Coluna no Correio: Meirelles escorrega

Publicado em Economia

De concessão em concessão no projeto que trata da renegociação das dívidas de estados, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vai dando mostras do que será a negociação para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior. O chefe da equipe econômica começou falando grosso com governadores e parlamentares, mas, por determinação do Palácio do Planalto, acabou cedendo em pontos que manterão abertas muitas torneiras dos gastos que levaram várias unidades da Federação à quase falência.

 

Para um ministro que, desde que tomou posse, assumiu como bandeira um duro combate à gastança e propôs uma revolução na gestão das contas públicas ao se estabelecer um limite para a alta das despesas, não há como entender a atual complacência. Meirelles aceitou ontem incluir os servidores das assembleias legislativas no grupo de categorias cujos gastos com terceirização, indenizações, auxílios e despesas de exercícios anteriores serão retirados do cálculo da folha salarial. Assim, não serão considerados como despesas com pessoal para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

 

Na véspera, o ministro já havia concordado com a retirada, da folha de salários, dos mesmos benefícios pagos a servidores do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Tribunais de Contas estaduais. Muita gente viu a ação como um gesto político compreensível, a fim de dar celeridade à aprovação da renegociação das dívidas e permitir o andamento de outros projetos de interesse do Executivo. Mas, agora, a impressão é de que a porteira está sendo aberta a uma velocidade muito rápida, que pode desfigurar o ajuste que tanto se espera dos estados. Pior: não será surpresa se demandas semelhantes partirem do Executivo.

 

Aliados de Meirelles garantem que tudo está sob controle, pois, apesar das concessões, tais despesas só poderão aumentar de acordo com a inflação do ano anterior, seguindo o modelo traçado para a PEC dos gastos da União. Usando a retórica, o ministro, que tenta se preservar, afirma que “qualquer mudança, se vier, será para melhor”. Todos sabem que não é assim, já que não se tem a garantia de que os governadores cumprirão o acertado. O histórico deles é terrível. Para desrespeitar a LRF, criaram um monte de atalhos. Deu no que deu: estados quebrados, insolventes, atrasando salários e suspendendo a prestação de serviços essenciais à população. O risco de os problemas que vemos hoje se repetirem mais à frente é enorme.

 

Reputação

 

A fraqueza demonstrada pela Fazenda contrasta com a posição dura adotada pelo Banco Central. A atual diretoria, comandada por Ilan Goldfajn, entendeu a importância de se construir uma boa reputação. Mesmo com o mercado bancando que haverá queda da taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano, a partir de outubro, a ordem é manter intacto o discurso de que não há espaço para a flexibilização monetária tão cedo.

 

Internamente, o BC comemora o fato de os analistas estarem revisando, para baixo, as projeções futuras de inflação. As estimativas para 2018, 2019 e 2020 já estão ancoradas no centro da meta, de 4,5%, e as de 2017 começam a migrar para esse patamar — estão em 5,2%. Mas, como dizem os diretores, ainda é muito pouco. É preciso mais para que a instituição dê partida ao movimento de redução da Selic.

 

Essa postura ultraconservadora é uma resposta à visão que prevalecia no mercado em relação a Ilan. Até assumir a presidência do BC, ele era visto como um “pombo” (dovish, em inglês), adjetivo usado para classificar os economistas mais complacentes com a inflação. O economista afirmava que os juros poderiam cair dois pontos percentuais a partir de julho último. Mas, já no cargo, trabalhou pesado para a manutenção da taxa.

 

Ilan entendeu que, se não se fosse mais contundente na defesa de um BC ultraortodoxo, ficaria desmoralizado. Agora, é o primeiro a dizer, nas conversas internas, que o momento é de aproveitar o movimento de desinflação da economia para levar a inflação ao centro da meta e ancorá-la nos 4,5% ou abaixo disso. O discurso dentro do BC é o de que acabou o período de experimentalismos e de discursos sem consistência.

 

Perto da queda

 

Na avaliação de Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, um BC linha-dura é importante para o controle das expectativas. Se os agentes econômicos acreditam no compromisso de controle da inflação, com o tempo os índices de preços acabarão convergindo para a meta. “E é o que estamos vendo hoje”, diz. Ela acredita que, com a credibilidade adquirida até agora, seria até aceitável que o Comitê de Política Monetária (Copom) derrubasse os juros já em agosto. “Haveria justificativas plausíveis para isso”, acrescenta. Mas o BC de Ilan não fará isso.

 

A prioridade desse Banco Central cauteloso, acredita Zeina, é aumentar o estoque de reputação para que os juros caiam de forma segura, sem solavancos. “A diretoria atual vive o que chamamos de curva de aprendizado”, ressalta. Para ela, é possível que a taxa básica caia antes mesmo de o Congresso aprovar as medidas de ajuste fiscal. O BC condicionará, porém, a magnitude da queda à arrumação das contas públicas. Quanto mais contundente for o processo, maior será o recuo dos juros.

 

Zeina destaca que a boa notícia, na atual conjuntura, é a mudança de regime da política econômica. No início do ano, falava-se em dólar a R$ 6, em juros de dois dígitos em 2018 e em dominância fiscal (quando a política monetária perde a eficácia). “Hoje, o debate é quando e quanto a Selic vai cair. As discussões se normalizaram”, afirma. “Agora, é importante que o governo faça o ajuste fiscal. Se não, a situação sairá do controle”, avisa.

 

Brasília, 07h10min