelecida a partir da década de 1990 foi deflagrado, contra a então predominância do globalismo. Com isso, houve um rompimento nos mercados abertos, nas cadeias produtivas transnacionais, na livre circulação de capitais e a busca de organismos multilaterais como a OMC, o FMI e o Banco Mundial como instâncias reguladoras. O que estamos assistindo é uma revolução não só nos Estados Unidos, como no restante do mundo. Trump, desde a campanha de 2016, apostou em uma visão de geoeconomia soberanista, baseada na lógica do “America First”. Essa linha, como não podia deixar de acontecer, rompeu com a ortodoxia liberal internacionalista dos próprios republicanos e democratas tradicionais, produzindo impactos profundos em todo o sistema então vigente.
A começar pela guerra comercial com a China, com as tarifas impostas por Trump em 2018, abrindo uma nova fase de rivalidade econômica, onde a interdependência passou a ser vista não como segurança, mas como vulnerabilidade estratégica. Esse movimento levou a uma fragmentação nas cadeias globais de suprimentos, acelerando a busca pelos chamados reshoring (trazer indústrias de volta ao território nacional) e nearshoring (aproximação da produção em países vizinhos, como o México).
A administração Trump provocou também uma erosão do multilateralismo, enfraquecendo, por tabela, o papel da OMC, ao bloquear indicações para seu órgão de apelação, pressionando, ainda, aliados europeus a aumentarem gastos militares sob ameaça de sanções comerciais, além de questionar abertamente as alianças como a Otan sob a ótica custo-benefício. Com essas medidas, a economia mundial deixou de ter os EUA como líder previsível do “consenso globalista” e passou a lidar com uma potência mais transacional e pragmática. Afinal, já era tempo.
O resultado foi a elaboração de uma nova lógica de alianças. Em vez de defender a universalidade do livre comércio, os EUA passaram a firmar acordos bilaterais vantajosos, como renegociações com o México e o Canadá (USMCA, substituto do Nafta), em que garantiram melhores condições para a indústria americana. Isso, obviamente, mudou a lógica do comércio internacional, estimulando outros países a pensarem em termos de blocos fechados ou pactos estratégicos seletivos.
É o mundo se reciclando. O impacto sobre a antiga ordem globalista foi e está sendo fatal. O globalismo, baseado na ideia de um mercado único e interdependente, perdeu vigor. A pandemia de covid-19 e, depois, a guerra na Ucrânia apenas reforçaram essa tendência de desconfiar das cadeias longas de suprimento e buscar autonomia estratégica. Hoje, governos em várias partes do mundo começam a aplicar as políticas protecionistas propostas por Trump, sobretudo no setor tecnológico e energético. A rearrumação da economia em escala global, segue a todo o vapor dentro agora dos princípios da geoeconomia — ou seja, abarcando não só os aspectos espaciais da economia, mas também os aspectos temporais e políticos, sempre de olho nos recursos.
O que estamos assistindo é a uma inter-relação entre economia, geografia e política. Fosse lida nas entrelinhas, a carta endereçada por Trump ao governo brasileiro já seria necessária para uma mudança de rumos no cenário nacional, evitando, ao máximo, a geração de conflitos de ordem ideológica com o governo americano. O Brasil, ao longo das últimas décadas, oscilou entre o entusiasmo globalista e a retórica ideológica. O problema é que, ao permanecer preso a narrativas antiquadas de um comunismo ultrapassado e a disputas políticas internas, perdeu capacidade de reposicionamento no cenário internacional. Com isso, as consequências não poderiam ser outras daquelas que agora vemos. A começar pela perda de protagonismo comercial: enquanto México e países do Sudeste Asiático se beneficiam do “desvio de comércio” provocado pela guerra EUA-China, o Brasil segue grudado em debates ideológicos e a uma excessiva dependência da exportação de commodities.
O próprio Brics se constitui neste momento como uma espécie de amarras para nosso país. O que se vê, logo de saída, é a dificuldade de integração a novas cadeias produtivas: a indústria brasileira não conseguiu atrair investimentos estratégicos em semicondutores, baterias, inteligência artificial e biotecnologia, setores centrais da nova geoeconomia. Também se vê apego a modelos ultrapassados: parte da elite política e intelectual insiste em discursos de luta de classes e narrativas anti-imperialistas do século 20, enquanto o mundo caminha para um realismo geoeconômico pragmático, em que países buscam soberania produtiva e alianças flexíveis.
Dessa forma, o risco de irrelevância estratégica desponta no horizonte. Sem uma política externa clara que saiba negociar com EUA, China e Europa ao mesmo tempo, o Brasil corre o risco de permanecer apenas como fornecedor de produtos primários, sem influência real nos novos arranjos globais. É o prolongamento de um subdesenvolvimento crônico, atado a políticas anacrônicas. Em vez de se adaptar a essa nova lógica de pragmatismo econômico, o Brasil ignora a oportunidade de sua inserção soberana e competitiva nessa nova ordem que parece ter vindo para ficar. É uma pena.
A frase que foi pronunciada:
“A América não tem amigos permanentes ou inimigos, apenas interesses.”
Henry Kissinger

História de Brasília
A Universidade de Brasília solicitou ao Iapi e êste à Novacap para que sejam abertas fossas “provisórias” para os blocos 4 e 7 da superquadra 305. Nada mais absurdo. Ou muda tudo ou não deve haver privilégio em detrimento de outros.
(Publicada em 5/5/1962)
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Justiça das justiças seria, em tempos menos enevoados, acabar para sempre com a confusão feita hoje entre o papel específico da Justiça Eleitoral, com seu ordenamento próprio, muitos deles aplicáveis especificamente apenas em período eleitoral de campanhas, e o que entende o Supremo, em nome daquilo que acredita como defesa da democracia. Eis aqui o que resume o texto do advogado Nicolau da Rocha Cavalcanti, publica no Estadão (27 de agosto) sob o título “A confusão feita pelo STF”. Talvez, esse seja o grande tema a ser levado em consideração nesses dias de judicialização geral do país e num momento em que o atual governo lança e anuncia, publicamente, a abertura da temporada de campanha política rumo a 2026 com o lema: “O Brasil é dos brasileiros”.
A confusão entre a jurisdição eleitoral e a jurisdição constitucional não é apenas técnica; é sintoma de um país vivendo uma “campanha permanente”, onde tudo vira disputa, inclusive, o sentido da lei. A Justiça Eleitoral nasceu para garantir igualdade de condições no jogo, não para arbitrar o jogo inteiro.
O Supremo foi concebido para a guarda da Constituição, e sua intervenção é excepcional, quando há questão constitucional relevante. Entre ambas, a Constituição esculpiu um encaixe delicado: o TSE decide, em última instância, salvo matéria constitucional, quando então cabe extraordinário ao STF. Quando esse encaixe se rompe, a política escorre para os tribunais e os tribunais reagem politizando-se, mesmo sem querer. O resultado é uma dupla erosão: a confiança pública e a previsibilidade das regras.
No ambiente de 2026 à vista, cada ato de governo ou oposição é lido à luz do pleito, e o contencioso vira arma retórica. A Justiça Eleitoral possui poder regulamentar para dar execução fiel às leis, por resoluções, desde que não inove o ordenamento. Isso é crucial: “regulamentar” não é “legislar”.
Quando resoluções parecem criar obrigações novas, o sistema range e o debate migra ao STF. É nesse vaivém que nascem acusações de “ativismo” de parte a parte. Mas ativismo e judicialização não são sinônimos: judicialização decorre da Constituição generosa em direitos e do déficit de resposta política; ativismo é escolha interpretativa de maior intensidade.
No Brasil, a judicialização aumentou porque a política terceirizou decisões impopulares e porque a sociedade recorreu aos tribunais para concretizar direitos. O problema é quando a exceção vira regra e o rito eleitoral se confunde com a tutela da democracia como um todo. A tutela da democracia não é um cheque em branco; ela precisa de base normativa clara, motivação estrita e proporcionalidade.
O TSE guarda o processo eleitoral; o STF guarda as cláusulas constitucionais que lhe dão sentido. Quando o debate é sobre “como fazer campanha”, estamos no campo do TSE; quando é sobre “quais liberdades limitam o como”, toca-se o STF. No regime brasileiro, propaganda eleitoral tem janela legal definida e limites materiais.
A pré-campanha admite manifestações sem pedido explícito de voto, mas não autoriza abuso de meios ou confusão entre Estado e candidatura. Nessa fronteira, o “poder de polícia” eleitoral precisa ser acertivo, e não difuso. A anualidade eleitoral exige que mudanças de regras não valham às vésperas, protegendo segurança jurídica. Quando a política opera como se a campanha já estivesse em curso, cresce o incentivo a “resolver no tribunal” o que deveria ser resolvido no debate público. E os tribunais, pressionados por desinformação e hostilidade, tendem a ampliar autodefesas institucionais.
Exemplo eloquente foi a validação do inquérito sobre ataques ao STF, em meio a agressões coordenadas: um remédio duro, que seguiu vivo por emergência institucional. Na esfera eleitoral, decisões de alta repercussão como a inelegibilidade do ex-presidente por abuso de poder e uso indevido de meios de comunicação demonstram a potência e o custo dessas respostas. O custo é político: cada sanção vira narrativa de perseguição para uns, de higiene democrática para outros. O ganho é normativo: o sistema reafirma que há linha divisória entre Estado e projeto eleitoral.
O desafio é calibrar.Calibrar é aplicar regra com proporcionalidade, transparência e deferência democrática. Deferência democrática significa respeitar escolhas políticas legítimas, sem abdicar do controle de constitucionalidade. Proporcionalidade ao escolher a medida menos intrusiva para proteger a igualdade do pleito. Transparência para fundamentar decisões com critérios replicáveis, acessíveis e previamente conhecidos. A confusão atual nasce também da arquitetura da comunicação em redes, que tensiona o tempo do Judiciário. A Justiça decide em meses; a opinião pública move-se em horas.
A frase que foi pronunciada:
“Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos.”
Salvador Allende

História de Brasília
Atitude de lucidez e honorabilidade, a das professôras primárias. Suspenderam a greve, porque entenderam que o professor não é profissional para regime de fôrça ou de imposição. Resolveram aguardar as providencias do govêrno com a construção de novas residências. (Publicada em 09.05.1962)
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Alarmante é o estudo apresentado pela Cambridge University Press mostrando que 61,6 milhões de brasileiros, ou algo como 26% da população, vivem sob regras impostas por facções criminosas espalhadas por todo o país. São cidadãos que, por ausência do Estado, estão colocados sob o jugo da chamada governança criminal, que, com leis e punições próprias, controlam imensos territórios.
Mostra ainda, o estudo, que a vida comunitária nesses locais está sujeita a estreitas regras impostas por essas organizações, afetando do acesso a serviços públicos a até mesmo as eleições, onde, sob grande pressão, essas comunidades acabam votando em candidatos ligados aos criminosos e aos seus projetos.
Dinheiro para esse país controlado pelo crime não falta. Apenas em 2024, as organizações criminosas movimentaram mais de R$ 150 bilhões em recursos vindos de uma multiplicidade de fontes ilegais que, depois, são branqueadas por empresas de fachadas, também espalhadas por todo o país. A área de compra e venda e distribuição de petróleo e derivados tem sido a predileta desses grupos, por serem produtos onde a falsificação e a sonegação são mais facilitadas. O fato é que o crime organizado não depende do governo para se estabelecer e crescer. Tem renda própria, maior que muitos municípios juntos.
Seu poderio tem crescido e se expandido enormemente nos últimos anos. As forças de segurança, com recursos econômicos cada vez mais minguados, conhecem bem o poderio de fogo desses criminosos, cada vez mais bem armados e treinados em táticas de guerra.
São, de fato, organizações com atuação sofisticada e que chegam a operar até de dentro da própria máquina do Estado. Levantamento feito pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) mostra que o Brasil tem, aproximadamente, 100 grandes e pequenas organizações criminosas. Entre 2022 e 2024, facções do crime foram identificadas dentro de 1.760 pavilhões prisionais por todo o país. É um mundo à parte, ou submundo paralelo, ao qual os brasileiros fingem não conhecer por medo e as autoridades, por questões diversas, fazem questão de deixar em paz.
Algumas entidades que estudam esse caso escabroso chegam a afirmar que hoje quase um terço da população brasileira se encontra direta ou indiretamente subjugada por organizações criminosas de toda a espécie. Os Estados Unidos, por exemplo, já manifestaram diversas vezes sua preocupação com a expansão das facções brasileiras, especialmente pela conexão dessas organizações com cartéis internacionais e com redes de lavagem de dinheiro que atravessam fronteiras. O Comando Vermelho e o PCC são frequentemente citados em relatórios do Departamento de Estado e da DEA (Drug Enforcement Administration), devido ao envolvimento não só no tráfico de drogas, mas também no fornecimento de armas e na articulação de redes ilícitas que chegam a países vizinhos.
Nesse ponto, surge a tênue linha que separa o crime organizado dos grupos classificados como terroristas. Ao controlar territórios, impor regras, financiar campanhas políticas e transnacionalizar suas operações, essas facções já não atuam apenas como máfias locais, mas assumem características de organizações insurgentes. O risco, apontado por especialistas, é de que a América Latina se torne um grande corredor de instabilidade, onde o narcotráfico e o crime organizado se transformem em ameaças diretas à segurança nacional de vários países.
Não se trata mais de uma guerra localizada nas periferias brasileiras, mas de uma expansão continental. Países vizinhos, como Paraguai, Bolívia e Colômbia, sofrem com a presença desses grupos, seja pela penetração financeira, seja pela utilização de seus territórios como rotas de tráfico. Em consequência, cresce a possibilidade de cooperação internacional em operações de inteligência e segurança, com os EUA exercendo um papel central.
O que o estudo revela, portanto, é que o Brasil corre o risco de se tornar um epicentro do crime organizado transnacional, com ramificações que fragilizam democracias inteiras. Se nada for feito em termos de coordenação internacional, políticas públicas efetivas e fortalecimento do Estado, a tendência é de que essas organizações não apenas se consolidem, mas avancem para um patamar ainda mais perigoso, assumindo funções tipicamente políticas e desestabilizando o continente como um todo.
A frase que foi pronunciada:
“Nossa geração não lamenta tanto os crimes dos perversos quanto o estarrecedor silêncio dos bondosos!”
Martin Luther King

História de Brasília
Entrando ou saindo de uma superquadra, ponha seu carro em segunda. Respeite o pedestre que está atravessando na faixa de segurança. Êle tem direito, mesmo que não haja guarda orientando o tráfego. (Publicada em 8/5/1962)
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Em 1990, quando a Lei 8.069 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, o país ousou declarar que meninos e meninas seriam sujeitos de direitos. Três décadas depois, esse pacto civilizatório encontra sua prova de fogo nas urnas discretas que, em 4 de outubro de 2027, escolherão cerca de 30 mil conselheiros tutelares em todo o Brasil. Serão quatro anos de mandato, sem direito a hesitações: a tarefa é dura, as jornadas são longas, e o peso dos casos, quase sempre insuportável.
O Brasil mantém hoje 5.956 Conselhos, espalhados por 5.559 municípios. No Distrito Federal, serão aproximadamente 200 conselheiros, distribuídos em 40 unidades, todos submetidos ao regime de dedicação exclusiva, muitas vezes estendendo plantões por mais de 30 horas ininterruptas diante de denúncias que ferem a sensibilidade e testam os limites da própria humanidade.
A unificação das eleições, medida recente, nasce de uma tentativa de fortalecer a visibilidade e a credibilidade dessa função. Busca-se induzir a sociedade a reconhecer o peso do cargo que, embora cercado de uma remuneração média de R$ 4,8 mil mensais, esconde sob a cifra uma cilada: a de atrair candidatos desavisados, sem preparo emocional ou técnico, para enfrentar as mazelas que a infância brasileira escancara. A promessa financeira pode ser atrativa; o cotidiano, contudo, é marcado por violência, desamparo e o retrato de um país que ainda não cumpriu o que jurou a seus pequenos.
O Brasil carrega mais de 70 milhões de jovens com menos de 18 anos, grande parte deles vivendo sob condições de vulnerabilidade. Segundo relatório do Unicef em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2024, mais de 15 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta apenas nos últimos três anos. Isso significa uma média de cinco mil mortes por ano, números que rivalizam com conflitos armados em escala internacional. A violência sexual, por sua vez, atinge proporções perturbadoras: 165 mil vítimas no mesmo período, com registros que saltaram de 46.863 em 2021 para 63.430 em 2023 — um caso a cada oito minutos.
Essas estatísticas não se distribuem ao acaso. A desigualdade racial faz das crianças negras as vítimas mais expostas. Um menino negro de até 19 anos tem 21 vezes mais chance de morrer do que uma menina branca. A geografia da morte também revela padrões: entre adolescentes, a maior parte dos crimes ocorre em via pública e é praticada por desconhecidos; já entre os mais novos, quase metade das mortes acontece dentro de casa, e em 82% dos casos, cometida por pessoas próximas. O lar, que deveria ser espaço de proteção, converte-se em terreno hostil.
Diante desse cenário, os Conselhos Tutelares tornam-se a linha de frente entre a criança e o abismo. O mandato, de natureza essencialmente protetiva, exige preparo técnico, equilíbrio emocional e uma rara coragem cívica. Mas o Estado, ao mesmo tempo em que exige dedicação, falha em fornecer os meios adequados. Muitos conselheiros trabalham em prédios precários, sem equipe de apoio suficiente, com acesso limitado a transporte ou recursos para atender às emergências. É o retrato de uma política pública que se anuncia nobre na letra da lei, mas se revela insuficiente na prática.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, assumidos pelo Brasil no plano internacional, incluem metas para reduzir desigualdades, ampliar acesso à educação e garantir vida digna às crianças. No entanto, a distância entre a meta e a realidade é alarmante. Nas regiões mais pobres, menos da metade das crianças conclui o ensino fundamental. O trabalho infantil, embora em queda, ainda atinge cerca de 1,6 milhão de meninos e meninas, segundo dados de 2024. A cada nova eleição, o país se vê diante de uma escolha simbólica: perpetuar a indiferença ou reafirmar o compromisso com a infância. Nesse sentido, a eleição unificada para os Conselhos carrega mais do que a simples definição de nomes em listas. Representa uma oportunidade de a sociedade dizer se reconhece, ou não, que a infância é prioridade absoluta.
É preciso admitir: um Conselho Tutelar não resolve por si só o problema histórico do abandono da infância. Mas ele é, ainda assim, o último bastião de resistência institucional contra a negligência. Quando um conselheiro atua, não defende apenas uma criança em situação de risco: preserva o futuro de uma sociedade inteira. E, ao se omitir, por despreparo ou desatenção, reitera a lógica do descaso que já vitimou gerações.
Os Conselhos Tutelares não são espaços de prestígio político, mas de compromisso ético. Se o futuro de uma nação pode ser medido pela forma como trata seus pequenos, a eleição dos conselheiros tutelares é, talvez, um dos mais importantes pleitos do calendário democrático. Não é apenas o destino de 30 mil cargos que estará em disputa. É o destino de milhões de crianças brasileiras que ainda aguardam para saber se a promessa feita em 1990, de serem sujeitos de direitos será, finalmente, cumprida.
A frase que foi pronunciada:
“Fortalecer os Conselhos Tutelares é fortalecer a democracia e o compromisso de um país com sua infância.”
Unicef Brasil

História de Brasília
As crianças da Asa Norte, para virem à escola na Asa Sul, são obrigadas à baldeação na Rodoviária. O tráfego ali é perigoso, e não custaria nada aos TCB a restauração da linha da Caseb. (Publicada em 8/5/1962)
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Já se sabe que a dependência cada vez maior das pessoas em relação a Inteligência Artificial tem poder de comprometer a capacidade cognitiva humana. Segundo pesquisadores, o uso excessivo da IA pode levar à atrofia cognitiva, limitando a capacidade mental, diminuindo o pensamento crítico e mesmo a criatividade. Com isso, o ser humano deixa de inovar e criar novas ideias. Tudo isso pode afetar a saúde mental. A situação tem escalado a um tal ponto que hoje se fala em uma “Psicose de IA”.
São milhares de casos reais que mostram pessoas passando a acreditar que a IA possui consciência própria e que, por isso, começam a se relacionar com essa ferramenta, na tentativa de encontrar o que elas, definitivamente, não possuem.
Há poucos dias foi revelado o caso de uma jovem irlandesa, que, magoada com o fim abrupto de um relacionamento sentimental, passou a buscar uma espécie de consolo com a IA, fornecendo a ela todos os dados de sua personalidade e de seu antigo namorado, suas movimentações na cidade, seus relacionamentos, livros e filmes preferidos, casos de família, até fofocas compartilhou com a máquina. Com base nesses dados, a IA passou a fazer uma série de conjecturas e previsões que, de certa forma, alimentavam a esperança de que haveria um reatamento desse namoro, mostrando, em seguida, todas as possibilidades para que isso se concretizasse. Jamais discordou da interlocutora. Sempre elogiando sua inteligência e amabilidade.
A jovem, diante dessas afirmações, imediatamente adotou a IA como uma espécie de cartomante ou aconselhadora sentimental, estabelecendo uma relação tão próxima à IA que já não dava um passo fora sem antes consultar sua “cigana eletrônica”. Outros casos mostram até envolvimentos amorosos entre pessoas e IA. O preenchimento de um vazio existencial ou mesmo a solidão, tão comum hoje em dia, têm levado muitas pessoas a buscar, nessa lacuna, o auxílio da IA. O pior é quando essa dependência chega às raias da loucura.
Na educação de jovens é que os estragos são ainda maiores. Estudos realizados na Universidade de Carnegie Mellon, junto com a Microsoft, observaram que, com o uso intensivo da IA, os estudantes tendem a confiar mais nas respostas da IA do que em si mesmos. De certa forma, não é a IA que reduz o pensamento crítico, mas a forma como se utiliza essa ferramenta. A própria Psicologia se ressente com a IA. Não que a IA vá substituir os psicólogos, mas o uso da IA no tratamento de casos que requerem a intervenção de um psicólogo ainda é um assunto mal resolvido. A questão é como encontrar um equilíbrio entre tecnologia e humanidade. O que muitos não entendem ainda é que a IA é uma ferramenta e não uma muleta.
O tema é um dos mais instigantes do nosso tempo, porque toca diretamente no ponto em que a tecnologia deixa de ser apenas ferramenta e passa a ocupar um espaço íntimo na vida das pessoas — às vezes, substituindo vínculos humanos, emoções e capacidade de pensar por conta própria. De fato, os riscos não são desprezíveis. A dependência excessiva da IA pode, como já citado, comprometer o pensamento crítico. Quando alguém confia cegamente nas respostas de uma máquina, perde, gradualmente, o hábito de questionar, de duvidar e de elaborar hipóteses próprias, exatamente as competências que moldam a criatividade e a capacidade de inovação. Esse processo é comparável ao enfraquecimento muscular por falta de exercício: quanto mais se terceiriza o raciocínio, mais atrofiada fica a mente.
O caso da jovem irlandesa ilustra isso de forma dolorosa, ela deslocou seu sofrimento para uma “cigana eletrônica”, projetando sobre a IA uma consciência que não existe. Aí se revelam um dos perigos: a confusão entre simulação e realidade, entre respostas probabilísticas e sabedoria humana. No entanto, seria ingênuo pensar apenas nos perigos sem reconhecer as vantagens.
A IA pode ser uma poderosa aliada no campo humano quando usada com consciência. Ela pode servir como suporte para pessoas solitárias, funcionando como um espaço de expressão emocional em momentos de vulnerabilidade. Pode auxiliar psicólogos no acompanhamento de pacientes, fornecendo dados e padrões de comportamento que talvez escapem à percepção humana. No ensino, pode personalizar o aprendizado, adaptando o conteúdo às dificuldades e ao ritmo de cada estudante. No trabalho criativo, pode inspirar novas combinações de ideias, funcionando como uma espécie de “laboratório de possibilidades”. O desafio, portanto, está no equilíbrio. A IA deve ser entendida como ferramenta e não como substituto da experiência humana.
Como qualquer tecnologia, ela amplia nossas capacidades, mas também pode nos fragilizar se usada de forma acrítica. O que falta é alfabetização digital e emocional: ensinar, desde cedo, que a IA não é oráculo, nem consciência autônoma, mas um espelho sofisticado que reflete, com distorções, os dados que colocamos nela. No fundo, o perigo maior não é a IA em si, mas a nossa tendência de projetar nela aquilo que falta em nós: consolo, direção, afeto, certezas. Se conseguirmos usá-la sem entregar a ela nossa autonomia mental e emocional, a IA funcionará a contento.
A frase que foi pronunciada:
“A IA tem o potencial de ser mais transformadora do que a eletricidade ou o fogo.”
Sundar Pichai, CEO do Google

História de Brasília
Não repercutiu bem a campanha de pichamento da cidade pedindo Sette Câmara para Primeiro Ministro. Aliás, estas campanhas à base do piche não dão certo. Exemplo: Vital é Vital ; Queremos votar; JK-65; e Edmilson para o. Foram Gama campanhas à base do piche que ficaram no esquecimento. (Publicada em 04.05.1962)
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Entre todas as revoluções científicas que marcam o século XXI, talvez nenhuma seja mais surpreendente do que a que emerge no campo das neurociências. Durante muito tempo, acreditou-se que o cérebro era o centro produtor do pensamento e da consciência. Contudo, novas teorias apontam para uma hipótese radicalmente distinta: o cérebro não seria o criador da mente, mas um mediador entre frequências invisíveis e nossa experiência consciente. Essa visão sugere que o cérebro funcionaria como uma antena biológica. Assim como um rádio não produz a música, apenas a sintoniza, o cérebro não geraria ideias por si só, mas captaria vibrações de um campo maior de consciência universal.
O físico indiano Amit Goswami resume essa inversão de perspectiva ao afirmar: “A consciência não está no cérebro, o cérebro está na consciência”. Para o biólogo celular Bruce Lipton, somos receptores de um campo informacional e até o DNA funcionaria como antena capaz de captar sinais do ambiente. Gregg Braden, pesquisador que transita entre ciência e espiritualidade, acrescenta: “O cérebro é o hardware; o campo de consciência é o software”. Já Rupert Sheldrake, com sua teoria dos campos mórficos, sustenta que a memória não está armazenada no cérebro, mas ressoa em campos invisíveis que conectam todos os seres.
Essa nova abordagem começa a desafiar a neurociência clássica, tradicionalmente materialista, que procura localizar pensamentos apenas em redes neurais. Agora, a questão ganha contornos espirituais sem perder o diálogo com analogias científicas. O debate toca num ponto essencial: se o cérebro é apenas antena, onde estaria a fonte real da consciência? Nesse contexto, a glândula pineal ressurge como peça central. Conhecida, desde a Antiguidade, como o “terceiro olho” e descrita por Descartes como a “sede da alma”, sempre foi vista pelos Yogis como portal de acesso a estados ampliados de percepção.
Hoje, investigações a relacionam com ritmos biológicos, produção de melatonina e até experiências místicas. O neurocientista Rick Strassman chegou a propor que a pineal poderia estar ligada à produção de DMT, molécula que induz estados alterados de consciência. Assim, ciência e espiritualidade encontram um ponto de contato. Surge também a noção de metacognição, o pensar sobre o próprio pensar, e de meta-plasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de remodelar-se não apenas internamente, mas em sintonia com algo maior. A Psicologia e a Psicanálise são chamadas a refletir sobre essas descobertas. Freud via o inconsciente como um reservatório de pulsões reprimidas; Jung avançou ao falar do inconsciente coletivo, um campo simbólico partilhado por todos. A nova neurociência sugere que esse campo poderia ser literal, um oceano vibracional que conecta mentes em diferentes níveis. Esse deslocamento rompe com a visão cartesiana do ser humano como máquina biológica e devolve, ao conceito de “alma”, um estatuto renovado.
Amit Goswami insiste: “A consciência é a base de todo o ser; matéria e mente emergem dela”. A afirmação subverte o paradigma clássico: não é a mente que nasce do cérebro, mas o cérebro que opera como instrumento da mente maior. Naturalmente, essa hipótese enfrenta resistências. Muitos cientistas lembram que ainda faltam evidências experimentais sólidas. No entanto, é inegável que a consciência permanece como um dos maiores mistérios não resolvidos da ciência. Nenhuma teoria materialista conseguiu explicar plenamente sua origem. E quando as respostas não surgem, novas hipóteses tornam-se não apenas possíveis, mas necessárias.
A concepção do cérebro como antena pode não ser a explicação definitiva, mas tem o mérito de abrir horizontes e aproximar a neurociência de antigas tradições filosóficas e espirituais. Mais do que isso, convida-nos a refletir: somos autores de nossos pensamentos ou apenas receptores de uma transmissão maior? Se estivermos, de fato, sintonizando frequências universais, a responsabilidade pelo que captamos e manifestamos em nossas vidas se torna ainda maior. Talvez a neurociência do futuro seja também, inevitavelmente, uma ciência da alma. Nesse ponto, ciência e espiritualidade, antes vistas como opostas, podem enfim se reencontrar.
A frase que foi pronunciada:
“O cérebro é mais vasto do que o céu.”
Emily Dickinson

Pensando bem
Interessante que, enquanto eram gratuitas, as sacolas de mercado faziam mal para a natureza. Agora, ao cobrar pela embalagem, parece que alguém agradece… e não é o meio ambiente.

História de Brasília
Observe-se que isto está acontecendo no setor residencial, onde não poderia haver tal tipo de negócio.(Publicada em 08.05.1962)
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Nesta altura dos acontecimentos, não chega a ser segredo para ninguém que o Brasil caminha ao encontro de uma encruzilhada decisiva, onde terá que escolher figurar entre as nações do mundo com a maior carga tributária bruta, superior a 32% do PIB, ou virar totalmente as costas para a atual política econômica. Para um país do tipo emergente, como somos, temos uma carga tributária extremamente alta, vis a vis o retorno desses impostos em forma de serviços básicos para a população.
Na velocidade em que vamos distorcendo os primados da economia, como no caso da relação entre receitas e gastos, logo seremos um país a exibir a maior carga tributária do planeta. O problema aqui, além da insistência do governo em seguir gastando além das possibilidades reais do país, é que nossa nação adentrou em um processo perigoso e rápido de envelhecimento da população, numa transição demográfica mais veloz ainda, com pessoas vivendo mais tempo e com um pequeno número de crianças nascendo.
Essa defasagem é perigosa não só para o Brasil, mas para qualquer outra nação, pois esse desequilíbrio acaba por pressionar a Previdência e a saúde pública, que representam os dois gastos mais importantes e volumosos do governo. Para aqueles que conhecem esses cálculos a fundo, chama a atenção o fato de que cada 1% no nível de envelhecimento da população está associado diretamente a um aumento maior do que 1% na carga tributária. Trata-se de uma pressão para lá de preocupante. É o caso clássico do indivíduo que envelheceu antes de garantir seu sustento na velhice, quando sua força de trabalho diminui.
A carga tributária tende a ser mais elevada em países que envelheceram mais. E isso, no nosso caso, pode ser um desastre sem precedentes. Some-se ao envelhecimento da população o fato de que apresentamos também um elevado nível de desigualdade social e econômica. Postos juntos na balança, esses problemas estruturais se transformarão no maior desafio a
ser enfrentado neste século e com sérias consequências para as futuras gerações. A grande questão, quando se pensa em equacionar toda essa aritmética enviesada do Estado, é que não se pode confiar cegamente nos dados fornecidos por qualquer instituto de pesquisa.
O que se sabe e se sente na pele é que a carga tributária consome mais de um terço de toda a riqueza produzida e segue aumentando em ritmo veloz. Com isso, a dívida bruta já ultrapassa 76% do Produto Interno Bruto (PIB). A inflação mensal e anual é o que as donas de casa sentem ao irem ao mercado. Meio quilo de café a R$ 40. Não bate com o que divulga o governo, como sendo 5,23% nos últimos 12 meses.
A taxa de fecundidade, em torno de 1,55 a 1,57 filho por mulher, está bem abaixo do nível de reposição, o que pode ser interpretado como um aviso de que os jovens não se sentem seguros com relação ao futuro, o que, naturalmente, faz cair a taxa de natalidade. Com cada vez menos pessoas contribuindo para a Previdência e com a população envelhecendo rapidamente, o Brasil tem, obrigatoriamente neste século, que resolver essa equação, sob pena de vermos a estagnação total do país a médio prazo.
Em algumas décadas, caso essa situação não se reverta, teremos mais idosos do que jovens, o que provocará a falência da Previdência tal qual a conhecemos, assim como do sistema de saúde pública. Para governos que têm como horizonte político apenas as próximas eleições, todo esse conjunto de problemas estruturais do país acabam sempre empurrados para um futuro distante.
Diante de um quadro tão complicado como o nosso, qualquer exercício de futurologia conduz-nos sempre ao pessimismo. Quer queira, quer não, toda a preparação para o futuro começa a ser feita ainda no passado, e isso é o que não temos feito. Projetos de Estado e de longo prazo não são levados a sério. Caso sigamos persistindo nessas condições, com crescimento fraco, inflação resiliente, Selic elevada por mais tempo, postergação de ajustes previdenciários/saúde, judicialização de despesas, desaceleração da execução da reforma e outros contratempos, simplesmente não há que se falar em futuro para o país e para os brasileiros, pois o que temos em mãos é a velha e conhecida vanguarda do atraso.
A frase que foi pronunciada:
“O Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades.”
Roberto Campos

História de Brasília
Na quadra 26 da W3 no último bloco dando para a W4, o proprietário de uma casa alugou sua residência a um guarda-móveis, e os caminhões de transporte tomam toda a rua durante quase todo o dia. (Publicada em 8/5/1962)
VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Em matéria tributária, o paradoxo brasileiro é tão evidente que quase já não causa estranhamento. A recente atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, apresentada como medida de alívio às camadas de menor renda, repete um enredo conhecido: na prática, mantém privilégios para os mais ricos e pouco altera a desigualdade estrutural.
Em 2024, a carga tributária bruta brasileira alcançou 32,32% do Produto Interno Bruto, segundo dados do Tesouro Nacional. O número coloca o país entre os que mais tributam no mundo, em patamar semelhante ao de economias desenvolvidas, mas sem a correspondente qualidade nos serviços públicos. O paradoxo se agrava quando se observa que, apesar da pesada arrecadação, o Brasil ocupa a pior posição no ranking do Estudo IRBES 2023 — que avaliou o retorno social dos tributos entre os 30 países com maior carga tributária. Na prática, cobra-se como país rico e devolve-se como nação pobre.
Cotidianamente a percepção dessa contradição explica a disseminação da chamada cultura do escapismo fiscal. O contribuinte médio, consciente de seu esforço, sabe que não terá acesso a hospitais adequados, escolas dignas ou transporte decente, e a partir daí o problema não se resume apenas à evasão. A maior distorção está no próprio desenho da tributação, que isenta lucros e dividendos e concentra o peso sobre salários. De acordo com estudos oficiais, para cada real pago em imposto pelos mais ricos, outros dois reais permanecem intocados em rendimentos não tributáveis.
Em contrapartida, trabalhadores que recebem entre um e dois salários mínimos veem, para cada real isento, outros R$ 7,60 confiscados na fonte ou na declaração. Nesse contexto, as promessas de campanha que ampliam gastos públicos apenas reforçam a engrenagem do desequilíbrio. A multiplicação de ministérios, a manutenção de programas sem fonte de custeio e a ampliação de benefícios sociais sem a correspondente base arrecadatória aumentam a pressão sobre o orçamento. O Tesouro Nacional informou que a dívida bruta já supera 75% do PIB, percentual elevado para uma economia emergente. Alguém inevitavelmente terá de pagar essa conta, e a história mostra que a fatura recai quase sempre sobre a classe média e os trabalhadores formais.
Há, ademais, o problema da opacidade fiscal. Apesar das normas de transparência, a execução orçamentária continua marcada por manobras, apelidadas de “pedaladas” quando ganharam notoriedade política. O mecanismo de mascarar resultados, embora duramente criticado, ainda resiste sob novas roupagens. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, a própria complexidade do sistema custa às empresas cerca de R$ 60 bilhões anuais apenas em horas destinadas ao cumprimento de obrigações acessórias. É um peso que desestimula investimentos e corrói a competitividade.
O Projeto de Lei nº 1.087/2025, atualmente em tramitação no Congresso, tenta alterar esse quadro. A proposta prevê isenção para quem recebe até R$ 5 mil por mês, redução de alíquotas até R$ 7 mil e, sobretudo, a criação de um imposto mínimo sobre super-ricos. Estudo do Ministério da Fazenda indica que a medida poderia elevar em até 45% a tributação sobre o 0,01% mais rico da população, corrigindo uma distorção histórica. Além disso, a desigualdade medida pelo Índice de Gini cairia de 0,6185 para 0,6178, e a progressividade do sistema aumentaria em 30%. Ainda que modestos, são efeitos concretos na busca por maior justiça fiscal.
Na tabela já definida para 2025/2026, a faixa de isenção foi ampliada para R$ 27.110,40 anuais, com alíquotas progressivas que chegam a 27,5% para rendimentos acima de R$ 55.976,16. Embora o avanço represente alívio pontual, não enfrenta a raiz da desigualdade: a ausência de tributação sobre grandes fortunas, lucros e dividendos. Sem essa correção, o discurso de justiça tributária permanece mais retórico do que efetivo.
Imposto, em qualquer tempo histórico, foi percebido como imposição. A diferença está no que o Estado devolve à sociedade. Países que alcançaram equilíbrio social transformaram tributos em serviços públicos de qualidade, entendendo a arrecadação como pacto coletivo. No Brasil, o pacto está rompido. Cidadãos pagam muito, recebem pouco e ainda convivem com o espetáculo de desperdícios e privilégios. O contribuinte comum não se recusa a colaborar, mas cobra transparência, eficiência e retorno, no mínimo.
A cada nova eleição, renova-se a promessa de alívio. Contudo, o que se observa é a repetição de práticas que oneram quem menos pode e preservam quem mais acumula. Sem coragem política para rever isenções, simplificar o sistema e combater o desperdício, o país continuará condenado a viver sob o signo do paradoxo: tributa como nação rica, devolve como sociedade pobre, e perpetua a desigualdade que promete combater.
A frase que foi pronunciada:
“O desafio da esquerda é maior do que nunca. A gente nunca conviveu com uma situação tão adversa.”
Fernando Haddad

História de Brasília
O que há é falso sensacionalismo. Pura e simplesmente. O rapaz está há um ano esperando julgamento e já foi adiado duas vêzes. (Publicado em 08.05.1961)
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Fenômeno mais grave manifesta-se na ponta do sistema de saúde e não é só o sucateamento de unidades ou a superlotação crônica de hospitais e postos de atendimento. A deterioração do vínculo humano entre profissionais de saúde e pacientes é um grande problema. Nesse estágio, quando o cidadão finalmente obtém atendimento, relação que deveria pautar-se pela escuta e pelo cuidado, transforma-se, muitas vezes, em distanciamento e impessoalidade. Alunos não são preparados para esse contato. A notícia de uma doença séria é dada pelo profissional de uma forma banal e sem empatia.
Em outra perspectiva, casos de tensão e violência verbal, e por vezes física, multiplicam-se nas áreas de espera dos serviços públicos. Aglomerações, filas extensas e sensação de abandono desencadeiam hostilidade, invasões de consultórios e conflitos que se tornam rotina. Transferir a culpa, exclusivamente, para médicos e atendentes é um equívoco: tal simplificação não apenas obscurece as causas profundas do problema, como agrava a desmotivação e o desgaste desses profissionais, comprometendo ainda mais a qualidade do serviço.
Recursos federais destinados à saúde, embora elevados, mostram-se insuficientes frente à demanda. A Lei Orçamentária Anual de 2025 prevê R$ 245 bilhões para o setor (Agência Senado, 2025), valor significativo, mas inadequado para atender ama população superior a 203 milhões de habitantes (IBGE, 2024). Insuficiência não se resume à quantidade; a qualidade da gestão também é crítica. Alocação deficiente de recursos, ausência de planejamento de longo prazo e escolha de dirigentes sem critérios técnicos reduzem a capacidade do sistema de responder eficientemente às necessidades da sociedade.
Outros setores essenciais recebem o reflexo do desempenho da saúde pública, como educação e segurança. Prioridade estratégica ausente e condução condicionada a interesses imediatistas e conveniências administrativas produzem serviços precários e corroem a confiança da população no Estado. Má gestão combinada com mau uso das verbas são o principal fator corrosivo que se propaga do topo às instâncias mais elementares do atendimento. Profissionais de linha de frente, sobrecarregados, enfrentam pressões constantes e tornam-se alvo direto da insatisfação popular. Consequência inevitável é o cidadão frustrado em seu direito constitucional a um serviço público digno.
Desumanização não surge só do contato individual entre servidor e usuário, emerge de negligência institucional sistemática. O distanciamento das instâncias decisórias em relação à realidade concreta da população alimenta impessoalidade. Superar esse quadro exige um compromisso político autêntico com gestão eficiente e transparente dos recursos, aliado a investimentos proporcionais à complexidade do sistema. Reverter o endurecimento das relações requer políticas públicas que resgatem caráter humano do atendimento, incluindo capacitação contínua de equipes, melhoria das condições de trabalho, redução da sobrecarga operacional e valorização profissional baseada em mérito e competência técnica. Sem tais medidas, a saúde pública permanecerá presa ao ciclo de ineficiência e desgaste social. Um exemplo de que é possível trabalhar com verba pública e oferecer qualidade ao contribuinte: A Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, que é uma instituição pública federal vinculada à Fundação das Pioneiras Sociais, é mantida com recursos do Governo Federal. Em 2023, a dotação orçamentária final da Rede SARAH foi de R$ 1.053.000.000,00, conforme o Relatório de Gestão do mesmo ano. A Rede SARAH é referência nacional em reabilitação, com unidades em diversas capitais brasileiras, incluindo Brasília, Salvador, São Luís, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém, Rio de Janeiro e Macapá. Em 2023, a instituição atendeu pacientes provenientes de 4.889 municípios, representando 88% do total de 5.570 municípios brasileiros (dados da própria rede). Embora o número exato de pacientes atendidos em 2023 não esteja especificado nos documentos disponíveis, a ampla cobertura geográfica e a especialização da Rede SARAH indicam um volume significativo de atendimentos realizados ao longo do ano.
A compreensão da realidade dessa rede hospitalar reconhecida internacionalmente deve permear o debate público, porque somente com profunda análise é possível que se alcance as origens da crise da saúde pública no país.
Estatísticas internacionais revelam disparidade preocupante: enquanto o Brasil investe cerca de US$ 1.200 per capita em saúde, comparado a US$ 5.500 em países de renda alta, está clara a necessidade urgente de gestão mais eficiente e foco em resultados concretos. Pesquisa do IBGE de 2022 indica que 47% da população ainda enfrenta filas superiores a duas horas para atendimento ambulatorial o que reforça a necessidade de implantação de políticas estruturais.
A frase que foi pronunciada:
“Nesses tempos em que as utopias se esgotam por falta de rumos, valores e referenciais, a sociedade se canibaliza.”
Aloysio Campos da Paz

História de Brasília
Adiado, novamente, o julgamento de João Peles. O advogado auxiliar da acusação teima em dizer que está ameaçado de morte, e já está ficando sem graça, porque não acontece nada. (Publicada em 08.05.1962)
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Ignorar as relações estreitas entre economia e política pode ser a mais imprudente atitude de um governante. Embora a população possa não perceber essa relação de imediato, é certo que, em algum momento, todos, invariavelmente, irão sentir que a adoção de políticas erradas e mal adotadas trarão malefícios para todos. Política, nesse caso, é a arte de perceber a realidade e não se deixar levar por projetos e ideias fora dela.
Desde abril de 2025, uma escalada de tensões transformou o relacionamento entre Brasil e Estados Unidos em uma crise diplomática profunda e jamais vista nesses últimos dois séculos de relações com o irmão do Norte. A imposição inicial de 10% de tarifas em abril evoluiu para uma alíquota monumental de 50% em julho, com vigor a partir de 1º de agosto. Os impactos diretos sobre as exportações brasileiras de café, carne, suco, produtos aeroespaciais e outros setores estratégicos foram duramente sentidos. Estima-se perda de mais de 100 mil empregos, redução das exportações à metade e queda de 0,2 ponto percentual no PIB já imediatamente. O governo estuda essas consequências e segue realizando uma sequência de promessas quando afirma que o Brasil vai sair desse impasse sem prejuízos. O fato é que, se fosse pelo gosto da população, as relações entre Brasil e Estados Unidos não seriam abaladas de modo algum. O aumento do risco-país e da dívida pública prevista para superar os 82% do PIB, pressionando a economia com juros em patamares elevados é o próximo evento negativo a chegar. Também o setor financeiro e empresarial pressionam por uma saída negociada, mas o tom dos discursos oficiais ainda mantém forte componente ideológico, o que é ruim para o país. O custo da retórica ideológica será maior do que o previsto pelo governo. Mas isso não parece incomodar nossos líderes. A população assiste a tudo com um misto de medo e de maus presságios.
Analistas afirmam que a política externa do governo Lula tem sido movida por um claro alinhamento com regimes antagonistas ao Ocidente (como Irã, Rússia, China), reforçando uma diplomacia muito menos pragmática e mais simbólica. Esse posicionamento teria agravado a retaliação americana e ainda pode piorar a situação. A oposição acusa o governo de usar o “inimigo externo” como cortina de fumaça para problemas internos, apontando que o confronto com os EUA desvia a atenção do agravamento econômico e da queda acentuada da popularidade presidencial. Pesquisa recente feita pela Ipsos revela que 69% dos brasileiros percebem uma deterioração social, um aumento de 7 pontos em relação a 2023. Além disso, 62% sentem que o país está em franco declínio. Somado a isso, 76% acreditam que a economia favorece os mais poderosos, e 73% sentem que os representantes políticos não se importam com a população nem com o delicado momento que atravessamos.
Dados do Datafolha apontam aprovação de apenas 28% para o atual comandante do país, com desaprovação em 40%, patamar mais baixo de seu terceiro mandato até agora. Isso alimenta uma polarização que bloqueia o diálogo e diminui a capacidade de resposta do governo a crises reais. Quando políticas são conduzidas com base em ideais descolados da realidade prática, os prejuízos podem se espalhar, ainda que tardiamente, por toda a população. A atual crise Brasil–EUA é exemplo emblemático disso. Temos que admitir que a retaliação econômica americana não foi motivada por desequilíbrio comercial, mas, unicamente, por uma retórica política exaustivamente levada a público, especialmente no que diz respeito ao apoio declarado a Bolsonaro por Trump, e por decisões intempestivas da Justiça brasileira.
Os jornais americanos, mesmo aqueles que são contra Trump, falam dessa situação a todo o momento, comparando a situação do Brasil a de outros países como a Venezuela ou Cuba. O governo brasileiro respondeu com cortes diplomáticos e discurso soberanista, mas faltou uma agenda clara de contenção de perdas ou negociação técnica. Enquanto isso, a população sente o peso: menor crescimento, inflação, empregos ameaçados, sentimento de insegurança social e institucional. Quando governantes se apegam mais a uma ideologia do que ao interesse nacional que aflige diretamente as pessoas, o resultado pode ser devastador e a população acaba pagando o preço. O distanciamento entre o que quer o governo e o que quer a população tem, efetivamente, custado caro ao Brasil tanto na economia exportadora, nos empregos, no bem-estar social como até na estabilidade institucional. Quando um governo levanta a bandeira da “soberania” mas, na prática, essa defesa serve apenas como retórica eleitoral, entramos no terreno da política performática, aquela que prioriza a imagem e o discurso em detrimento de resultados concretos. No caso atual, o apelo à soberania frente aos EUA poderia ser legítimo se viesse acompanhado de uma estratégia econômica robusta, negociações discretas e alternativas reais para compensar as perdas comerciais. Mas o que se vê é quase o oposto.
A frase que foi pronunciada:
“Estamos em uma situação muito inusitada, presidente. O Brasil é um país que está sendo sancionado por ser mais democrático do que seu agressor.”
Ministro Haddad

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O que há de falso sensacionalismo. Pura e simplesmente. P rapaz está há um ano esperando julgamento e já foi adiado duas vêzes. (Publicada em 08.05.1962)


