Severino Francisco
O doutor Lucio Costa desenhou os projetos da Rodoviária e da Torre de Televisão, mas a grande obra em Brasília foi planejar a composição do espaço como se fosse um artista plástico que concebesse uma instalação. Como bem disse o poeta Francisco Alvim, Lucio Costa pousou a cidade no Cerrado com a sabedoria de um arquiteto do cosmos.
Dispôs a Praça dos Três Poderes, os edifícios públicos da Esplanada dos Ministérios, a Rodoviária, as superquadras residenciais, as manchas verdes, os vazios, a vegetação áspera e o céu em tensão dramática ou em harmonia musical: “Ao contrário das cidades que se conformam e se ajustam à paisagem, no Cerrado deserto de encontro a um céu imenso, como em pleno mar, a cidade criava a paisagem”, escreveu o urbanista.
Quer dizer, o vazio é um elemento essencial do plano urbanístico de Brasília. É um dos aspectos mais preciosos na cidade e, no entanto, está sob permanente ameaça. A percepção do céu, dos vazios, dos vazados e dos prédios é determinada por essa decisão urbanística.
A escolha de Lucio Costa é de extrema delicadeza. Basta comparar trechos da cidade com o Setor Comercial Norte, o Setor Bancário Sul, o Setor Bancário Norte e o Setor Hoteleiro Sul. Nesses lugares, se perde muito da amplitude do céu, tolhido pelo volume e pela altura dos prédios. Na 402 Norte, isso fica muito evidente com os edifícios do Banco do Brasil, que turvam a visibilidade celeste como se a gente estivesse em uma cidade com a escala convencional. Eles quase que apagaram o céu.
A todo momento, a disputa do poder econômico em detrimento da preservação da qualidade de vida dos brasilienses coloca em risco um aspecto crucial do traçado urbanístico de Brasília, uma cidade tombada como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco.
O vazio brasiliense não é um valor negativo; não se presta a ser inundado de edifícios. É um aspecto crucial do traçado urbanístico de Brasília, que deveria ser prezado e reverenciado.
A princípio, causa estranheza e angústia. Mas, passado o choque inicial, ele se incorpora à percepção como algo sublime. Foi concebido como um valor lírico que permite aos cidadãos a contemplação do espaço durante as 24 horas do dia. Essa é uma das qualidades que conferiu a Brasília o título de patrimônio cultural da humanidade. Foi Lucio Costa que nos colocou pertinho do céu. Atulhar a cidade com prédios significa destruir Brasília no que ela tem de mais singular. O vazio de Brasília é essencial para a respiração da cidade.