Severino Francisco
A amizade entre Madalena Rodrigues e Tancredo Maia Filho surgiu a partir do mistério de um beija-flor. Tancredo é natural do Acre, cresceu inebriado com as cores e o canto dos pássaros da Amazônia. Quando se mudou para Brasília transferiu a paixão para as aves do Cerrado. Ele é um dos criadores e um dos integrantes mais ativos do grupo Observaves, que fotografa os pássaros do nosso território.
Certo dia, ele estava no Parque Olhos d’Água na 413/414 Norte e flagrou um ninho de beija-flores. Naquele preciso instante, Madalena passou pelo lugar e foi convidada a ver o que acontecia. Ela ficou profundamente comovida com a delicadeza do nascimento de um beija-flor. Madalena é jornalista com formação em literatura; e Tancredo é arquiteto. Desse improvável encontro surgiu a amizade a a parceria de um belo livro, Nasce um beija-flor, com texto de Madalena e fotos de Tancredo.
O beija-flor é um pequeno milagre da natureza. Ele muda de cor, dorme em pé nas árvores ou de cabeça para baixo como morcegos, se desloca em voos elétricos, bate as asas até 80 vezes por segundo e tem formato de bico adequado para polinizar cada planta específica . E é isso que o texto de Madalena e as imagens de Tancredo tentam captar.
Madalena conduz a narrativa do ponto de vista de uma câmera, que acelera, desacelera, recorta ou enfatiza. Acompanha os beija-flores desde o momento em que estão imersos no sono, mergulhados na quietação, acumulando energia para a atividade frenética de todos os dias.
A missão de polinizar exige que se alimentem com uma grande quantidade de néctar. Eles comem a cada 15 ou 20 minutos. Mas necessitam também de proteínas, que constituem 10% da dieta. Durante a faina cotidiana, eles enfrentam muitos perigos e brigam bravamente para defender o espaço floral ou aéreo. As aranhas, os pássaros maiores e até os gafanhotos são ameaças que sempre exigem prontidão.
Os namoros dos beija-flores ganham destaque. São seres galantes, sedutores e excessivos no cortejo da desejada. Quando avistam uma fêmea atraente, fazem acrobacias impressionantes e exibem cores iridescentes, nos mostra Madalena. “Imaginamos seu coração acelerado, pulsando quase mil vezes por minuto”.
Depois da conquista, a preparação do ninho é uma verdadeira obra de arquitetura minimalista, construída com pedacinhos de gravetos, folhas, lascas de raízes, fibras de algodão, paina, casulo de insetos e liquens. Não faltam fios roubados de teias de aranha. Vemos os beija-flores lavar-se na chuva em nas pequenas poças, suspensas no ar, depois das chuvas. Ou hipnotizados pela beleza da flor do mulungu.
Nasce um beija-flor é um livro constituído por uma série de crônicas. É, a um só tempo, lírico e científico. Enleva e instrui: “Beija-flores e lobélias guardam um segredo: a curvatura do bico da ave se encaixa com perfeição na curvatura das corolas.”
O livro de Madalena e de Tancredo tem a agilidade, o encanto e a leveza de um voo de beija-flor. Mas não é só de celebração. Alerta para a necessidade urgente de proteger as matas, os rios e as aves. Os beija-flores nos mandam sinais sobre as ameaças que nos assolam.