Severino Francisco
Certa vez, eu embarquei em avião no aeroporto de Brasília quando percebi a presença do antigo grupo É o Tchan, que logo instalou a farra baiana. De repente, quem entra na aeronave? Zeca Pagodinho. Todos levaram um susto e um dos integrantes do grupo berrou: “Zeca Pagodinho! Eu te amo demais!” Foi a senha para toda trupe puxar a batucada, em um movimento espontâneo, com direito aos requebros de Carla Perez: “Zeca, descobri que te amo demais…”
Há pessoas que são muito menos do que pretendem com sua pose – e outras que são muito mais do que parecem em sua enganosa displicência. É a essa última categoria que pertence Zeca Pagodinho; ele é muito melhor do que a gente imagina. É uma anticelebridade capaz de comparecer a uma entrevista coletiva de bermudas. Certa vez, entrevistei o Zeca, por telefone e, na segunda pergunta, ele já estava escorregando cheio de manha: “Tá bom, cumpadi?, Já dá para escrever um livro”.
A gente lê os grandes filósofos para se embeber de sabedoria, mas, ao fim, a roda vida nos leva e o que acaba valendo é mesmo a filosofia de botequim do Zeca: “Deixa a vida me levar/Vida leva eu…”
Já gostava muito dele, mas depois da sua intervenção de solidariedade que arrasou Xerém, no Rio de Janeiro, em 2013, resolvi comprar todos os discos do Zeca. Não mandou fazer; meteu o pé na lama, subiu em um quadriciclo, acolheu gente em sua casa e providenciou caminhões de alimento para os desabrigados.
Não consigo separar o autor da obra. Certa vez, entrevistei um famoso compositor, a quem admirava, e, ao fazer-lhe uma pergunta, respondeu de maneira tão tola e reveladora de sua pobreza de espírito que nunca mais botei um CD dele no aparelho de som para tocar.
Zeca é puro samba, cantando, falando e vivendo. Costuma ir à praia e pegar caronas do primeiro que encontra pela frente. Em uma dessas, abordou uma caminhonete que transportava cachorros de madame. O Zeca descia do carro sobraçando os lulus, e as beldades pediam autógrafos: “Não é possível, Zeca Pagodinho! Por favor, assina aqui, Zeca!”.
Nos últimos meses, só toca no som do carro um CD duplo que comprei do Zeca. Tem um pagode impagável, intitulado Me erra: “Vê se te manca/E vai baixar noutro terreiro/Toda vez que tu me encontra/É pra me pedir dinheiro/Já está manjado esse teu jogo de caipira/coloca outro mané/na tua alça de mira/Me chamou de conterrâneo /e eu não sou da sua terra/Acerta outro mané/vê se me erra…”
Em um programa de televisão, Zeca bateu na mesa e declarou que, depois de morrer, não queria ir para o céu e, sim, para o inferno, pois seria um lugar mais divertidos, com seus botecos, boates e inferninhos.
Cumpadi, acho que você está mal informado. No inferno, estão os políticos ineptos que propagam fake news, desviam verbas do saneamento básico, disseminam campanhas negacionistas criminosas da vacina, se envolvem em golpes ou se omitem escandalosamente. Por isso, qualquer chuva vira um deus-nos-acuda e as crianças não procuram mais os postos de saúde para se imunizar da paralisia infantil. Segundo a opinião insuspeita do poeta Dante Alighieri, um especialista nessas regiões tórridas, no inferno, a chapa vai esquentar.
Depois do que fez, o pessoal de Xerém acendeu velas para São Jorge e você está com o passaporte garantido para o céu. Já te viram com um halo em volta da cabeça e alguns passarinhos nos ombros.
Não, o céu não é um lugar chato, não tem música breganeja. Pode ter a certeza de que quando você subir até lá, encontrará Noel Rosa puxando o canto, acompanhado por uma batucada: “Quando eu morrer/Não quero choro nem vela/Quero uma fita amarela/Gravada com o nome dela…” Um brinde aos 40 anos de carreira de Zeca Pagodinho!
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