Waldomiro de Deus tem o instinto da cor, da fantasia, da composição e do movimento. Tudo que ele toca se transforma em poesia. Mesmo quando aborda temas triviais, as suas pinturas irradiam uma alegria de festa popular brasileira, de São João, de estandarte de maracatu, de gravura de cordel ou de cenário de quermesse. O STF está apresentando, até quinta-feira, uma exposição com 38 pinturas de Waldomiro.
Trata-se de uma preciosidade. Waldomiro é um artista da cabeça aos sapatos. Mas nada na vida dele indicava o destino da arte. Nascido na pequenina cidade de Itagibá, no interior da Bahia, com 12 anos fugiu de casa e foi parar no centro da selva selvagem de São Paulo. Errou pelas ruas, sofreu fome e se expôs aos perigos da megalópole. Pediu ajuda e um policial conseguiu uma caixa para que trabalhasse engraxando sapatos.
No entanto, Waldomiro decidiu voltar para o interior e morar no campo. Passou algum tempo em Mato Grosso, mas bateu-lhe outra intuição e retornou para São Paulo. Viu um anúncio de jardineiro, havia plantado feijão e milho na roça. Considerou que poderia se virar na nova função. Todavia,em um lance caprichoso do destino, ele encontrou na casa do patrão pincéis, guache e cartolina.
Para espairecer, começou a pintar nas madrugadas. Ficou tão fascinado pela capacidade de criar cenas, insuflar vida a personagens e imprimir cor, que virava as noites em cima dos desenhos. Claro que a paixão pela arte prejudicou o trabalho. Waldomiro viveu momentos de pânico, pois foi demitido da função de jardineiro. Como sobreviver?
No ápice do desespero, pegou os 40 guaches que havia garatujado e montou uma exposição no Viaduto do Chá. Eram animais, paisagens e cenas da natureza. O talento de Waldomiro logo despertou a atenção dos transeuntes, ele vendeu toda a produção e encontrou uma saída pela arte.
Waldomiro é reconhecido na condição de maior representante da arte naïf brasileira. Expôs em 23 países. Não estudou arte em escolas e nem teve mestres. Mas não parece ingênuo como sugere a palavra de origem francesa naïf. A sua arte tem a inocência da poesia, a inocência de quem lança o primeiro olhar sobre o mundo.
Não fecha os olhos às mazelas e às injustiças da sociedade. A tragédia da inundação em Mariana, provocada pela irresponsabilidade de uma mineradora, é retratada com um tom apocalíptico de cena bíblica. O olhar de Waldomiro é impregnado de compaixão, ternura e devoção.Ele tem uma visão religiosa da vida. Sua pintura é povoada de anjos. Os galhos das árvores são apropriados para tecer uma trama mítica.
Entretanto, ele reserva um olhar de compaixão para personagens cotidianos como é o caso do pai bêbado na rua, sob o título delicado de Pai boêmio. Ou para cenas do trabalho no campo do homem que planta melancias.
As pinturas de Waldomiro compõem um impressionante painel popular da sociedade brasileira: a luta pela sobrevivência, a fé religiosa, o sonho de liberdade e de justiça. Tudo filtrado pelo lirismo, o ritmo, a cor e a alegria. Representa valores de uma brasilidade que está se perdendo e deveria ser cultivada. Waldomiro de Deus pinta com mão de anjo, diria talvez Rubem Braga.
PS: A exposição de Waldomiro de Deus pode ser vista no STF até quinta-feira, de 13h a 19h.
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