Construção é uma das faixas de álbum homônimo, o mais cultuado da extensa obra de Chico Buarque de Holanda. O cantor e compositor carioca era ainda muito jovem, em 1971, quando este disco foi lançado. Na criação da letra do samba, com maestria, ele fez uso de sílabas tônicas para descrever o último dia na vida de um operário da construção civil, em versos como: “E tropeçou no céu como se fosse um bêbado/E flutuou no ar como se fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um pacote flácido/Agonizou no meio do passeio público/Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.
Para comemorar os 50 anos do lançamento de Construção, Chico vai tomar aquele poema como referência para a realização do seu novo projeto, um musical — outra forma de expressão que utiliza em seu processo criativo. Espetáculos do gênero ele tem escrito desde o início carreira. O primeiro foi Roda viva, de 1968, dirigido por José Celso Martinez Correia, em plena vigência da ditadura militar, que ficou pouco tempo em cartaz. A interrupção se deveu à agressão sofrida pelos atores, no Teatro da PUC, em São Paulo, perpetrada pelo autodenominado Comando de Caça aos Comunistas (CCC), grupo paramilitar de extrema direita.
Já Calabar, que Chico Buarque escreveu com Ruy Guerra, em 1973, não chegou a estrear, pois foi censurada. À época, o general de brigada Antônio Bandeira, diretor-geral da Polícia Federal, justificou a interdição ao afirmar que o espetáculo distorcia a história brasileira de luta contra o domínio holandês. A peça contava a saga de Domingos Fernandes Calabar, senhor de engenho que se aliou aos holandeses. Vence na vida quem diz sim foi uma das músicas compostas para a trilha sonora, registrada no LP Chico canta Calabar.
Em compensação, dois anos depois, Gota d’água, escrita a quatro mãos por Chico Buarque e Paulo Pontes, que trazia crítica contundente à desigualdade social, cumpriu longa temporada de sucesso no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro, com atuação arrebatadora de Bibi Ferreira, que deu vida à Joana, moradora de um conjunto habitacional do subúrbio carioca. A peça ganhou montagem também em Brasília, feita por estudantes da Faculdade Dulcina, com direção de Bibi.
Outros musicais com a assinatura do compositor que também obtiveram grande êxito foram A Ópera do malandro (visão irônica de uma parte do país chamado Brasil), encenada entre 1978 e 1979; e Grande circo místico (parceria com Edu Lobo), criado em 2013 para o balé do Teatro Guaíra, de Curitiba. Na trilha sonora, o destaque é Beatriz, uma das mais belas canções brasileiras, interpretada primorosamente por Milton Nascimento.
Assisti a alguns desses espetáculos, além de Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos, que esteve em cartaz no Rio, em 2015, e me deixei levar pela emoção. Sentimento semelhante tive ao ouvir, pela primeira vez, no rádio, em 1984, Vai passar, que prenunciava o fim da ditadura militar e se transformou em símbolo da Nova República. Aquele samba-enredo de Chico, que soava como um alento, mantém-se atualíssimo em tempos tão difíceis como os que enfrentamos agora.