Coluna no Correio: Bolha de expectativa

Publicado em Economia

Faltam quatro dias para o fim de agosto, mas setembro nunca pareceu tão distante. A reta final do impeachment de Dilma Rousseff está mexendo com os nervos de todos, ainda que o resultado esteja praticamente decidido. A pergunta que mais tem tirado o sono da equipe econômica e dos mercados é se Michel Temer terá força suficiente para tomar as medidas necessárias a fim de pôr o Brasil novamente na rota do crescimento sustentado.

 

Tanta expectativa se justifica. Desde que o presidente interino assumiu o comando do Palácio do Planalto, criou-se uma onda de confiança suficiente para reanimar um país atolado numa severa recessão. Mesmo cientes de que a retomada será lenta e muito dolorida, os agentes econômicos passaram a reavaliar projetos e a expressar o desejo de retomar os investimentos produtivos. Os analistas não só solidificaram as previsões de um Produto Interno Bruto (PIB) positivo em 2017, como, pouco a pouco, foram apresentando projeções melhores. Muitos falavam num terceiro ano seguido de recessão.

 

A torcida entre os técnicos da equipe econômica é para que essas expectativas não se transformem em uma bolha que pode estourar rapidamente, com consequências dramáticas. Não por acaso, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vai batalhar para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior ganhe prioridade entre as votações previstas no Congresso. Se conseguir avançar com esse projeto, o governo dará a mais dura resposta à irresponsabilidade fiscal que prevaleceu nos últimos anos e detonou a crise que atormenta a todos.

 

Janela que se fecha

 

A urgência que se impõe a Temer ganhou um ingrediente com potencial para fazer desandar todo o quadro positivo que está colocado: a possível alta dos juros nos Estados Unidos. Até ontem, o consenso era de que o custo do dinheiro na maior potência do planeta ficaria estável pelo menos até o primeiro trimestre do ano que vem. Agora, porém, o próprio Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos EUA, indica que os juros podem começar a subir em setembro. Taxas maiores no mercado  norte-americano significam menos recursos circulando no mundo em direção a países emergentes como o Brasil.

 

O impacto dos juros maiores nos Estados Unidos pode ser medido pela reação dos mercados. Na manhã da sexta-feira, a presidente do Fed, Janet Yellen, fez um discurso considerado ameno pelos investidores, que parecem não ter entendido os recados passados por ela. As bolsas de valores subiram e o dólar perdeu valor. Tão logo Stanley Fischer, vice-presidente do BC norte-americano, interpretou o discurso da chefe e indicou a possível elevação dos juros no mês que vem, a situação se inverteu por completo. O estresse passou a dar o tom das negociações, com bolsa em queda e juros e dólar em alta.

 

Na opinião de técnicos da equipe econômica, a única forma de o governo minimizar os efeitos da alta dos juros nos EUA é tirando o ajuste fiscal do papel, fazendo com que o discurso que prevaleceu até agora seja colocado em prática. “Estamos confiantes. Todos os sinais que temos recebido do Planalto indicam apoio total à aprovação da PEC em outubro na Câmara dos Deputados e, até o início de dezembro, no Senado”, afirma um dos subordinados de Meirelles. Para ele, Temer tem completo entendimento de que o sucesso dele depende do bom andamento da economia. “Não há outro caminho”, diz.

 

Ameaças internas

 

As ameaças não se restringem aos juros nos EUA. Estão também no próprio governo. Há ruídos desnecessários criados nas últimas semanas que vêm sendo anotados, um por um, pelos agentes econômicos. Ninguém consegue entender, por exemplo, quem está falando a verdade sobre um possível aumento de impostos. Meirelles afirma que há, sim, chances reais de elevação de tributos para fechar o Orçamento de 2017, que prevê rombo de até R$ 139 bilhões nas contas públicas. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, por sua vez, diz que esse tema foi enterrado com o aval de Temer.

 

Na base governista, há uma divergência gritante entre o PMDB, o partido do presidente interino, e o PSDB, o principal avalista do ajuste fiscal. Os peemedebistas querem a aprovação, ainda na primeira quinzena de setembro, do aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Já os senadores da legenda aliada dizem que o momento é de dar exemplo de responsabilidade fiscal e não de ampliar os gastos. O reajuste nos subsídios dos integrantes da mais alta Corte do país elevará o teto do funcionalismo e provocará um perverso efeito cascata em estados e municípios.

 

“Tomara o governo consiga se acertar, para que as divergências não atrapalhem o que já se conquistou até agora em termos de confiança”, diz um importante técnico do Banco Central. “Estamos acompanhando todos os movimentos do governo, já que as medidas a serem tomadas para o ajuste fiscal terão forte impacto na política monetária”, ressalta. Para ele, as chances de Temer colocar o país nos eixos são reais. Só dependerá do empenho dele para a arrumação das contas públicas.

 

Se o ajuste fiscal estivesse em curso, certamente o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne na semana que vem, já teria um bom motivo para pensar em cortar a taxa básica de juros (Selic), de 14,25% ao ano. Na melhor das hipóteses, só começará a dar um alívio no custo do dinheiro a partir de outubro. Isso, é claro, se tudo seguir o roteiro traçado por Meirelles.

 

Brasília, 05h10min