Vladimir na Paraíba

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Severino Francisco

A última vez em que vi Vladimir Carvalho foi no show de Fausto Nilo, no Clube do Choro, em julho, do ano passado. Entrei na sala apinhada, meio atordoado, e fiz uma varredura errática pela sala, em busca de algum rosto conhecido. De repente, avistei um sujeito fazendo gestos nervosos com os braços levantados enquanto me chamava em tom imperativo paraibano, apontando para uma mesa. “Vai sentar aqui com a gente, cabra!”, ordenava Vladimir Carvalho.

Em um átimo, para minha aflição, Vladimir saiu em desabalada corrida de menino para apanhar uma cadeira para mim, sob meus inúteis protestos, pois, afinal, aquele venerável senhor tinha 93 anos e poderia levar um tombo com consequências funestas. Ele estava acompanhado à mesa por dois dos seus melhores e dos meus melhores amigos, os ex-alunos Gioconda Caputo e Sérgio Moriconi.

Pois bem, Gioconda e Sérgio, com o reforço afetivo da atriz Carmem Moretzshon, foram a João Pessoa, na Paraíba, para conhecer a cidade e para rastrear os vestígios de Vladimir em Jampa, como a chamam carinhosamente os paraibanos de rocha. De lá, enviaram informações e fotos. Em uma delas, Gioconda e Carmem aparecem só com o rosto e o restante do corpo envolto em molde de cangaceiras, empunhando bacamartes.

Os três amigos visitaram a Livraria do Luís e o Café Literário, que existem há mais de 50 anos, muito frequentadas por Vladimir. Aliás, o cineasta gostava muito de marcar encontros nos bares, para conversar, embora dispensasse bebidas alcoólicas, a ponto de ganhar o apelido de boêmio águas de Lindoia. Só bebia água mineral. Não precisava de nenhum aditivo químico, pois era um paraibano pilhado.

Entre as honras que Vladimir recebeu em vida, uma das maiores foi o fato de ter figurado no Musèe de l’homme, de Paris, no qual foram selecionadas as pessoas mais importantes do século 20. O que é revelador da dimensão de relevância de Vladimir para além da fronteira nacional. Radicado em Brasília desde a década de 1970, ele se tornou candango, sem se tornar menos paraibano. Tanto que sempre alternou a realização de documentários sobre o Centro-Oeste e o Nordeste.

Vladimir não foi esquecido na terra natal. O Museu de História da Paraíba escolheu Vladimir na condição de um dos 50 paraibanos mais importantes. Não é pouca coisa. Vladimir está acompanhado por José Lins do Rego, Augusto dos Anjos, José Américo de Almeida, Jackson do Pandeiro, Paulo Pontes, Ariano Suassuna, Sivuca, entre outros.

Alguns desses personagens foram temas dos documentários de Vladimir. É o caso de José Lins do Rego. Vladimir, praticamente, foi alfabetizado com a leitura de Menino de engenho e Doidinho. José Lins é o nosso Proust paraibano em busca do tempo perdido da civilização do açúcar. Vladimir escrevia tão bem quanto filmava e seu estilo rascante ressoava as leituras do romance regionalista nordestino.

E há um aspecto interessante: Vladimir não era, propriamente, cômico, mas apreciava muito o senso de humor. É o que mostra o documentário sobre um dos integrantes da lista dos paraibanos ilustres: Ariano Suassuna. Ele dizia que o herói picaresco, na linhagem de João Grilo, era astucioso, sagaz, quengo (inteligente, na acepção nordestina).

Uma amiga norte-americana de Ariano perguntou se não existiam também mulheres “quengas” da literatura de cordel, a que o dramaturgo respondeu: “Olha, eu acho melhor você esquecer isso, pois pode dar a maior confusão”. As notícias e fotos de João Pessoa suscitaram essas conexões nordestinas de Vladimir que o distinguiram na constelação de paraibanos ilustres. Vladimir está muito bem acompanhado, e os conterrâneos velhos de guerra também.

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