Tolices neutras

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Felizmente, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de que instituiu a a política da linguagem simples e, por meio de emenda da oposição, estabeleceu a proibição da linguagem neutra nas comunicações entre órgãos e entidades da administração pública. Sim, são os tais “todes”, “amigues”, “querides” e “nervose”, as chamadas flexões de gênero.

Eu considero a medida extremamente sensata. Isso é uma bobagem importada dos Estados Unidos, como tantas outras, sem mediação crítica, que só se presta a fornecer munição para a extrema direita tumultuar o debate público sobre as questões realmente relevantes para o país. Enquanto esse quiprocó ocupa o espaço, as mudanças climáticas, o racismo, a violência, a segurança pública, a marco temporal e a PEC do veneno são rebaixadas a um segundo plano.

Reconheço que o politicamente correto contribuiu, em certa medida, para civilizar a linguagem cotidiana, eivada de racismo, preconceitos e imagens depreciativas do outro. No entanto, quando levada a extremos, pode chegar às raias do ridículo. Praticamente alfabetizei os meus filhos com os livros de Ruth Rocha, escritora de literatura infantojuvenil, que nos brinda com o talento, a imaginação e a inteligência.

Em seus livros, ela espicaça, com muito humor, os reizinhos mandões, os idiotas sentados em um barril de pólvora atômica nas guerras, os preconceituosos, os agentes de discriminação de raça, o viralatismo de reverenciar mecanicamente a cultura estrangeira sem crivo crítico e os meninos egoístas donos da bola que querem brincar sozinhos.

Pois bem, com uma obra fundada nestes valores, ela é insuspeita para criticar os exageros do politicamente correto. Ruth disse que queriam impor a ela que chamasse aos anões de “pessoa verticalmente prejudicada”. No afã se se alinhar aos modismos, as pessoas perdem o senso do grotesco.

A ministra da Igualdade Racial Anielle Franco afirmou, recentemente, em entrevista, que o termo “buraco negro” era racista. Ora, a observação é inteiramente infundada, trata-se de um conceito da física que analisa fenômenos da astronomia. Nem a ministra do Meio Ambiente, a admirável Marina Silva, escapou da armadilha. Em audiência na Câmara dos Deputados, pediu cuidado com o suposto teor racista da expressão “caixa preta”.

Essa pendenga sobre questiúnculas do politicamente correto só interessa à extrema direita, que vive de fazer muito barulho sobre nada. As polêmicas vazias alçam pessoas totalmente desqualificadas ao primeiro plano da cena política, principalmente na era da internet, na qual a asnice e os asnáticos ganham protagonismo.

É só examinar a lista de algumas das excelências mais votadas nas principais cidades do país, incluindo Brasília, para constatar a degradação da classe política e do eleitor. Basta ser idiota para correr o risco de ser eleito.

A qualidade do parlamento se deteriora a cada eleição. E esses modismos só alimentam a sanha dos extremistas. Parece-me que a oposição da Câmara contribuiu, involuntariamente, para varrer uma uma tolice do caminho e talvez abrir mais espaço a questões efetivamente relevantes para o país.

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