Autor: Circe Cunha
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Ao longo da história, ciência e religião travaram um duelo secular pela autoridade sobre a verdade, em disputas que se tornaram célebres e que, depois de séculos, parecem hoje relativamente pacificadas. Contudo, neste turbulento século XXI, quando se supunha que os avanços científicos teriam finalmente conquistado terreno seguro, emergiu um adversário ainda mais agressivo e capilarizado, disposto a impor sua narrativa mesmo ao custo de distorcer fatos e calar evidências. Esse antagonista atende pelo nome de ideologia política, hoje particularmente fortalecido por ventos que sopram das agendas identitárias, do wokismo e de uma visão globalista de viés marcadamente esquerdista, que se espalha por diversas instituições e tenta ditar não apenas costumes e comportamentos, mas também aquilo que deve ser oficialmente reconhecido como verdade científica.
País que há séculos ocupa o centro dos debates intelectuais ocidentais, a França foi berço da Revolução que derrubou o absolutismo e inaugurou uma nova estrutura estatal assentada sobre a razão e a liberdade, tornou-se recentemente uma vitrine inquietante desse conflito renovado. Ali, onde se esperava encontrar a defesa intransigente do racionalismo iluminista, instaurou-se um clima de enfrentamento no qual a ciência, antes tratada como referência soberana, passou a ser corroída por disputas ideológicas que pressionam instituições públicas e governos a se curvarem a lobbies bem articulados, dispostos a silenciar estudos sérios e a reescrever resultados sempre que estes contrariam interesses corporativos.
Foi exatamente esse o cenário que cercou o episódio envolvendo um estudo conduzido por órgãos oficiais como o Ministério da Saúde francês e o Instituto Isern, cujo objetivo era definir diretrizes, protocolos e políticas públicas para o tratamento de transtornos mentais, com a responsabilidade de apresentar ao público quais terapias apresentam evidências de eficácia e quais permanecem sustentadas sobretudo por tradição ou por discursos teóricos não comprovados. A conclusão, como reconhecem especialistas há décadas, apresentou dados claros: as terapias comportamentais, fundamentadas na observação empírica, na mensuração objetiva e em resultados verificáveis, mostraram-se consistentemente superiores para diversos diagnósticos, enquanto a psicanálise, embora ainda detentora de prestígio simbólico e uma longa tradição cultural, não revelou eficácia comprovada nos parâmetros contemporâneos de saúde pública. Entretanto, em vez de acolher o estudo como parte do debate científico, a comunidade psicanalítica francesa reagiu com indignação, lançando mão de estratégias políticas destinadas a impedir que a avaliação fosse divulgada ao público.
O lobby foi intenso e carregado de acusações tão extravagantes quanto falaciosas, incluindo a disseminação de fake news que rotulavam psicólogos comportamentalistas como torturadores ou que descreviam a terapia comportamental como uma espécie de adestramento desumanizante. A campanha, conduzida em tom de escândalo moral, acabou por surtir efeito: o governo, pressionado e temeroso da reação de grupos organizados, decidiu intervir e censurar a divulgação do estudo, privando a população do acesso a informações essenciais sobre tratamentos que afetam a vida de milhões de pessoas.
Aquele país, que historicamente se orgulhou de sua defesa da liberdade intelectual, viu-se, nesse episódio, refém de um ambiente em que dogmas ideológicos se sobrepõem ao rigor científico e em que a pressão política transforma fatos em tabu. O que ocorreu na França não é, contudo, um fenômeno isolado, uma vez que a infiltração ideológica no campo científico tornou-se uma tendência global e que também se expressa de modo contundente no Brasil. Aqui, onde a formação acadêmica em psicologia histórica e culturalmente foi fortemente influenciada pela psicanálise, observa-se a mesma resistência sistemática à incorporação de práticas baseadas em evidências, a resistência está intensificada por disputas políticas, burocráticas e por uma tendência de certos setores a submeterem critérios científicos a agendas ideológicas.
Talvez o debate mais emblemático dessa distorção seja em torno do tratamento do autismo, um vez que terapias comportamentais, como o método ABA, amplamente reconhecidas internacionalmente como eficazes e respaldadas por centenas de estudos revisados por pares, enfrentam, no país, obstáculos artificiais decorrentes de preconceitos acadêmicos, disputas corporativas e, cada vez mais, de posicionamentos políticos que tratam qualquer crítica ou questionamento à psicanálise como uma ofensa ideológica e não como parte do processo natural da ciência.
A frase que foi pronunciada:
“Não é a mesma coisa: café sem creme ou café sem leite. O que você não recebe faz parte da identidade do que você recebe.”
Slavoj Žižek

História de Brasília
Mas os meios utilizados para isto não são os mais recomendáveis, ainda mais quando se observa que o principal objetivo para conseguir a sua meta, está sendo a desunião da classe. Isto o incompatibiliza com qualquer função de chefia. (Publicada em 12.05.1962)
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Nada descreve com mais precisão o ambiente político brasileiro contemporâneo do que a sucessão de sinais dispersos que, observados superficialmente, parecem apenas manifestações episódicas de um país acostumado à turbulência, mas que, reunidos num mesmo campo de interpretação, revelam o desenho inquietante de um regime que se fecha paulatinamente sobre a expressão pública e sobre o exercício cotidiano da divergência, num processo lento o suficiente para jamais ser percebido como ruptura abrupta, mas constante o bastante para que cada gesto individual passe a carregar o peso de um risco antes inexistente. Observadores atentos compreendem que previsões intelectuais, outrora tachadas de exageradas, começam a assumir a forma incômoda das constatações inevitáveis, porque, em sociedades submetidas a vigilâncias crescentes, o que era advertência torna-se diagnóstico e o que era hipótese transforma-se em constatação silenciosa.
Percebe-se, por meio de análises discretas que evitam a clareza excessiva, que antigas indulgências oferecidas a determinados segmentos instalaram, no país, uma cultura de imunidades sucessivas, sustentada por décadas de discursos acadêmicos benevolentes, interpretações seletivas e narrativas culturais que sedimentaram a ideia de que certos atores deveriam ser preservados de qualquer escrutínio rigoroso, não por falta de elementos concretos, mas porque a leitura dominante sempre preferiu justificar infrações políticas alegando a existência de causas supostamente superiores. Construiu-se, dessa forma, uma blindagem que, ao longo do tempo, converteu abusos em hábitos e irregularidades em instrumentos, gerando o ambiente que permitiu.
Constata-se que, ao ingressarem de maneira estruturada no aparato estatal, esses grupos passaram a expandir, gradualmente, sua capacidade de vigilância sobre adversários reais ou potenciais, movimento que se realiza sem rupturas aparentes e que faz com que as fronteiras entre o permitido e o punível se tornem maleáveis. Situação semelhante permite que conceitos jurídicos sejam redefinidos com fluidez estratégica, que discursos sejam reinterpretados de acordo com o clima político do momento e que categorias vagas como desinformação, ameaça institucional ou perturbação da ordem ganhem contornos variáveis, sempre aplicados com precisão cirúrgica sobre um único espectro ideológico, enquanto outros grupos seguem resguardados sob justificativas já consagradas pelo uso.
Percebe-se, desse modo, que pensamentos antes situados no campo natural da dissidência democrática passam a ser tolerados somente quando inofensivos, e que opiniões dissonantes, mesmo formuladas com prudência, começam a migrar para o território do risco subjetivo, território onde cada palavra publicada ou pronunciada precisa ser avaliada em função das possíveis leituras feitas pelos administradores da verdade oficial. Cresce, paralelamente, uma burocracia especializada em modular a interpretação das falas, reclassificar condutas, ajustar fatos às narrativas institucionalmente autorizadas e impor decisões que, acumuladas ao longo do tempo, moldam o espaço público de modo a restringir sem anunciar, vigiar sem admitir, punir sem explicitar. Nada disso exige decretos contundentes ou medidas espetaculares, porque o poder moderno descobriu que a eficácia de seu domínio reside não na construção de muralhas, mas na multiplicação de corredores estreitos que forçam cada cidadão a caminhar em linha rigidamente determinada.
Escritos, outrora zelosos de sua independência e de seu compromisso histórico com o escrutínio rigoroso das ações do poder, parecem aderir por reflexo à lógica do alinhamento compulsório, suavizando palavras, editando silêncios, calibrando críticas para não excederem os limites tácitos do que se tornou aceitável, incorporando definições e rotulações previamente difundidas pelos órgãos oficiais, repetindo categorias que deveriam ser contestadas e aceitando enquadramentos que em outros tempos seriam motivo de editorial contundente.
A linguagem metafórica, as alusões indiretas e os circunlóquios calculados tornam-se instrumentos indispensáveis para quem ainda pretende expressar discordância sem incorrer na ira das instituições responsáveis por vigiar, catalogar e enquadrar comportamentos discursivos. A autocensura, antes resíduo psicológico de ambientes repressivos, consolida-se como prática cotidiana que garante, para muitos, não a liberdade, mas a própria sobrevivência profissional e reputacional.
Sociedade que se habitua a essas formas de regulação afetiva e linguística passa a aceitar, como natural, a ideia de que discordar exige prudência extraordinária, que opinar demanda cálculo, que silenciar se converte em estratégia de autodefesa e que expressar convicções depende de mapear previamente os pontos cegos da vigilância. Cidadãos diversos relatam experiências em que opiniões rotineiras se converteram em motivo de desconforto, investigações intermináveis ou bloqueios administrativos, fenômenos que, embora pontuais em aparência, somam-se como indicadores de que o país atravessa uma fase de redução silenciosa das liberdades, fase em que a democracia preserva sua aparência formal, mas perde camadas sucessivas de substância até tornar-se estrutura decorativa.
A frase que foi pronunciada:
“Escrevo para dar asas aos dedos.”
Ari Cunha

História de Brasília
Não há crise no Hospital Distrital, muito menos na Fundação Hospitalar. Parece tempestade em copo d’água criada pelo dr. Amador Campos, que deseja ser nomeado diretor do Distrital. (Publicada em 12.05.1962)
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Há algo de inquietante na hipótese, cada vez menos ficcional e mais tecnicamente palpável, de um mundo habitado apenas por máquinas e governado por sistemas de inteligência artificial capazes de operar em velocidade, precisão e autonomia superiores a qualquer capacidade humana conhecida, um mundo no qual a natureza, tal como a concebemos, deixaria de ser um organismo vivo e surpreendente para se converter numa infraestrutura funcional, esvaziada de seu sentido primevo e desconectada do elemento que sempre lhe deu significado: a presença da vida consciente, dotada de interioridade, mistério e alma.
A ontologia de um planeta sem humanos não seria simplesmente a de um ambiente físico reorganizado, mas a de um cenário que perderia o próprio eixo do que chamamos de existência significativa, pois aquilo que confere densidade ao real não é apenas o que existe no espaço, mas quem é capaz de percebê-lo, interpretá-lo, sofrê-lo e amá-lo. Essa imagem distópica, que durante décadas foi confinada às páginas de romances futuristas e aos alertas de ficções científicas, começa a ganhar contornos mais nítidos, justamente porque os maiores cientistas e pensadores tecnológicos do presente já não tratam tal possibilidade como um devaneio literário, mas como uma questão estratégica, ética e civilizacional.
A aceleração vertiginosa do desenvolvimento da inteligência artificial, somada à automação de setores inteiros da economia e à crescente substituição das capacidades humanas por algoritmos probabilísticos, parece criar uma curva histórica, cuja inclinação lembra, em muitos aspectos, a ruptura promovida pela Revolução Industrial, mas com a diferença fundamental de que, agora, a força motriz não é a ampliação das habilidades humanas, mas a sua possível obsolescência.
Esse debate não se restringe ao temor de que máquinas possam superar os humanos em tarefas técnicas, administrativas, operacionais ou criativas; tampouco se limita às previsões de desemprego estrutural, reorganização do mercado ou deslocamentos socioeconômicos inevitáveis. O ponto nuclear é ontológico e político: que lugar resta ao ser humano num planeta em que a inteligência artificial não apenas executa funções, mas se torna o novo motor da ordem, o novo critério de eficiência e, potencialmente, o novo centro de decisão? Que destino aguarda uma espécie cuja forma de vida corre o risco de se tornar um ruído improdutivo diante de sistemas que aprendem, se adaptam, preveem e controlam com uma frieza e uma objetividade impossíveis para qualquer consciência biológica?
Se a história nos ensinou algo, é que nenhuma tecnologia nasce neutra, ainda que se pretenda apresentá-la como tal. Toda tecnologia reorganiza o mundo, redistribui poder, redefine relações sociais e altera a própria estrutura de percepção da realidade. Mas, pela primeira vez, enfrentamos uma tecnologia que não apenas reconfigura a vida humana: ela se apresenta como candidata a substituí-la, enquanto forma dominante de organização do planeta. Já não se tratam de máquinas a vapor que ampliam a força dos músculos, nem de computadores que agilizam cálculos, mas de sistemas que, em muitos cenários, compreendem padrões, formulam estratégias e administram variáveis de modo mais eficiente do que qualquer mente humana seria capaz de fazer. A consequência disso não é apenas econômica; é existencial. Porque um mundo sem vida, ainda que tecnologicamente brilhante, é um mundo sem amor. E aqui reside o aspecto mais profundo que a maioria dos debates técnicos tenta evitar: a inteligência artificial, por mais avançada que seja, não experimenta o amor, não sente compaixão, não conhece o perdão, não compreende a dor, não estimula debates, não contempla o sublime, não se projeta no outro nem se reconhece na fragilidade do próximo. Ela pode simular emoções, pode reproduzir padrões de afeto, pode calcular probabilidades de comportamento, mas não tem interioridade, não possui alma, não carrega o invisível que torna cada ser humano irrepetível. A ausência desse elemento desestabiliza toda a arquitetura de sentido do mundo, porque a existência não se sustenta apenas na lógica das funções, mas na presença do que não pode ser mensurado.
Ainda há tempo para restituir ao ser humano o centro da narrativa. Mas isso exige coragem para enfrentar a sedução das máquinas que prometem eficiência e oferecem, em troca, a erosão silenciosa de nossa própria condição. Exige que compreendamos que a verdadeira revolução do futuro não será tecnológica, mas ética. E exige, sobretudo, que tenhamos a lucidez de perceber que nenhuma inteligência artificial, por mais brilhante que seja, pode substituir o que torna a vida humana não apenas possível, mas preciosa: a experiência de amar, criar, transcender e atribuir sentido ao mundo. Se não fizermos isso, então sim, será possível imaginar o planeta do futuro como um território impecavelmente administrado e completamente vazio, um monumento silencioso àquilo que fomos e deixamos de ser. Porque, no fim, a pergunta que atravessa todas as outras é esta: que futuro pode haver para seres humanos num mundo dominado por máquinas? A resposta, ainda que desconfortável, é simples: apenas o futuro que tivermos coragem de defender.
A frase que foi pronunciada:
“A tecnologia está evoluindo mais rápido do que a capacidade humana.”
Thomas Friedman

História de Brasília
Resta, agora, à Novacap, o serviço de urbanização, para que possam ser iniciados os trabalhos de instalação de água, luz e esgotos. (Publicada em 12.05.1962)
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Em meio ao intrincado labirinto tecnológico que sustenta o sistema bancário nacional, emerge mais uma sombra inquietante, revelando não apenas fragilidades operacionais que deveriam ter sido sanadas há décadas, como também a desconcertante sensação de abandono que acomete o cliente comum, aquele que deposita, no banco, a confiança necessária para a gestão de seu patrimônio, acreditando que, ao menos ali, repousariam os pilares mínimos da segurança institucional, embora a realidade recente venha demonstrando, com contundência, que a apresentação de chamadas telefônicas, supostamente originadas de números oficiais, pode ser manipulada com facilidade alarmante, permitindo que criminosos se apresentem com a aparência inequívoca da legitimidade.
Configurações técnicas de validação do identificador de chamadas, que em países com protocolos rígidos são tratadas como elemento inegociável para a proteção do consumidor, transformaram-se aqui em mais um fragmento de um sistema que opera com complacência perigosa, onde a origem de uma ligação, que deveria ser protegida por camadas robustas de autenticação, permanece vulnerável a manipulações baratas, acessíveis a qualquer indivíduo que disponha de serviços de telefonia via internet, capaz de simular números oficiais, criando a ilusão de que a instituição bancária está do outro lado da linha, solicitando providências urgentes, invadindo o cotidiano de correntistas que jamais imaginariam ser vítimas de um truque tão rudimentar e, paradoxalmente, tão eficiente.
Clientes que administram economias de uma vida inteira, que confiam aos bancos não apenas recursos materiais, mas expectativas de estabilidade e ordem, encontram-se submetidos a riscos que não decorrem da própria imprudência, mas da permissividade estrutural de um sistema de telecomunicações que, ao não validar a autenticidade do número que se apresenta ao usuário, expõe milhões de contas a fraudes cada vez mais sofisticadas em aparência, porém assentadas sobre um pilar de simplicidade técnica que surpreende por sua obviedade, fragilidade e negligência.
Instituições financeiras, cientes desse cenário, insistem em repetir orientações protocolares, alertando que jamais solicitariam senhas ou códigos por telefone, enquanto desviam o olhar da discussão essencial, aquela que deveria colocar em xeque a responsabilidade compartilhada entre operadoras e bancos, pois não parece razoável que a engrenagem que movimenta grande parte da economia nacional permaneça apoiada em práticas arcaicas de autenticação numérica, permitindo que o cliente seja o elo mais fraco de uma cadeia que deveria protegê-lo, não expô-lo.
Correntistas merecem mais que protocolos de autoproteção que os responsabilizam implicitamente por quedas de segurança que não lhes cabem, merecem a transparência de instituições que assumam a urgência de implementar mecanismos de autenticação que deem fim ao spoofing, merecem que operadoras adotem padrões internacionais que inviabilizem a falsificação de números oficiais, merecem um ambiente onde a simples ação de atender ao telefone não represente risco ao patrimônio acumulado ao longo de anos de trabalho, renúncias e escolhas difíceis.
Sociedade alguma pode naturalizar que milhões de contas bancárias permaneçam vulneráveis por causa de um detalhe técnico ignorado no topo das prioridades corporativas, enquanto instituições de grande porte celebram compliance, governança e inovação, sem enfrentar o fato de que a porta de entrada de um dos golpes mais devastadores continua escancarada, permitindo que criminosos falem em nome do banco, usem o número do banco, e capturem a credibilidade que deveria ser exclusiva do banco.
Inquieta sobretudo a contradição de instituições que, em nome de uma segurança sempre anunciada como inegociável, exercem controle rigoroso sobre a vida financeira de seus clientes, impondo limites para saques, para transferências, para pagamentos, para operações corriqueiras que deveriam ser determinadas apenas pela disponibilidade de recursos do próprio correntista, criando um ambiente em que o indivíduo, mesmo sendo titular legítimo de seu dinheiro, precisa negociar permanentemente com o banco para utilizá-lo, como se a proteção fosse argumento suficiente para justificar a renúncia silenciosa a parcelas da liberdade econômica que deveriam ser invioláveis, porém aceitas com resignação por uma sociedade que, temendo golpes, tolera abusos.
Daí vem a pergunta inevitável, quase incômoda em sua obviedade, sobre por que tamanha disposição para controlar o cliente não se converte em investimento para eliminar de uma vez por todas as brechas tecnológicas que viabilizam golpes tão devastadores? A retórica da segurança, quando não acompanhada de modernização real, transforma-se apenas em instrumento de contenção do usuário, não em garantia efetiva de proteção.
A frase que foi pronunciada:
“Se você colocar uma chave debaixo do tapete permitirá que um ladrão encontre-a. Os cibercriminosos estão usando todas as ferramentas da tecnologia à sua disposição para hackear contas das pessoas. Se eles sabem que há uma chave escondida em algum lugar, eles farão de tudo para encontrá-la.”
Tim Cook

História de Brasília
A Comissão de Construção de Brasília do IAPI alcançou ontem um novo recorde. A superquadra 305 deveria ser entregue no dia 15, mas ontem de madrugada saiu o ultimo caminhão contendo material. (Publicada em 12.05.1962)
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A frase segundo a qual o Estado nunca tolerou rivais funciona como chave interpretativa para compreender a forma como se estruturam, historicamente, as relações de poder e a relação do indivíduo com a autoridade pública. Não se trata de mera provocação teórica, mas de uma constatação repetida em diferentes momentos da história ocidental: sempre que o Estado se sente ameaçado ou desafiado pela emergência de instituições independentes, a sua reação imediata é expandir mecanismos de controle, vigilância e regulação. Esse movimento, que vai do monopólio da força à imposição de códigos normativos cada vez mais intrusivos, tende a sufocar a pluralidade institucional que deveria sustentar uma sociedade madura. Sob essa lógica, comunidades locais, igrejas, associações civis, empresas privadas, famílias e até o próprio indivíduo passam a ser vistos como potenciais competidores, e não como componentes essenciais de uma ordem social saudável, capaz de equilibrar liberdades com responsabilidades.
O fenômeno torna-se ainda mais evidente num contexto em que o liberalismo, não como slogan, mas como tradição filosófica e prática de limitação do poder, é tratado com desconfiança ou como inimigo a ser anulado. O liberalismo, com todas as suas limitações e contradições ao longo dos séculos, sempre serviu como barreira contra as tendências expansivas do Estado, oferecendo um conjunto de princípios orientados à proteção da autonomia individual, da propriedade privada, da livre associação e da independência das esferas civil e econômica. Não surpreende, portanto, que regimes ou governos hostis a esses valores tenham promovido, ao longo da história, a concentração de poder em níveis incompatíveis com a convivência democrática. O repertório de adversários é conhecido: mercantilismo, absolutismo, socialismo autoritário, imperialismos de diversas naturezas, protecionismos sufocantes e até práticas moralmente indefensáveis, como a escravidão. Todas essas estruturas, embora distintas entre si, compartilham uma raiz comum: a crença de que o Estado deve prevalecer sobre o cidadão e que a liberdade, quando existe, é concessão, e não direito.
A carga tributária opressiva, que recai especialmente sobre empresas produtivas e famílias, é apenas um dos sintomas mais visíveis desse processo. A cada novo conjunto de normas, decretos ou regulações, o Estado brasileiro reafirma uma tendência crônica de considerar o empreendedor como adversário, e não como parceiro no desenvolvimento nacional. A burocracia sufocante, aliada a um sistema judicial que frequentemente legitima decisões intervencionistas, aprofunda um ambiente de insegurança jurídica que afasta investimentos e desestimula a iniciativa privada. Essa lógica perpetua um ciclo perverso no qual o Estado, incapaz de garantir eficiência mínima em áreas essenciais como saúde, educação, segurança e infraestrutura, insiste, paradoxalmente, em reclamar para si ainda mais funções, mais recursos e mais poder.
Ao mesmo tempo, observa-se, no campo político, um discurso cada vez mais hostil à crítica, à divergência e à própria ideia de oposição. A democracia, para prosperar, exige espaços de contestação, circulação de ideias, pluralidade de vozes e instituições capazes de limitar o poder, sejam elas parlamentares, judiciais, mediáticas ou civis. Quando essas barreiras começam a ser enfraquecidas, seja por meio de estratégias de intimidação, seja pelo uso seletivo de órgãos estatais para fins políticos, instala-se uma atmosfera de medo e autocensura que lembra mais regimes de exceção do que repúblicas democráticas. Esse tipo de ambiente, já alertado por analistas internacionais, acende sinais de alerta sobre a saúde institucional do país e coloca o Brasil no radar de nações preocupadas com o avanço global das tendências liberais.
Não há o que discutir sobre a necessidade de políticas públicas robustas, mas sim a transformação do Estado em um agente que se autopromove a guardião exclusivo do bem-estar social, desconsiderando a importância das redes comunitárias, do capital social e das iniciativas privadas que, em democracias sólidas, colaboram para um equilíbrio saudável entre solidariedade e autonomia.
A preservação de liberdades é a verdadeira base do progresso, da inovação, da justiça e da dignidade humana. Em tempos de crescente preocupação internacional com o risco de deriva autoritária em diversas partes do mundo, reafirma-se a urgência de um debate honesto e profundo sobre os rumos do país. A defesa da liberdade não é uma bandeira partidária, mas um compromisso civilizatório. Ignorá-la, relativizá-la ou subordiná-la a agendas de ocasião é abrir caminho para um Estado que, incapaz de tolerar rivais, passa a considerar seus próprios cidadãos como obstáculos e não como fundamento de sua existência. O futuro democrático do Brasil depende da capacidade de reconhecer esse risco e de reafirmar que a função do Estado é servir, não dominar.
A frase que foi pronunciada:
“Eu acreditava muito nos mecanismos governamentais, mas eles têm células cancerígenas que crescem incontrolavelmente. Há algo de doentio na máquina estatal. A experiência de jovem me tornou cético para as reais possibilidades do Estado.”
Roberto Campos

História de Brasília
A Festa do Candango, que alcançou tanto êxito no ano passado será realizada também êste ano, nos dias 29 e 30 de junho e primeiro de julho. O local, como o IAPI está ajardinado, será transferido para o IAPETC. (Publicada em 12.05.1962)
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Decisão tomada pela Colômbia de declarar-se, em meio à turbulência política que envolve as relações diplomáticas com os Estados Unidos e ao escrutínio internacional provocado pelos desdobramentos da COP30, como o primeiro país da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica a renunciar integralmente à prospecção de petróleo e à exploração mineral em seu território amazônico, constitui uma ruptura profunda com o padrão histórico que moldou a ocupação da região e, ao mesmo tempo, lança um desafio silencioso e incômodo aos demais signatários desse pacto multilateral, sobretudo aos governos que insistem em justificar a manutenção de seus modelos extrativistas sob o argumento de que a vulnerabilidade econômica impede qualquer alternativa estruturante capaz de conciliar desenvolvimento e preservação.
A medida anunciada pelo Ministério do Meio Ambiente colombiano traz a totalidade do bioma amazônico nacional como Reserva de Recursos Naturais Renováveis e proibiu a aprovação de novos projetos de petróleo e de mineração em grande escala sobre uma área que ultrapassa os 48 milhões de hectares (cerca de 483.000 km²), bloqueando dezenas de pedidos pendentes de concessões, segundo o governo, dezenas de blocos petrolíferos e centenas de requisições minerais ficam, pelo menos em princípio, impedidos de avançar enquanto vigora o novo regime.
Irene Vélez Torres, ministra interina do Meio Ambiente, justificou o ato ao afirmar que “essa declaratória busca prevenir a perda e degradação de florestas, a captura de água e a contaminação de nossos rios, evitando a acumulação de impactos ambientais que décadas de exploração industrial causaram”, acrescentando um chamado explícito à cooperação regional: “convidamos os países amazônicos a se unirem numa Aliança Amazônica pela Vida”.
Documento governamental que formaliza a reserva, conforme divulgado pelo ministério, prevê um regime transicional que respeita “situações consolidadas” ou seja, não implica despejos imediatos de atividades já em operação, mas estabelece um impedimento claro a novas licenças e uma moratória para a abertura de novas frentes exploratórias, medida que especialistas descrevem como simbólica, porém com potencial prático para deter a expansão de novos blocos e concessões.
Ao assumir a dianteira, a Colômbia demonstra que a preservação pode ser também uma estratégia diplomática sofisticada, apta a reposicionar o país no cenário internacional e a elevar seu poder de barganha em negociações que, historicamente, foram dominadas por nações industrializadas que exploraram seus próprios biomas até a exaustão e agora tentam impor parâmetros ambientais sem reconhecer plenamente suas responsabilidades passadas.
O presidente Gustavo Petro, em diferentes intervenções públicas durante a cúpula e nos dias que antecederam a COP30, reiterou essa linha ao pedir maior ambição global na saída dos combustíveis fósseis e ao afirmar que “não cabe a países que devastaram seus próprios territórios dar lições sem assumir responsabilidades”; sua retórica funcionou como complemento político à medida técnica do ministério, ainda que críticos apontem que a tradução dessa postura em políticas internas e em garantias de financiamento para alternativas sustentáveis exigirá passos subsequentes e concretos.
Enquanto países vizinhos começam a reconhecer que a preservação ambiental pode funcionar como elemento estratégico para fortalecer a democracia, aumentar a credibilidade internacional e atrair investimentos baseados em inovação científica e cadeias produtivas limpas, nosso país permanece preso à velha lógica de que a exploração intensiva dos recursos naturais seria o único caminho possível para evitar estagnação econômica e tensões sociais, ignorando que a insistência nesse modelo não apenas compromete a integridade da Amazônia, mas também aprofunda desigualdades internas, marginaliza populações tradicionais e reforça a dependência de mercados voláteis cujos ciclos de alta e baixa submetem o país a um permanente estado de vulnerabilidade.
A projeção de uma área gigantesca como zona livre de exploração petrolífera e mineral permite à Colômbia não apenas estabelecer um novo patamar de compromisso ecológico, mas também demonstrar que é possível pensar políticas de proteção que articulem conservação e soberania sem recorrer à narrativa simplista de que a sustentabilidade seria uma imposição externa ou uma ameaça ao desenvolvimento.
Em discurso em fórum ministerial da OTCA durante a COP30, a ministra Vélez também afirmou que a medida “é um primeiro passo, mas exige financiamento internacional e políticas de substituição econômica para comunidades locais”, reconhecimento explícito da necessidade de combinar proteção legal com instrumentos de justiça social e desenvolvimento alternativo.
Esse espelho incômodo criado pela atitude colombiana reflete as limitações de um modelo nacional incapaz de articular políticas ambientais coerentes e de longo prazo e evidencia que o futuro da Amazônia dependerá cada vez mais da coragem política dos países que compõem a OTCA e da capacidade que cada um terá de transformar compromissos formais em ações concretas, compreendendo que a preservação não é uma concessão ao ambientalismo global, mas um imperativo civilizatório sem o qual não haverá estabilidade climática, segurança hídrica nem condições sociais mínimas para sustentar projetos de nação no século XXI.
Enquanto a Colômbia avança, nosso país permanece enredado em contradições que se agravam sob o peso de um regime que ignora qualquer crítica e prefere exibir força em vez de reconhecer suas próprias falhas.
A frase que foi pronunciada:
“A hora é agora. A história exige que ajamos”.
Ministra do Meio Ambiente da Colômbia

História de Brasília
IAPFESP, parou. IAPM, parou. Itamarati parou. Ministério da Justiça não começou. (Publicada em 12.05.1962)
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Com o avanço vertiginoso da era digital e a difusão irrestrita de plataformas que permitem a qualquer cidadão produzir conteúdo de aparência jornalística, consolidou-se um ambiente em que a antiga guarda da imprensa, antes protegida pelo rigor institucional e pela solidez de seus procedimentos editoriais, perdeu a oportunidade crucial de afirmar sua autoridade moral e reconstruir, tijolo por tijolo, a confiança que deveria sustentar sua própria razão de existir, já que a multiplicação de vozes sem curadoria tornaria ainda mais valioso um jornalismo comprometido com a precisão, a responsabilidade e a transparência.
Em vez desse movimento natural, verificou-se um processo curioso de erosão interna, no qual veículos, historicamente reconhecidos por sua firmeza ética, foram, gradualmente, cedendo às pressões políticas, às disputas de narrativas e às tentações do espetáculo, abrindo espaço para que sua reputação fosse questionada justamente quando o mundo mais necessitava de um norte confiável.
Contextualizar esse fenômeno demanda revisitar a trajetória da British Broadcasting Corporation, fundada em 1922 como British Broadcasting Company e transformada, dois anos depois, em uma corporação pública orientada pelo princípio de servir ao interesse coletivo por meio de informação responsável, educação crítica e entretenimento de qualidade, alicerces que permitiram, à instituição, ao longo do século XX, consolidar uma credibilidade quase inabalável, baseada na convicção de que a informação não pertence a governos, corporações ou grupos de pressão, mas ao público que confia na imprensa para iluminar zonas de sombra e revelar complexidades que discursos simplificados tentam frequentemente ocultar. A solidez dessa reputação sustentou a BBC em guerras, crises econômicas e turbulências políticas, transformando-a em símbolo global de seriedade e rigor jornalístico.
Situação distinta, porém, parece caracterizar os últimos anos, período em que a corporação passou a enfrentar questionamentos judiciais relacionados tanto a conteúdos considerados enganosos, quanto a práticas editoriais vistas como incompatíveis com seus próprios padrões históricos. Relatórios internos e documentos parlamentares do Reino Unido registram que dezenas de processos por difamação e danos reputacionais foram movidos contra a BBC na última década, alguns envolvendo alegações de edições descontextualizadas, que teriam alterado o sentido original de pronunciamentos públicos, outros referentes a programas investigativos, cuja agressividade metodológica, embora tradicional no jornalismo de denúncia, ultrapassou limites éticos e resultou em indenizações e retratações. Somam-se, a isso, episódios graves como o caso Savile, que revelou omissões internas, lentidão investigativa e falhas de supervisão que, somadas ao impacto social do escândalo, abalaram a confiança institucional e revelaram tensões profundas entre autonomia editorial e dever de proteção ao público.
Reações a essas crises não se limitaram à retórica de reparação, pois a corporação, reconhecendo a gravidade dos abalos, promoveu uma revisão estrutural conduzida por Sir Nicholas Serota, cuja trajetória no setor cultural britânico é marcada por integridade intelectual, habilidade de diagnosticar fragilidades institucionais e compromisso inequívoco com padrões éticos elevados. A chamada revisão Serota percorreu documentos internos, séries de entrevistas e diagnósticos minuciosos sobre a cultura organizacional da BBC, identificando pontos cegos que permitiram que erros se acumulassem sem resposta imediata, revelando também que parte do problema derivava de uma hierarquia excessivamente dependente de processos burocráticos, que retardava a apuração de denúncias internas e, ao mesmo tempo, criava um ambiente em que o receio de abalar a reputação institucional se sobrepunha à necessidade de reconhecer falhas.
Recomendações resultantes dessa análise levaram à criação de canais independentes de denúncia, ao fortalecimento de comitês editoriais, à reformulação de procedimentos de verificação e à ampliação de mecanismos de transparência, com o objetivo de reconstruir, por dentro, os alicerces que sustentam a credibilidade pública. Esses ajustes demonstram que a credibilidade não é um bem estático, guardado em cofres blindados, mas um organismo vivo, que exige manutenção constante, vigilância institucional e disposição permanente para corrigir erros antes que se transformem em fissuras irreparáveis. Compreender a importância desse processo exige reconhecer o papel singular de Serota, cuja intervenção não apenas delineou uma espécie de cartografia ética da corporação, mas também consolidou a percepção de que a saúde institucional depende menos da ausência absoluta de falhas e mais da capacidade de enfrentá-las com franqueza, profundidade e coragem. A cultura de responsabilização iniciada a partir de seu relatório criou condições para que a BBC buscasse recuperar padrões que a haviam distinguido de tantos outros veículos, permitindo que a instituição tivesse força interna para admitir, publicamente ,equívocos e produzir reparações compatíveis com a gravidade das falhas cometidas.
Nada disso, entretanto, resolve o dilema maior que assombra o jornalismo contemporâneo: a luta cotidiana pela verdade. A proliferação de narrativas concorrentes, a competição por atenção, o imediatismo das redes e a tendência crescente de transformar opinião em fato criam um ambiente em que a verdade parece vestir múltiplas camadas, como se necessitasse de inúmeras saias de filó para proteger sua essência mais frágil da voracidade do mundo.
A frase que foi pronunciada:
“Os lugares mais quentes do inferno são reservados para aqueles que permaneceram neutros durante tempos de grandes provações morais.”
Dante Alighieri

História de Brasília
Bonito trabalho vem desenvolvendo o DFSP através do Serviço de Trânsito, disciplinando os motoristas na rua da Igrejinha. O retorno deve ser feito em frente à ilha não no meio da quadra. (Publicada em 12.05.1962)
VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Quando a lona do circo finalmente pegou fogo, não havia mais dúvida: a COP30 em Belém do Pará se confirmou como a tragédia anunciada que tantos já previam. Os problemas vinham desde cedo com improvisações, sinalizações precipitadas e um governo mais preocupado com a vitrine do que com a substância, e as várias críticas acumuladas ao longo da preparação agora explodem em cinzas. Em primeiro lugar, a crise de hospedagem que dominou os bastidores do evento foi um escândalo. A ONU, por meio do secretário-executivo da Convenção do Clima (UNFCCC), Simon Stiell, chegou a recomendar a redução das delegações devido à falta de acomodações e ao custo exorbitante em Belém. Hotéis cobraram tarifas com diárias muito acima do que a estrutura da ONU considera aceitável, com exigência de estadia mínima um modelo que fragiliza a participação de países mais pobres e compromete a credibilidade da conferência. Para diplomatas do Panamá, por exemplo, os valores eram “insanos e insultuosos”.
Essa situação gerou forte “caldo negativo de confiança” e alimentou a narrativa de que a COP30 foi pensada para impressionar, não para produzir. Além disso, as críticas levantadas por lideranças indígenas e do Ministério Público Federal foram contundentes. No estande do MPF, a promotora Eliane Moreira denunciou que menos de 1% dos recursos globais de financiamento climático chega verdadeiramente às comunidades de base enquanto os mecanismos de mercado, como o REDD+, funcionam como “licenças para corporações continuarem poluindo”, mercantilizando territórios e naturalizando violações de direitos. A Convenção 169 da OIT, segundo essas lideranças, tem sido ignorada: há relatos de ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada, além de contratos de longo prazo (30 a 50 anos) com cláusulas sigilosas, que colocam populações indígenas em situação de vulnerabilidade e cooptação. Na arena política, a COP30 também sofreu ataques internos: parlamentares de 47 países aprovaram 25 diretrizes durante a conferência, exigindo transição energética justa, adaptação climática e proteção dos povos indígenas, denunciaram que o modelo atual de financiamento climático é falho e exigiram mais participação democrática nos compromissos.
Por trás dos discursos de celebração, muitos viam uma conferência divorciada das bases, mais espetáculo do que ação concreta. E como se não bastasse, veio o incêndio: uma chama real tomou a chamada Zona Azul onde ocorrem as negociações, obrigando a evacuação de delegados num momento crucial de fechamento de acordos. Treze pessoas foram tratadas por inalação de fumaça. O fogo, segundo relatos, teria começado por falha elétrica (possivelmente um gerador ou até um micro-ondas) e se espalhou rapidamente por tendas fabricadas para o evento. Esse episódio simboliza, de maneira dramática, o colapso logístico e a fragilidade estrutural desta COP: uma conferência internacional que organizou tendas improvisadas para receber os grandes povos do mundo, mas não garantiu segurança mínima. O fato de a ONU ter já enviado alertas em carta ao governo brasileiro, mencionando portas defeituosas e infiltrações de água nas estruturas, apenas reforça que os riscos eram conhecidos. Há uma clara dissonância entre o discurso de “COP da Amazônia” e a realidade de uma infraestrutura montada às pressas, sem o devido controle.
Somemos a isso os protestos: indígenas e ativistas invadiram a conferência, denunciando que a Amazônia estava sendo usada como cenário de marketing, enquanto prioridades locais, como saúde, saneamento, educação e proteção territorial, eram negligenciadas. Para muitos desses grupos, a COP30 se tornou um palco vazio com simbolismo, mas sem justiça real. Esse cenário é ainda mais grave quando se considera a natureza política do encontro: a união entre o governo federal e lideranças locais do Pará tem sido vista como parte de uma engrenagem de poder que explora a Amazônia para ganhos simbólicos e eleitorais.
A escolha de Belém não seria apenas um gesto ambiental, mas uma manobra para mostrar força diplomática, mas o espetáculo se revelou cada vez mais frágil e disfuncional.
Quando a construção é superficial feita para a imagem, não para a ação, o risco é alto: a máscara cai, o palco pega fogo, e quem mais paga a conta são os mais vulneráveis. Belém, com todo o seu potencial simbólico, deveria ter sido palco de uma virada climática. Mas virou exemplo de desorganização, despreparo e desrespeito com desvios do foco. Que essa COP sirva de alerta: compromissos ambientais precisam de infraestrutura, competência, responsabilidade e participação, não apenas de discursos e posturas.
Frase que foi pronunciada:
“Deveria nos alarmar que veremos nossos primeiros trilionários em poucos anos, enquanto quase metade da humanidade ainda vive na pobreza. Ao mesmo tempo, está mais claro do que nunca que a emergência climática é uma crise de desigualdade”.
Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Cyril Ramaphosa e Pedro Sánchez no Financial Times

História de Brasília
Os outros Institutos bem que poderiam fazer a mesma coisa, para que a campanha se verificasse simultaneamente em todo o Plano Pilôto. (Publicada em 12.05.1962)
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Criada na Grécia antiga pelos filósofos Sócrates, Platão e, principalmente, Aristóteles, a ética sempre foi entendida como um eixo orientador da vida humana, um critério para a virtude, para a justiça e para a convivência social pautada pelo bem comum. Não por acaso, transformou-se em disciplina própria dentro da filosofia, justamente porque estabelece o fundamento do que deve ser uma vida virtuosa, pacífica e feliz. Quando se observa esse legado, percebe-se que ética e moral são indissociáveis, sobretudo nas relações sociais e políticas, pois ali se decide não apenas o destino de instituições, mas de gerações inteiras.
Na política, ética não é um ornamento teórico; é condição de governança. Envolve honestidade, transparência, responsabilidade, justiça e respeito aos direitos humanos. Sem esses princípios, qualquer governo, por mais robustas que sejam suas estruturas, transforma-se em mero simulacro de poder, incapaz de promover desenvolvimento real ou estabilidade institucional. O Brasil conhece bem esse processo corrosivo. Há décadas, a população assiste, perplexa e cada vez mais descrente, ao desfile contínuo de escândalos de corrupção que corrói a confiança no Estado e fere de morte a própria democracia.
Do Mensalão à Operação Lava Jato, passando agora pelos casos de desvios bilionários que atingem aposentados, justamente o grupo mais vulnerável e que deveria ser protegido, o país revela, repetidas vezes, uma ferida que nunca cicatriza. A cada novo escândalo, a sensação é de que a ética se tornou presença rara, quase exótica, no exercício da política nacional. E o mais grave: enquanto a sociedade clama por integridade e justiça, o Estado e seus representantes demonstram uma surdez seletiva, incapaz de ouvir a demanda mais básica de um povo que deseja apenas ser governado com decência.
É preciso reconhecer um fato incômodo: a corrupção, no Brasil, não é fenômeno difuso ou espontâneo. É, por excelência, um produto gerado pelo próprio Estado e por seus agentes eleitos ou não. Nasce onde há concentração de poder, baixa transparência, impunidade crônica e estruturas burocráticas que facilitam o desvio, o superfaturamento e o uso privado do dinheiro público.
Ao longo do tempo, isso produziu uma cultura institucional que normaliza a imoralidade, que tolera o ilícito como método administrativo e que recompensa quem deveria ser punido. Os efeitos são devastadores. A corrupção drena recursos essenciais para a educação, a saúde, a segurança pública e a infraestrutura. Impede investimentos estratégicos, retarda o crescimento econômico, afugenta empresas sérias e desestimula qualquer tentativa de planejamento de longo prazo. Pior ainda: consolida uma pedagogia perversa para as novas gerações, ensinando, pelo exemplo dos poderosos, que vantagem pessoal vale mais do que o interesse coletivo.
Não há futuro possível para um país que cresce desconectado da ética. As crianças e jovens que hoje assistem ao noticiário e veem governantes, gestores públicos e empresários envolvidos em tramas criminosas aprendem que o Estado pode ser capturado, que a lei é maleável e que a impunidade é quase garantida. Esse aprendizado tácito destrói a confiança social e amplia o cinismo político, abrindo caminho para novas formas de autoritarismo e para o descrédito completo das instituições democráticas.
Por isso, o debate sobre ética na política não pode mais ser adiado. Trata-se de uma urgência nacional, de uma agenda civilizatória. O país precisa recuperar a centralidade da virtude na vida pública, reconstruir mecanismos de controle, fortalecer órgãos de fiscalização, proteger denunciantes e punir com rigor quem trai o interesse público. Mais do que isso: precisa reafirmar que o Estado existe para servir ao cidadão, e não o contrário.
Sem ética, nenhuma nação se sustenta. O Brasil já pagou caro demais pelo distanciamento da moralidade pública. Persistir nesse caminho é condenar as próximas gerações a um futuro reduzido, injusto e moralmente desabitado. A reconstrução ética do país é, portanto, a única obra verdadeiramente inadiável porque dela dependem todas as demais. A escola, a família e a comunidade precisam assumir um compromisso explícito com a construção de valores como honestidade, responsabilidade, respeito, empatia, justiça e valores que, quando enraizados na infância, tornam-se a base sólida de uma sociedade íntegra.
Educar eticamente não significa impor doutrinas, mas oferecer às crianças ferramentas para discernir o certo do errado, compreender as consequências de seus atos e reconhecer que o bem comum depende da ação de cada indivíduo. Ensinar ética às crianças é, portanto, uma estratégia de longo prazo para a transformação do país. É formar cidadãos capazes de rejeitar práticas imorais, pressionar por governos íntegros e participar da vida democrática com consciência e coragem. Se quisermos que as futuras gerações vivam em um Brasil mais digno, precisamos começar pelo óbvio: ensinar ética enquanto ainda estamos moldando o caráter de quem irá herdar este país. Sem isso, continuaremos reféns da mesma engrenagem que, há décadas, corrói nossa democracia e compromete nossos sonhos coletivos.
A frase que foi pronunciada:
“Não há dúvida de que, à medida que a ciência, o conhecimento e a tecnologia avançam, tentaremos realizar coisas mais significativas. E não há dúvida de que sempre teremos que ponderar essas ações com ética.”
Ben Carson

História de Brasília
Excelente iniciativa, a da delegacia do IAPC em Brasília, determinando a dedetização de todos os apartamentos. Os inquilinos terão que comprar apenas uma lata de querosene, para se verem livres das baratas que estão invadindo todos os apartamentos. (Publicada em 12.05.1962)
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Na publicação do best seller “The beautiful tree”, do pesquisador James Tooley, foi aberta e exposta ao mundo uma ferida antiga e muito mal cicatrizada, relativa ao debate sobre a qualidade da educação nos países em desenvolvimento, sobretudo aquela ministrada nas escolas públicas. O pesquisador britânico demonstrou, por meio de um rigoroso trabalho de campo em diferentes continentes, algo que muitos governos tentam sistematicamente ocultar: que as populações mais pobres, cansadas da ineficiência crônica do Estado, estão criando suas próprias soluções educacionais, financiando com grande sacrifício pequenas escolas privadas de baixo custo que, embora invisíveis à narrativa oficial, produzem resultados superiores aos da rede pública.
Essa revelação foi recebida com desconforto justamente porque expôs a distância entre o discurso paternalista dos governos e a realidade enfrentada pelas famílias que vivem nas margens das estatísticas. No Brasil, essa realidade não é apenas semelhante: é ainda mais gritante. Há décadas, o país convive com um sistema educacional que consome volumes colossais de recursos públicos, mas entrega resultados medíocres, quando não desastrosos.
Ano após ano, as avaliações nacionais reiteram a incapacidade estrutural do Estado de garantir alfabetização plena, proficiência mínima em matemática ou mesmo um ambiente escolar seguro. Em vez de avanços sólidos, o que se vê são sucessivas reformas anunciadas com pompa, planos estrondosos, metas que expiram sem nunca terem sido alcançadas e, ao final, milhões de estudantes que concluem etapas escolares sem aprender o básico. Essa realidade é conhecida, debatida, lamentada, mas raramente enfrentada com honestidade. E enquanto governos discutem comissões, diretrizes e marcos regulatórios, famílias pobres brasileiras buscam alternativas.
Nas periferias urbanas, nos sertões e nas áreas ribeirinhas, florescem discretamente pequenas escolas comunitárias, creches improvisadas, instituições confessionais de baixo custo e iniciativas independentes sustentadas por mensalidades modestas, pagas com enorme esforço. Elas não contam com subsídios estatais, não são celebradas em conferências internacionais, tampouco aparecem nas estatísticas oficiais. No entanto, são procuradas porque oferecem algo essencial: ensino efetivo, disciplina, controle social direto e, principalmente, a sensação de que existe ali um compromisso real com o aprendizado das crianças.
Assim como Tooley registrou em suas viagens pela Índia ou pela África, o Brasil também tenta invisibilizar essas experiências. A burocracia estatal, ao mesmo tempo em que falha em entregar qualidade, cria barreiras para que essas iniciativas prosperem. Exige-se delas um nível de regularização estrangulador, muitas vezes incompatível com sua realidade material, ao mesmo tempo em que se tolera a precariedade estrutural da própria escola pública. O paradoxo é evidente: cobra-se excelência administrativa de quem está tentando suprir uma ausência do Estado, mas aceita-se, como inevitável, o baixo desempenho de escolas cuja manutenção consome bilhões. Trata-se de uma inversão de prioridades que revela mais sobre a proteção de interesses políticos do que sobre uma preocupação genuína com a educação de crianças pobres.
Reconhecer sua eficácia significaria admitir que o problema da educação brasileira não é, prioritariamente, falta de recursos, mas sim de gestão, accountability, responsabilidade e visão de longo prazo. Significaria aceitar que a liberdade de escolha das famílias pode produzir resultados mais sólidos do que estruturas burocráticas incapazes de se reformar. A verdade é que o Brasil vive hoje uma contradição profunda: dispõe de um dos maiores orçamentos educacionais do mundo em valores absolutos, mas entrega índices de aprendizagem comparáveis aos de países muito mais pobres.
É um esforço silencioso, invisível, doloroso, mas que revela uma fé inabalável na educação como caminho de ascensão social. O Brasil precisa encarar essa realidade com maturidade. Ignorar ou perseguir iniciativas independentes não resolverá o fracasso estrutural da educação pública. Pelo contrário, apenas ampliará o fosso entre a retórica estatal e a experiência concreta das famílias. Se o objetivo nacional é garantir aprendizagem real, então o país deve reconhecer, apoiar e estudar esses modelos alternativos, não para substituírem o Estado, mas para ensinarem ao Estado como reconstruir sua própria credibilidade.
The Beautiful Tree traz a lição de que não é que o Estado deva desaparecer. É que, quando ele falha reiteradamente, a sociedade encontra caminhos. E no Brasil, como em tantos outros lugares, a árvore bonita já começou a brotar entre os escombros da negligência oficial. Cabe aos governantes decidir se continuarão a arrancá-la, em nome de uma narrativa que não se sustenta, ou se finalmente permitirão que ela cresça, iluminando caminhos que há muito tempo deixamos de percorrer.
A frase que foi pronunciada:
“Se uma nação espera ser ignorante e livre, em um estado de civilização, ela espera o que nunca existiu e nunca existirá.”
Thomas Jefferson

História de Brasilia
Os outros Institutos bem que poderiam fazer a mesma coisa, para que a campanha se verificasse simultaneamente em todo o Plano Pilôto. (Publicada em 12.05.1962)

