O ônus e o bônus

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Foto: Walisson Rodrigues

 

          Neste 1º de Maio, o que mais se ouviu por parte das lideranças sindicais, nos principais eventos de comemoração da data, foram referências ao fim da escala 6×1. Ao que parece, as centrais sindicais estão abraçando a proposta de redução da carga horária semanal de 44 para 36 horas. Essa proposta vem ganhando maior aderência dos sindicatos, pois eles já se convenceram da impossibilidade de ganhos salariais reais em decorrência à crise econômica que o país atravessa. O próprio governo não faz alarde público dessa proposta, mas, nos bastidores, apoia essa medida, pois é a única que pode oferecer aos trabalhadores neste momento.

         Nos mesmos moldes da recomendação feita recentemente pelo presidente ao dizer: “se está caro, então não compre”, é oferecida a proposta: “se não há possibilidade de aumentar os ganhos salariais da classe trabalhadora, então trabalhe menos.” Caso a PEC sobre o assunto apresentada venha a ser aprovada, poderá provocar, num primeiro momento, a perda de mais de 18 milhões de empregos, comprometendo até 16% do PIB do país. Mas parece que isso não é levado a uma discussão aprofundada pelos proponentes dessa medida.

         Aproveitando a ocasião pelas comemorações do Dia Internacional do Trabalho, o presidente Lula defendeu, na última quarta-feira, a revisão da jornada de trabalho, afirmando que era chegada a hora de colocar a proposta em discussão: “Vamos aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso.” Ainda, segundo o presidente, “é chegado o momento de o país dar esse passo.”

         Do outro lado, pensam os economistas que enxergam essa proposta apenas oportuna pelo tempo eleitoral. Parlamentares da base também entraram nessa discussão e prometem avançar com essa pauta, mesmo na contramão da realidade econômica e financeira do país. Se for contar apenas com a bancada de apoio que possui dentro do Congresso, a discussão desse assunto ainda vai longe e sem data para a conclusão.

         Como o Brasil é o que é, existem também algumas lideranças da oposição que se mostram simpáticas à redução da jornada de trabalho. Afinal, as eleições de 2026 estão se aproximando e é preciso ter o que oferecer nas campanhas. A turma dos economistas que usa a cabeça para pensar saídas positivas para o país afirma que essas medidas, caso aprovadas, irão causar sérios impactos nos custos empresariais, especialmente para as pequenas empresas, e, com isso, afetar negativamente a produtividade. A questão aqui é saber se a redução de jornada de trabalho, ao aumentar os custos e comprometer a produtividade, afetando empresas que mais geram empregos, seria viável sem uma redução também nos salários.

         Para os que acreditam que sim, a justificativa para essa disparidade é que existem hoje ganhos elevados no empresariado. Àqueles que apostam nas novas tecnologias que trazem mudanças na forma e no modelo atual de trabalho, existe possibilidade de redução da jornada semanal. Olhando o Brasil do alto e sem as interferências políticas e partidárias, o que se observa é que, neste momento, não há espaço para a implementação dessa proposta. É o retorno do velho vaticínio proferido nos anos cinquenta pelo antropólogo e etnólogo francês Lévi-Strauss (1908-2009), quando, em visita a nosso país: “O Brasil vai sair da barbárie sem conhecer a civilização.” A frase, detestada por muitos, mostra a importância do conhecimento, da educação e mesmo do preparo técnico para o trabalho na transformação social, econômica e política do Brasil. Não é pelas mãos de políticos que o Brasil vai ser conduzido ao pleno desenvolvimento, é pelas mãos dos professores. A redução da jornada vem antes da livre produção de riquezas, colocando e antecipando o bônus antes do ônus.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A jornada de trabalho está vinculada à segurança da atividade laboral.”

Cirlene Zimmermann

Cirlene Luiza Zimmermann. Foto publicada em seu perfil oficial no Instagram.

História de Brasília

“Três mil pessoas estão na fila de telefones de Brasília. É um absurdo, ainda mais quando todo o mundo sabe que o DTUI dispõe de todo o material para atender a numero muito maior.”

Modais mais sustentáveis

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Foto: jornaldebrasilia.com.br

 

         No atual modelo de mobilidade urbana, os impactos econômicos negativos possuem, atrás de si, um conjunto a compor todo esse desastre, diversos e antigos fatores, todos eles decorrentes de anos de falta de planejamento a longo prazo. Mas é fundamental destacar que esses fatores são consequência direta de um sistema de transporte mal planejado desde o início, por meio da dependência excessiva do carro particular, o que sempre acarretou graves deficiências estruturais em todo o sistema.

         De fato, a priorização histórica do automóvel individual em detrimento de alternativas sustentáveis — como um transporte coletivo de qualidade, trens urbanos e interurbanos, transporte fluvial e mesmo a democratização da aviação — revela o desinteresse crônico dos vários governos em desenvolver uma malha integrada, eficiente e segura, como vista nos países de primeiro mundo.

         A ausência de investimentos consistentes em transporte público de massa leva ao congestionamento diário das vias urbanas, aumento da poluição, perda de produtividade e, como os dados mostram, a um custo altíssimo em vidas humanas e recursos públicos. Além disso, o Brasil ainda sofre com a quase inexistente concorrência na aviação civil, que mantém as passagens aéreas entre as mais caras do mundo, limitando o acesso a deslocamentos mais rápidos e seguros para boa parte da população. Tudo isso sem mencionar a insignificância da malha ferroviária existente hoje em nosso país.

          Para um país continental como o nosso, os 30.129 quilômetros de extensão ferroviária são pouco ou quase nada. Quase 23 vezes menor que o Brasil, a malha ferroviária no Japão é de 27.268 quilômetros de extensão. Por outro lado, os custos em vidas e materiais provocados pelo trânsito no Brasil são significativos. Um acidente de trânsito em área urbana custa, em média, R$ 8.782,00, enquanto um acidente que resulta em ferimentos custa R$ 17.460,001. Além disso, em média, cada acidente custa à sociedade brasileira R$ 72.705,31, e um acidente envolvendo vítima fatal tem um custo médio de R$ 646.762,942. Portanto, os números apresentados não são apenas estatísticas; eles denunciam a falência de um modelo de mobilidade que ignora o transporte como direito social e insiste em soluções ineficientes, caras e excludentes. Bastaria repensar o sistema, promovendo a diversificação dos meios de transporte, incentivando modais mais sustentáveis e assegurando que as políticas públicas priorizem a coletividade em vez do privilégio ao transporte individual.

         Observem que esses números não são apenas consequências inevitáveis do crescimento urbano — são resultado direto de décadas de negligência no planejamento de transportes. O transporte coletivo é, em geral, ineficiente, superlotado e mal distribuído; há pouco ou nenhum esforço governamental em implementar sistemas de trens urbanos e interurbanos, tampouco em explorar o vasto potencial do transporte fluvial no país. Soma-se, a isso, a aviação civil brasileira, dominada por monopólios com poucas empresas e marcada por preços altos e baixa cobertura, dificultando alternativas viáveis de deslocamento.

         Enquanto isso, a cultura do carro particular segue sendo estimulada por políticas públicas que favorecem rodovias, estacionamentos e isenções fiscais à indústria automobilística, em vez de investir em mobilidade urbana integrada. O resultado é uma tragédia cotidiana: cidades travadas, altos índices de acidentes, mortes evitáveis e um custo social que recai sobre todos, especialmente os mais pobres.

         A rodoviária do Plano Piloto, como de resto a grande maioria das estações rodoviárias espalhadas pelo Brasil, reflete, em imagens, esse modelo caótico do transporte urbano. São sujas, poluídas por gases de escapamento, inseguras e superlotadas. Os ônibus interurbanos seguem o mesmo modelo, são antigos, e representam um enorme perigo para passageiros que neles embarcam. Reverter essa lógica e construir um sistema de mobilidade mais justo, seguro e diversificado, que valorize o transporte coletivo, os modelos mais sustentáveis e a vida nas cidades, ainda é um sonho distante.

         O progresso econômico obtido com o transporte sobre rodas, que nos anos cinquenta e sessenta ajudou o Brasil a crescer, hoje se mostra obsoleto e pouco seguro. Os riscos são altos e encarecem muito o preço das mercadorias transportadas. Esse e outros problemas não são desconhecidos pela população e pelo governo. A questão aqui está em saber porque, então, no entra e sai de governos, essa situação continua permanecendo sem solução. Quando é que a extensão da malha ferroviária entrará como programa permanente de governos? Afinal, não há progresso viável, sustentável e duradouro sem ferrovias.

          Já no passado, era comum acreditar que as ferrovias eram os caminhos reais do progresso. A prova é que todos os países que logram se desenvolver o fizeram por meio das ferrovias. Do mesmo modo, todos os países que ainda experimentam as agruras do subdesenvolvimento possuem em comum a ausência de malhas ferroviárias.

A frase que foi pronunciada:

“O segredo da mobilidade é integrar os sistemas”.

Jaime Lerner

Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

 

História de Brasília

E por falar no ex-presidente, numa eleição nas treze escolas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para escolha da personalidade que deveria dar, êste ano, a aula inaugural, os alunos preferiram ao ex-presidente Juscelino, o deputado Paulo de Tarso. (Publicada em 03.05.1962)

A dor da distância

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D. Pedro II. Foto: Instituto Moreira Salles

 

          Em carta famosa em que deixa transparecer a dor e a saudade, que só mesmo os exilados e desterrados políticos são capazes de experimentar, D. Pedro II, já em idade avançada, lembra dos 55 anos dedicados ao serviço da nação brasileira e da falta que sente das coisas típicas do seu país de nascimento. Fala também dos sonhos de voltar ao país, de fazer ainda mais pelo seu povo, deixando à mostra nessas linhas o seu profundo patriotismo e o imenso amor que nutria por tudo o que aprendeu a admirar. Mais do que isso, a carta testemunha o comportamento sempre ético do mais querido dos governantes dessa terra, alijado do poder de modo traiçoeiro pelas elites daquela época, descontentes com seu governo, principalmente, depois do fim do regime escravista.

          Trata-se aqui de um documento que, pelo seu teor e sinceridade, torna-se atual e um modelo a ser seguido por todos os estadistas. Em momento algum, o imperador deixa-se guiar pelo ressentimento e pelas traições que sofreu, numa demonstração de que aceitou seu destino e seu exílio, para o bem do povo brasileiro.

         A carta torna-se atual pelo exemplo que dá e ensina, às novas gerações, como agir com ponderação e equilíbrio, mesmo diante de tão grandes desafios. Numa época como a nossa, em que as traições políticas parecem ter se transformado em fenômenos normais e em que os desmandos e a corrupção parecem grassar por toda a parte, nada mais proveitoso do que refletir sobre as palavras desse brasileiro de bem, mandado a força para longe de sua terra natal, que tanto amava.

         Escreveu D. Pedro II: “Estou bem velho mas ainda consigo ver as areias das praias do Rio de Janeiro. Ainda consigo sentir a brisa das manhãs, e o cheiro delicioso de café que só minha antiga terra era capaz de gerar. Ao longo da minha vida, tive a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecendo novas culturas e costumes. Precisei viajar pelos continentes para perceber que nenhum dos lugares que visitei era tão grandioso quanto meu Brasil. Percebi que nenhum povo era tão guerreiro quanto o meu povo brasileiro. Percebi que nenhum outro reino, império, ou nação tinha as riquezas que nós tínhamos. Sei que não consegui agradar a todos, mas lutei por quase 60 anos com as armas que eu tinha. Tentei ser o imperador mais justo possível, e tentei enfrentar os altos e baixos com muita sabedoria. Hoje, a única certeza que tenho, é que se dependesse somente da minha pessoa muita coisa teria mudado no Brasil, bem mais rápido do que se esperava. Por que não resisti ao golpe de estado? Você deve estar se perguntando. Bem, porque eu não queria ver mais sangue brasileiro sendo derramado por ambições políticas. Era preferível ter em minhas mãos a carta do meu exílio, do que o sangue do meu povo. Confesso que perdi as contas de quantas vezes sonhei que estava retornando para minha pátria. Hoje, sinto que minha jornada aqui neste plano está bem próxima do fim. Quando a minha hora chegar, irei me curvar perante Deus, o rei de todos os reis, e agradece-lo do fundo do meu coração, pela honra de ter nascido brasileiro.”

 

A frase que foi pronunciada:

“Enquanto se puder reduzir a despesa, não há direito de criar novos impostos.”

Dom Pedro II

 

Vírgula

Solução simples para as ardilosas armadilhas contra os idosos. Realizar um empréstimo consignado sem a autorização do titular isenta o cliente do banco ou do INSS a pagar a conta. Simples assim.

Foto: Divulgação/ALEMS

 

Ponto final

Esse assunto recebeu espaço no legislativo que agora cria uma lei para multar o banco. Melhor que a multa, seria a isenção do pagamento do empréstimo não autorizado. Mal cortado pela raiz.

 

 

Exclamação

É preciso um apelo dos produtores para que o governo reconheça a importância do cacau brasileiro. Mais cacau puro nos chocolates vendidos no país é o que a classe pede. O que parece óbvio precisa ser gritante!

Cacau no Extremo Sul da Bahia. Foto: Arquivo/Ceplac

 

Aspas

“Nesse plano geral do mundo para exterminar os idosos poderiam começar pelos corruptos!”, disse Eliana de Siqueira Alves

 

 

Em cerrado

Como sempre Nicolas Behr canta Brasília em poesia contagiando a todos que amam essa cidade. “Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.” Veja no link: Brasília.

Nicolas Behr. Foto: Ailton de Freitas

 

História de Brasília

Da lista dos “Dez mais de Brasília”, que a minha vizinha ao lado, Katucha, publicou, há um que não é da cidade. O senador Juscelino Kubitscheck. (Publicada em 03.05.1962)

A doença como metáfora

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Foto: GettyImage

 

          Um grupo desponta, hoje, como absolutamente dominante na indústria global, expandindo seu poder para além do seu métier, influenciando e ditando regras nas economias e na política dos Estados. Trata-se do que ficou popularizado como Big Pharmas, um complexo gigantesco de fábricas, laboratórios e universidades espalhadas por todo o mundo e cujo controle sobre os países vai ficando cada vez mais visível e preocupante.

          Dos trilhões de dólares e poder do lobby, dão, a esse grupo, uma hegemonia jamais vista em toda a história da humanidade. Afinal, estamos falando de doenças ou, nesse caso, de saúde, um fator comum e buscado por todos os habitantes deste planeta. A questão aqui é que, por seu tamanho, poderio e influência, as Big Pharmas deixaram, em segundo plano, a questão de medicamentos e da própria saúde humana, para focar seus interesses nas áreas do poder e do dinheiro, submetendo milhões ou, talvez, bilhões de indivíduos aos seus interesses imediatos, que passam longe de tudo o que diz respeito ao bem-estar das populações.

         Não se trata de negar os avanços trazidos pela indústria farmacêutica. Vacinas, antibióticos, tratamentos de ponta e inovações genéticas salvaram milhões de vidas. Mas é justamente em nome desse mérito que se precisa lançar um olhar crítico e honesto sobre a direção que o setor tomou. Quando a saúde vira instrumento de dominação e não mais de cuidado, o risco é que a própria vida se converta em mercadoria.

         O silêncio dos governos frente à expansão desproporcional do poder das Big Pharmas é tão preocupante quanto o próprio avanço corporativo. Em vez de regulação firme, o que se vê são alianças ambíguas, portas giratórias entre cargos públicos e executivos do setor.

          A saúde pública, em seu sentido mais nobre, precisa urgentemente ser resgatada do domínio das planilhas financeiras. A responsabilidade pelo bem-estar coletivo não pode continuar a ser terceirizada a grupos que, por estrutura e natureza, estão comprometidos com interesses acionários antes de qualquer outro princípio. A sociedade não pode mais aceitar como inevitável que as decisões sobre o que nos cura ou adoece estejam sendo tomadas não por médicos, nem por comunidades científicas independentes, mas por conselhos administrativos orientados por metas de crescimento. O que está em jogo é mais do que a regulação de um setor. É a própria soberania, se é que essa palavra ainda possui a força e importância que teve um dia. Essa é uma questão que diz respeito direto ao futuro de cada um de nós.

         Você não precisa ir muito longe para ter um breve vislumbre sobre essa portentosa indústria. Basta circular pela capital e observar os grandes estabelecimentos farmacêuticos espalhados em cada canto da cidade. Muitas vezes você observa vários desses comércios num mesmo endereço. Essa aglomeração, que muitas vezes contrária ao próprio conceito de concorrência, justifica-se porque esse é um setor da economia que não conhece o que é crise. Num mundo em que, aparentemente, as pessoas adoecem cada vez mais e onde o consumo de medicamentos sempre aumenta, a prosperidade tem agora um novo adjetivo: farmácia.

         A pandemia de COVID-19 expôs as cicatrizes profundas da geopolítica da saúde. Em meio ao colapso dos sistemas hospitalares, a corrida por vacinas e a crise humanitária global, uma verdade ficou ainda mais evidente: a hegemonia da indústria farmacêutica norte-americana não se limita aos domínios produtivo e comercial — ela é também política, jurídica e estratégica. Essa dominação foi institucionalizada em 1994, com a assinatura do Acordo TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), no contexto da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao atrelar o ingresso à OMC, à aceitação compulsória das regras de propriedade intelectual estabelecidas pelo TRIPS, os EUA e seus aliados farmacêuticos moldaram um regime internacional voltado não para o bem-estar coletivo, mas para a preservação do monopólio tecnológico sobre medicamentos e tratamentos.

         Não é à toa que, durante a pandemia, quando Índia e África do Sul propuseram um waiver (suspensão temporária) de patentes das vacinas anti-COVID, as mesmas farmacêuticas que lucravam bilhões se posicionaram frontalmente contra a medida — com o apoio ativo do governo norte-americano. Mesmo diante de uma emergência sanitária sem precedentes, a proteção das patentes foi tratada como prioridade absoluta. Trata-se de uma lógica perversa. Ao transformar o acesso à saúde em mercadoria regulada por tratados comerciais draconianos, o sistema global vigente inverte a ordem dos valores: a vida humana torna-se secundária frente à propriedade intelectual.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Durante os primeiros 50 anos da sua vida, a indústria alimentícia tenta te engordar. Depois, nos segundos 50 anos, a indústria farmacêutica te trata com tudo.” 

Pierre Dukan

O médico francês Pierre Dukan. Foto: Bernardo Pérez

 

História de Brasília

Esta é para as autoridades sanitárias. Os pernilongos voltaram violentos e estão a merecer maior atenção. (Publicada em 02.05.1962)

O Santo Graal

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Platão e Sócrates. Imagem: reprodução da internet

          A linguagem é um poderoso instrumento de construção de significados, de interação entre os humanos e de construção de ideias. Sem ela, o desenvolvimento da sociedade e todo o progresso que conhecemos na história da humanidade seria outro, talvez menos brilhante e bem mais lento. Educação, cultura de toda uma diversidade de saberes nascem e fluem por intermédio da linguagem. Sócrates foi o mestre da linguagem e da palavra. Toda a sua obra se baseia no uso da palavra, pois enxergava que, por meio da linguagem, era possível alcançar a verdade. Dizia ele: “fala para que eu te veja”. Pelo uso e prática da maiêutica, questionava incansavelmente seu interlocutor na longa estrada em busca do conhecimento que leva a verdade. Parir a verdade, eis a técnica do grande filósofo. Também a psicanálise se baseia na maiêutica, pois busca trazer à tona o que está guardado no inconsciente, buscando aqui a cura pela fala. Desde cedo, ficou patente o poder de conduzir os homens pela força da linguagem e da palavra.

          Os políticos, os clérigos e todos aqueles que estavam acima e à frente das populações souberam usá-las para seus propósitos. Com isso, a linguagem foi usada tanto para iniciar guerras como para proclamar a paz, para trazer o progresso e para deixar ruínas. Se, portanto, a palavra nasce das ideias, é nesse campo que todos aqueles que buscam dominar o homem querem influir. Ao tornar o homem um ser desprovido de ideias próprias, estamos conduzindo-o para um lugar onde podemos melhor controlá-lo. A linguagem liberta e aprisiona. Nos regimes totalitários, caçar o direito a voz e a linguagem tem sido a primeira medida dos tiranos. Garcia Lorca (1898-1936), o mais importante poeta espanhol durante a guerra civil, dizia: “o mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida”, pois, para ele “ há coisas encerradas dentro dos muros que, se saíssem de repente para a rua e gritassem, encheriam o mundo”. Apenas por utilizar o poder da linguagem, acabou fuzilado pelas forças de fascistas de Franco, sendo os seus restos mortais escondidos até hoje.

         O perigo que o poder da linguagem possui quando gestada por uma mente desse calibre, tornara-o uma arma letal contra o regime e a opressão. O lado das sombras também sabia do poder da linguagem e usava-a sem cerimônias por meio de uma propaganda massiva a incutir o medo e a renúncia à fala. Neste contexto, nada mais velho e também mais eficaz do que fiscalizar o que é dito verbalmente ou por escrito. Por isso, antes de aprisionar o homem, é preciso aprisionar suas ideias.

         A liberdade de expressão, que na maioria das constituições de países do Ocidente é um dos temas principais, vai, nessa primeira metade do século XXI, sendo, pouco a pouco, limitada e restringida, pois contraria o pensamento daqueles que se acham, erroneamente, donos do poder ou de uma situação momentânea de poder. Talvez, esteja aí o tão repetido sentido de censura, denominado nesses tempos de novilíngua ou mais precisamente de wokismo. A esse tipo de anti-linguagem, somam-se confusões propositais ao idioma, de forma a corrompe-lo desde a raiz. Sem a linguagem, aprisionada em proposições que busca eufemisticamente “regular as mídias sociais”, o ser humano capitula de forma mais ligeira. Ao caçar o direito à palavra, a crítica ou a defesa, como temos visto nestes tempos surreais, os seres humanos são reduzidos à condição de um enorme formigueiro, silencioso e sem sentido. Assim temos que cortar a palavra ou a linguagem é cortar também uma das poucas maneiras de se aproximar da verdade. Notem que a verdade aqui, nesse caso, não é só o que é certo e aceitável, mas o que é belo e ético ao mesmo tempo, ou seja: sem a liberdade da linguagem, não há caminho possível rumo à tão desejada felicidade humana, que, afinal, é o Santo Graal de todo o propósito humano.

 

A frase que foi pronunciada:

“Sentimo-nos livres porque nos falta a linguagem para articular a nossa falta de liberdade.”

Slavoj Žižek

Slavoj Zizek. Foto: Antonio Olmos / Eyevine / Contacto

 

Vírgula

Solução simples para as ardilosas armadilhas contra os idosos. Realizar um empréstimo consignado sem a autorização do titular isenta o cliente do banco ou do INSS a pagar a conta. Simples assim.

Foto: Divulgação/ALEMS

 

Ponto final

Esse assunto recebeu espaço no legislativo, que agora cria uma lei para multar o banco. Melhor que a multa, seria a isenção do pagamento do empréstimo não autorizado. Mal cortado pela raiz.

Charge: bancariosirece.com.br

 

Exclamação

É preciso um apelo dos produtores para que o governo reconheça a importância do cacau brasileiro. Mais cacau puro nos chocolates vendidos no país é o que a classe pede. O que parece óbvio precisa ser gritante!

Cacau no Extremo Sul da Bahia. Foto: Arquivo/Ceplac

 

Aspas

“Nesse plano geral do mundo para exterminar os idosos, poderiam começar pelos corruptos”! Disse Eliana de Siqueira Alves.

Foto: Getty

 

Em cerrado

Como sempre Nicolas Behr, canta Brasília em poesia contagiando a todos que amam essa cidade. “Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.”

Nicolas Behr. Foto: Ailton de Freitas

 

História de Brasília

O caso do BNDE era um abuso porque mantinha fechadas as casas, mas o movimento grevista, inclusive insuflando alunos foi recebido com reserva pelo povo. Êste é o fato. (Publicada em 02.05.1962)

Ou não?

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Ilustração: ebdicorp.com

 

         Quem poderia imaginar que um dia fôssemos saltar do mundo da imaginação e da ficção científica, diretamente para a vida real. Como num mudar de página, estamos do outro lado do espelho. Das estórias que mostravam, na literatura e no cinema, um mundo distópico, frio e desumanizado pelo avanço de máquinas inteligentes, chegamos, num pulo, ao que está hoje bem diante de nossos olhos.

         Somos agora os personagens ou então os milhões de figurantes passivos e empurrados para uma realidade e lugar hipotético ou, simplesmente, para o não-lugar. Essa sociedade imaginária, desenhada por mentes ao estilo globalista, ela é o que é: um conjunto de oito bilhões de almas submetidas aos projetos desses poderosos grupos familiares e empresariais que querem o mundo agora, na palma da mão.

          Para chegar ao eldorado prometido, o primeiro passo é tornar a sociedade, uma massa homogênea e catatônica, entregue ou rendida ao Estado. É o nada fora do Estado. Tal empreendimento só vem a funcionar com o aumento substantivo do controle social, a começar pelo aumento da força opressora do próprio Estado. Primeiro ainda vem o caos, com o incentivo disfarçado para que o crime assombre a sociedade, levando-a a se aprisionar em casa. Nesse mundo em que parece se liquefazer, o certo muda de lado. Afinal, estamos do outro lado do espelho.

          As fobias e o medo de tudo levam as pessoas a consumir em quantidades industriais, medicamentos para o controle de doenças nervosas, transtornos mentais, pílulas para tudo. Para que tudo possa funcionar de acordo, também as instituições do Estado vão se derretendo. Nesse ponto de nosso enredo real, os poderes da República se transformam em entidades burocráticas inacessíveis. Não há controvérsias entre o cidadão e o Estado. A qualquer hora, você pode ser preso. A comparação entre os cenários distópicos da ficção científica e o mundo atual sugere que vivemos um tempo em que o imaginário tornou-se real.

         O “espelho” mencionado evoca referências como Alice no País das Maravilhas ou 1984, em que a realidade é distorcida e transformada por forças invisíveis ou incontroláveis — como hoje, com as inteligências artificiais, a vigilância digital e o avanço de tecnologias que escapam do controle comum. A imagem de sermos “figurantes passivos” reforça uma crítica à perda de protagonismo do indivíduo frente a estruturas globais (políticas, tecnológicas, corporativas). O “não-lugar” citado remete a uma sociedade em que as pessoas não têm identidade clara, nem pertencimento — conceito explorado por Marc Augé em sua teoria dos “não-lugares”, espaços anônimos da modernidade como aeroportos, shoppings ou ambientes digitais.

         As “mentes ao estilo globalista” — grandes corporações, famílias e grupos de poder com projetos que moldam o mundo à sua imagem e sem diálogo com a pluralidade humana. A ideia de que “o mundo cabe na palma da mão” evoca tanto o domínio total das big techs, como a tentativa de padronização cultural, política e econômica. A frase final — “é o nada fora do Estado” — ecoa filosofias autoritárias, especialmente o pensamento hegeliano distorcido em regimes totalitários, como o fascismo (“Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”). Vemos a estatização da subjetividade humana, ou seja, a submissão total da vida individual ao controle estatal ou tecnocrático.

          Aqui vai um alerta existencial e político: Qual o papel do ser humano em um mundo cada vez mais guiado por algoritmos e decisões centralizadas? Ainda existe espaço para liberdade, diversidade e ação individual? E se estamos mesmo diante de uma virada civilizacional, qual é a resistência possível?

         O cenário de fundo desse não lugar apresenta prédios, muros e o que for possível, pichados e cheios de mensagens sinistras. As ruas são sujas, cheias de armadilhas, mal iluminadas e inseguras. Milhões de fios aéreos cortam essa paisagem apocalíptica, como uma série de rabiscos. À nossa volta, tudo o que representava o nosso mundo vai desaparecendo em meio a fumaça. O mundo distópico molda também pessoas distópicas, sem humanidade. Aliás, o humanismo foi deixado longe na estrada. Lembrando aqui que estamos falando de ficção. Ou não?

A frase que foi pronunciada:

“Ele acha que tem livre-arbítrio, mas na verdade está preso em um labirinto, em um sistema.”

Episódio ‘Bandersnatch’, do seriado Black Mirror

História de Brasília

As professôras perderam metade da razão ao deflagrarem greve. A solidariedade das professôras primárias poderia ser dada de outra forma, com braços cruzados durante uma hora, mas nunca com prejuízo total para os alunos. (Publicada em 02.05.1962)

Loucura ou inocência

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Charge: claytoncharges

 

          Dentre as despesas primárias do governo, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o que mais pesa no Orçamento da União. A conta chega perto de R$ 1 trilhão em pagamentos de benefícios previdenciários. Trata-se de um problema de enormes proporções, pois, a cada ano que passa, o déficit nesse instituto aumenta numa progressão muito acima de quaisquer planejamentos. Hoje, o número de dependentes desse sistema já se aproxima dos 35 milhões de segurados. A perspectiva não foi equacionada de maneira minimamente satisfatória ao longo de todos esses anos. A maior preocupação, expressa pelos governos que vêm e vão a cada quatro anos, é de que a quebradeira geral ocorra somente na gestão seguinte. Lembrando que esse dinheiro não é dado, foi tirado dos trabalhadores ao longo dos anos de labuta.

         Com isso, vai-se empurrando com a barriga um problema que é de toda a sociedade civil. Por volta de uma década atrás, havia uma relação de cinco contribuintes para cada beneficiário, seja pensionista ou aposentado. Hoje, essa relação caiu para algo em torno de 1.7, o que significa que menos de dois trabalhadores contribuem para o sistema. Além de uma queda acentuada da natalidade em nosso país e de um maior prolongamento na expectativa de vida dos brasileiros, o aumento real do salário mínimo acima da inflação tem pressionando o déficit no INSS, criando o que muitos experts nessa questão chamam de uma bomba armada prestes a explodir.

         As previsões dizem que, nas próximas duas décadas, todo o sistema irá ruir, caso não sejam adotadas medidas sérias a tempo. Analistas confessam que esse é um problema sem solução à vista e que a única saída, do tipo emergencial, seria fazer ajustes nas regras de benefícios previdenciários, elevando os valores das contribuições para o sistema. Mesmo assim, essa seria uma medida capaz de prolongar a agonia do sistema, não uma solução.

         O déficit total do sistema, somando benefícios do setor privado, público, militar e pensionistas chegou a R$ 410 bilhões em 2024. Para os ministros do Tribunal de Contas da União, que observam de perto essa questão, é preciso que, antes de qualquer reforma no INSS, sejam adotadas, de modo emergencial, medidas visando coibir as costumeiras fraudes nesse sistema.

          Fraude no INSS já é velha conhecida dos brasileiros. Não passa governo algum sem que escândalos de fraudes no INSS venham à tona, mostrando a forma criativa como esse sistema é ludibriado. Os números sempre são superlativos, na casa do bilhões de reais. A despeito da incorporação de todo o aparato tecnológico ao sistema, eliminando interferências humanas, sempre ocorrem casos de fraudes.

         O escândalo da vez agora e como sempre, de grande proporção, vem sendo divulgado por parte da imprensa e dá conta de que R$ 6,3 bilhões foram desviados de aposentados e pensionistas por meio de descontos que eram, ou ainda são, debitados nas contas dos aposentados todos os meses para associações do tipo “Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e idosos (Sindnapi)”, entidade que os segurados não conhecem e sequer deram permissão para esse desconto.

         Quem aparece dessa vez, como centro das investigações é, além do presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, o irmão do presidente da república, chamado de Frei Chico, que vem a ser o atual dirigente do tal Sindnapi. Stefanutto é ligado ao eterno presidente do PDT, o ministro da Previdência, Carlos Lupi. Lembrando que Lupi já foi demitido do governo Dilma por acusação de corrupção. Os pensionistas, que temem por mais esse rombo na previdência, sabem que o dinheiro desviado jamais irá retornar aos cofres da instituição e se mostram surpresos com detalhes de mais esse desfalque. Os criminosos dessas vez agiram com maior audácia, talvez incentivados pelos inúmeros casos de corrupção sem solução ou punição. Como a adesão dos pensionistas era impossível, os bandidos falsificaram as assinaturas de milhões de beneficiários, dando a impressão de que tudo corria como manda a lei. Como dizem os cientistas e pesquisadores: achar que repetindo-se as mesmas experiências com os mesmos produtos e nas mesmas condições alguém irá obter um resultado diferente, é loucura… ou inocência.

 

A frase que foi pronunciada:

“Coincidência ou não, basta você se aposentar para começar receber telefonemas de golpes ou consignados.”

Dona Dita sobre a Lei de Proteção de Dados

Foto: Divulgação/ALEMS

 

História de Brasília

Amanhã estaremos na TV-Brasília comentando o desenrolar do inquérito na Novacap e a situação da Merenda Escolar, que tem uma campanha nacional, mas quem dá mesmo a merenda são os pais. (Publicada em 29.04.1962)

Milhares de pedaços

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Operação Lava Jato

 

Não é de hoje que figuras sem maiores expressões acadêmicas usam da titularidade de historiador e de outras formações de nível superior para distorcer fatos históricos, numa tentativa vã e descarada de reescrever o passado recente, sobretudo um passado que manchou para sempre a ficha corrida de diferentes comandos do nosso país. É justamente esse passado recente, envolvendo os escândalos do mensalão e do chamado petrolão, que busca lançar, ao lixo e ao esquecimento, como se nada desses episódios criminosos tivesse sido acompanhado e documentado, par i passo, por milhares de coberturas in loco e em tempo real por todo o jornalismo brasileiro e do exterior.

Apenas uma juntada de todas as reportagens que foram feitas naquele período perfaz, com folga, mais de dezenas ou centenas de milhões de linhas, todas elas focadas no que a maioria dos analistas passou a considerar como o maior e mais abrangente esquema de corrupção de toda a história brasileira. A história vista de cima, em todo o seu conjunto e com toda a justeza e imparcialidade dos verdadeiros historiadores, não tem lado político e não se alinha ao caminho fácil e enganoso das ideologias. Nem se deixa levar ditames e simpatias de partidos.

Antigamente, se dizia que filósofos e historiadores, para ficar apenas nessas duas vertentes do pensamento, não deviam se alinhar a ideologias, muito menos às de cunho político e partidário. Filósofos que buscaram abrigo em legendas e ideias políticas perderam a capacidade intelectual de isenção e de livre pensamento, restringindo suas ideias ao horizonte curto da política e de seus labirintos sem saídas. Não é de hoje que se ouvem vozes aqui e ali, vindas tanto do mundo político quanto das universidades públicas do país, que buscam distorcer os fatos que levaram o país a conhecer, nos seus meandros, os casos de corrupção acima citados. Volta e meia, alguns desses personagens insistem em dar uma nova explicação para coisas que, em si, foram taxativamente expostas à luz do dia e ao conhecimento geral.

É fato que a ideologia cega. E cega mais ainda quem se acredita um expert em manipular a verdade. O descaramento é tal que gente desse naipe não se avexa em repetir o mesmo bordão daqueles que protagonizaram e comandaram diretamente esses escândalos. O que chega a ser surpreendente é que professores e pensadores, que deveriam, por sua formação, serem os mais precavidos e ponderados, acabem embarcando na canoa furada que agora culpa a Operação LavaJato não pelo desmonte da megacorrupção sistêmica que sangrava o país, mas pelo fato de ter causado impactos geopolíticos, comprometendo a soberania nacional. É o caso aqui do poste urinando no cachorro.

Para alguns desses professores de história, cerceados por legendas partidárias, a Lava-Jato foi o maior desastre da política externa brasileira, pois teria provocado o maior desmonte da engenharia pesada nacional. Tudo isso por ação direta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. São tantas sandices, sacadas ao léu, que, mesmo se repetidas milhares de vezes, jamais irão se transformar em verdade.

Quem destruiu a engenharia pesada nacional foram os próprios empresários nacionais aliados àqueles políticos daquela ocasião. Não fosse aquela operação virtuosa, ainda hoje os cofres públicos estariam sendo saqueados à luz do dia e sob o olhar complacente de todos aqueles que lucraram com essas rapinagens.

A bem da verdade, versões desse gênero nem sequer deveriam ser levadas a sério. O problema é tentar vender esse peixe mal cheiroso para os jovens que ingressam nas universidades como carne fresca. Os velhos professores dessa disciplina, para os quais a história ensina a não condenar e não absolver, ficam apenas com a alternativa de dizer a verdade, mesmo que esta esteja, como se diz, espalhada em milhares de pedaços por todo o lado.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“Para que um país seja livre de corrupção e se torne uma nação de mentes brilhantes, acredito firmemente que há três membros-chave da sociedade que podem fazer a diferença. São eles: o pai, a mãe e o professor.”
APJ Abdul Kalam

Cientista e ex-presidente da Índia APJ Abdul Kalam, 2008. Foto: britannica.com/biography

 

Direito de ir e vir
As brigas entre moradores de rua e o assédio aos transeuntes das quadras na Asa Norte têm sido a marca da pouca atenção do governo. O que se vê é a falta de iniciativa e apoio para uma morada decente tanto para os abandonados quanto para os pagadores de impostos.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Pres

 

História de Brasília
Depois, outra notícia circulou. É que havia caído um raio na antena do aparelho e inutilizou-o. Ninguém sabe de fato a razão ou as razões, mas sabe que o equipamento está fora de uso e os médicos não foram sequer procurados para devolver o transistor que tinham sempre ao bolso. (Publicada em 29/4/1962)

Tridimensionalidade do tempo e poder

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Charge do Cardom

 

Observando o mundo ocidental hoje, um fenômeno vem chamando a atenção de muitos: a democracia, como a conhecemos, parece começar a exibir sinais de esgotamento do modelo tradicional, levando as pessoas a se assustarem com os possíveis modelos de representação popular que poderá vir a substituir a velha, boa e tradicional democracia, conforme idealizada nos anos pós-revolução francesa de 1789. Há uma fronteira tênue entre democracia e ditadura na medida em que se assiste ao crescimento de um poder, no caso, o Judiciário, cujos membros não são eleitos pela população, mas cujas medidas passam a ter caráter de decisão final e irrecorrível.

Diante desse aparente esgotamento do modelo de democracia ocidental, que outro modelo poderá ser criado, sem que ele afete a liberdade individual? Haveria, nesse caso, também uma relação entre a superpopulação mundial e os antigos direitos individuais impostos pela democracia? O homem mudou ou teria mudado o próprio conceito de democracia? O que o século XXI prepara em termos de democracia num mundo populoso e onde as mídias sociais parecem dominar, unindo e desunindo as massas? Essa reflexão é profunda e extremamente pertinente. O século XXI está, de fato, colocando, em xeque, não apenas os mecanismos de funcionamento da democracia, mas também seu sentido mais essencial: a representação da vontade popular com respeito às liberdades individuais. Há uma crise da democracia representativa, mas isso seria resultado de  esgotamento ou de uma transição? Não sabemos até agora. O fato é que desde a Revolução Francesa, o modelo de democracia liberal representativa se sustentou em pilares como: o sufrágio universal; a separação dos poderes; o Estado de Direito, bem como as garantias dos direitos individuais.

Hoje, assistimos a uma crise de legitimidade geral, decorrente, talvez, da baixa participação política, com um aumento do desinteresse e desconfiança nas instituições; a ascensão do Judiciário como “poder moderador”, preenchendo vazios deixados por um Legislativo paralisado ou desacreditado, refém de seus próprios interesses. Além disso, assistimos a uma polarização extrema alimentada por redes sociais, dificultando o consenso democrático, insuflando mentiras e verdades na mesma proporção.

É claro, até aqui, que não podemos culpar o advento das redes sociais pelo esgotamento do modelo atual de democracia. Mas, lembrando ensinamento antigo, podemos induzir que onde todos têm direitos, ninguém tem direito algum. O fato é que a qualidade da democracia é dada diretamente pelo nível de educação de seu povo. Sem educação ou com uma baixa qualidade, sobretudo das escolas públicas, falar em democracia de qualidade, que atenda às exigências atuais, é perda de tempo. Talvez, esteja nesse ponto o calcanhar de Aquiles de muitas democracias, inclusive a nossa.

Por outro lado, vemos que a democracia parece mais um processo de “gestão de conflitos permanentes” do que uma expressão clara da vontade popular. Não se pode aqui desviar de um assunto espinhoso: a hipertrofia do Judiciário como sendo ou um poder necessário, ou ameaça total à democracia. Não é segredo para ninguém que o Judiciário vem se tornado protagonista em diversas democracias ocidentais — não apenas no Brasil, mas também nos EUA, Israel, Índia, entre outros países. Os desafios a essa tendência são diversos e complexos, a começar pelo fato prosaico de que os juízes não eleitos com poderes decisórios finais geram a sensação de uma vaga e perigosa “tecnocracia judicial”.

Mas é sabido que isso ocorre porque o Judiciário passou a governar por exclusiva omissão do Legislativo ou como dizem, por contenção de populismos autoritários. Esse fato pode criar um paradoxo democrático: a de proteger a democracia restringindo, cada vez mais a vontade popular. A tecnocracia nos leva por caminhos perigosos, criando uma tensão crescente entre a eficiência institucional e a legitimidade popular. Há ainda outro fenômeno a ser contemplado: a superpopulação, suas complexidades, versus os direitos individuais. Com a explosão populacional e a crescente complexidade social, o modelo clássico de “um homem, um voto” começa a mostrar seus  limites práticos. O primeiro talvez seja o relativo às demandas sociais fragmentadas e identitárias, tornando o processo decisório lento e conflituoso.

Há ainda o problema dos direitos individuais, que, muitas vezes, colidem com o bem coletivo, especialmente em temas como meio ambiente, segurança, mobilidade e saúde pública. Aqui, surge um outro dilema: os direitos individuais devem ser absolutos em um mundo superpovoado e interconectado? Talvez, sempre talvez, seja necessária uma revisão geral do contrato social, sem abolir a liberdade, mas repensando seus contornos, possibilidades, tudo isso sem perder de vista seus princípios básicos.

Outras questões também são vitais como o que propõe distinguir a democratização ou nova tirania das massas, impulsionada pelo advento das redes sociais, que prometiam democratizar a informação. Hoje, há dúvidas sobre isso. Mas é prescindível notar que as mídias sociais deram uma nova amplidão ao conceito do que seja popular. Goste-se ou não, as mídias sociais deram vozes a todos, inclusive aos idiotas e, por um fato simples, eles também existem. Mas não se pode perder de vista que essa ampliação das  vozes extremas, pode nos conduzir ou a desinformação e ao que chamam agora de  tribalismo digital, criando uma espécie de”realidades paralelas” que podem muito bem, minar o debate público racional.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.”

Peter Drucker

Peter Drucker. Foto: George Rose/Getty Images

 

Direito de ir e vir

As brigas entre moradores de rua e o assédio aos transeuntes das quadras na Asa Norte têm sido a marca da pouca atenção do governo. O que se vê é a falta de iniciativa e apoio para uma morada decente tanto para os abandonados quanto para os pagadores de impostos.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Pres

 

História de Brasília

Depois outra notícia circulou. É que havia caído um raio na antena do aparelho, e inutilizou-o. Ninguém sabe de fato a razão ou as razões, mas sabe que o equipamento está fora de uso e os médicos não foram sequer procurados para devolver o transistor que tinham sempre ao bolso. (Publicada em 29.04.1962)

Cacos de verdade

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Imagem: reprodução da internet

 

Ao leitor, todas as vênias e direitos. Com esse mote simples, fica patente que as redações em todo o mundo e, com elas, os escribas devem, doravante, começar a considerar a atenção dada pelos leitores ao que diariamente é publicado nos periódicos daqui e d’além mar. É para eles que escrevem os jornalistas e não para as autoridades e todos aqueles que momentaneamente estão no poder. Eles se vão. Os leitores ficam.

A maior catástrofe que pode ocorrer a um jornal não é a falta de tinta ou papel, mas o abandono e a debandada dos leitores. Sem eles, todo o universo da imprensa escrita se desfaz em pó. Por isso chega a ser surpreendente que muitos periódicos, envoltos numa disputa insana contra as redes sociais, numa batalha em que quem mais irá perder é o próprio leitor, não tenha se dado ao trabalho de abrir amplos espaços para a manifestação livre dos leitores. Afinal todos tem o que dizer, todos são também fontes de notícias e de avaliação do que acontece no nosso país e no mundo.

Uma receita como essa poderia, logo de saída, fazer com que o leitor deixasse a posição de expectador passivo, adentrando como partícipe no mundo da notícia. Com isso, o que se quer deixar claro, é que os espaços reservados aos leitores, deveriam ser enormemente ampliados, abrindo oportunidades, para uma multiplicidade de assuntos, que, ao fim e ao cabo, interessam a todos. São milhares ou, talvez, milhões de jornalistas informais espalhados por todos os cantos, prontos para reportarem os fatos. Nessa leva imensa de consumidores e fornecedores de notícias, estão desde os funcionários públicos até os trabalhadores do mercado informal.

Ao contrário do que em certa ocasião afirmou um desses próceres de passagem pelo poder, as mídias sociais, incluídos aqui os periódicos, que abrem espaço para um fórum de leitores, não deram voz aos imbecis, mas àqueles que também têm o que dizer, mesmo que isso não seja do agrado de certos ouvidos áulicos. No passado, algumas redes de televisão e estações de rádio abriam espaços dentro dos noticiários para uma espécie de “povo fala”, onde a população podia falar sobre um determinado assunto de interesse geral. Nessas ocasiões, não raro, algumas observações feitas por esses entrevistados de ocasião não só resumiam tooa o fato, como ainda abriam questões que não haviam sido pensadas sobre esse assunto. Dizer que a voz do povo é a voz de Deus é um desses casos que resumem a importância desses fóruns de leitores. O fato é que a ninguém é garantido o direito sobre a verdade, já que, nesse ponto, os filósofos concordam que a verdade não é absoluta e concreta, mas, ao contrário, está dissolvida no ar, em milhões de pedaços.

Todos carregamos, nas mãos, um pedaço dessa verdade. Os periódicos, como veículos de comunicação devem se abrir para esse fato. Afinal quem mais experiencia a economia popular, um ministro da fazenda, de passagem e alijado da realidade mundana, ou uma dona de casa que todos os dias vai às compras? Outro fato a ser observado numa sociedade que evolui com o tempo é que o formato de notícias, o mesmo nos últimos dois séculos, precisa também acompanhar essas mudanças, inserindo, em seu rol de informações, os milhares de setoristas plantados em seus postos de vigilância.

Essa população subaproveitada representa uma fonte inesgotável de notícias, pois formam aquilo que poderíamos chamar de “os olheiros da notícia”. Depois da notícia em si, o que mais interessa aos leitores, não importando o meio ou a mídia em que está se informando, é a opinião daqueles que também leram essa notícia. Os comentários servem, assim, como um parâmetro dando, precisamente, a média das opiniões sobre o assunto, fornecendo uma reflexão segura sobre o que está em pauta. Aos leitores, portanto, toda a atenção. Ver, ler, ouvir e compartilhar o que eles têm a dizer é o que demais importante há que se fazer para reunir os pequenos cacos de verdade dispersos no ar.

 

A frase que foi pronunciada:

“Quem confere significado e utilidade ao jornal é o leitor.”

Dona Dita

 

 

Direito de ir e vir

As brigas entre moradores de rua e o assédio aos transeuntes das quadras na Asa Norte têm sido a marca da pouca atenção do governo. O que se vê é a falta de iniciativa e apoio para uma morada decente tanto para os abandonados quanto para os pagadores de impostos.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Pres

 

História de Brasília

Depois outra notícia circulou. É que havia caído um raio na antena do aparelho, e inutilizou-o. Ninguém sabe de fato a razão ou as razões, mas sabe que o equipamento está fora de uso e os médicos não foram sequer procurados para devolver o transistor que tinham sempre ao bolso. (Publicada em 29.04.1962)