Severino Francisco
O episódio da declaração do presidente Lula sobre a guerra de Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza parece aqueles jogos de futebol em que a gente vê uma coisa e os locutores narram outra completamente distinta. As reações mais fortes foram do governo de Israel e de parte da imprensa brasileira. Mas, na histeria, os fatos se perderam ou foram distorcidos. Sou jornalista, gosto de me ater aos fatos. Vamos a eles.
Em entrevista concedida durante a Cúpula da União Africana, Lula afirmou: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus.” Não considero apropriada a associação feita pelo presidente. No entanto, ele não falou em holocausto. Quem propagou essa versão foi Netanyahu.
Quem ameaçou aos radicais palestinos com o holocausto foi o vice-ministro israelense da Defesa, Matan Vinais, no último dia de fevereiro de 2008, quando afirmou à Rádio do Exército que os foguetes lançados a partir de Gaza por radicais palestinos forçariam Israel a responder com uma ‘shoah’ (grande catástrofe, Holocausto) porque, nas palavras da excelência, “usaremos tudo que temos para nos defender”.
Não resta dúvida de que o Hamas é um grupo terrorista que comete atrocidades, a serem recriminadas com toda a veemência. Mas isso não justifica o massacre que Israel desfecha contra inocentes. Israel é um país admirável, no entanto, está claro que o alvo da crítica de Lula não é a nação judia, mas, sim, o governo extremista de Netanyahu.
Na linha do recente discurso do senador Omar Aziz no parlamento do Senado não faz o menor sentido exigir que o presidente Lula peça desculpas pelas declarações sobre a resposta armada de Israel ao ataque terrorista do Hamas. É evidente que Israel transformou o legítimo direito de defesa em uma guerra insana de um dos exércitos mais preparados do mundo contra idosos, mulheres e crianças.
Realmente, durante a pandemia morreram mais de 700 mil brasileiros, em grande parte pela gestão irresponsável do ex-presidente e não se viu comoção à altura da gravidade do fato na maioria da classe política. Não custa lembrar que, para ser realizada a CPI da Covid no Senado foi preciso que os senadores Jorge Kajuru e Alexandro Vieira entrassem com recurso no STF.
É muita pusilanimidade pretender exigir que o presidente da República peça desculpas a um governo de extrema direita. Exigem que Lula faça discursos por escrito, mas dizem besteiras no vídeo, no microfone e no papel. Eu gostaria que as excelências pedissem desculpas ao povo brasileiro pela omissão nas 700 mil mortes durante a pandemia ou pela inação na tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023.
Outra excelência sugeriu a Lula que visitasse o Museu do Holocausto para saber o que foi o nazismo. Bem, seria mais adequado convidar ao ex-presidente inelegível, pois ele recebeu uma representante do nazismo sem que houvesse qualquer reação mais contundente do parlamento.
Alguns comentaristas de política internacional sustentaram que o Brasil ficaria isolado. Em seu discurso, Netanyahu refutou Lula e pediu aos líderes do mundo que se manifestassem. Como disse alguém, os únicos que se manifestaram foram Tábata do Amaral e Luciano Hulk.
O secretario de Estado dos EUA Antony Blinken discordou que esteja ocorrendo um genocídio na Palestina, mas reafirmou que os Estados Unidos e o Brasil são parceiros. “Amigos podem ter discordâncias”. Mas Blinken concorda que a única solução para a estabilidade na região é o reconhecimento do Estado da Palestina e a convivência pacífica com Israel. Quem não aceita essa solução é o governo extremista de Netanyahu.
O chanceler da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve a intenção de fazer uma comparação entre o conflito israelense na Faixa de Gaza e o Holocausto. Parte da imprensa brasileira está brigando com os fatos, com a companhias extremistas de direita que cultivam as fake news, a ignorância e o ódio. Preocupam-se muito mais com a frase inapropriada do Lula do que com o genocídio de mais de 30 mil palestinos.
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