Severino Francisco
Quando estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde se formou em 1952, Sérgio Rodrigues percebeu que, embora a arquitetura brasileira moderna fosse apreciada no mundo, não existia um mobiliário compatível com a sua qualidade. E nem bibliografia adequada. Por isso, na base autodidata, ele começou a pesquisar a arquitetura colonial e a tradição indígena em museus históricos.
Certa vez, Sérgio perguntou a Lucio Costa: “Professor, eu acho que a arquitetura sem o complemento interno, sem o acabamento interno, sem a ambientação interna, sem o mobiliário adequado, a arquitetura não é arquitetura”. O doutor Lucio concordou: “É isso mesmo, uma casa vazia é um arcabouço, não é arquitetura, digo arquitetura completa, porque é preciso mostrar aquilo funcionando, com mesas, sofás e cadeiras”.
Os móveis criados por Sérgio Rodrigues, sobrinho de Nelson Rodrigues, para prédios e monumentos, figuram entre as maiores preciosidades de Brasília. Falo de cátedra, pois assisti a muitos filmes nas poltronas que ele desenhou para o Cine Brasília e me deixavam com a sensação de estar sentado nas nuvens. Eram tão boas e confortáveis que me fizeram dormir diversas vezes e perder parte do filme. Além do Cine Brasília, Sérgio deixou a marca do seu talento no Palácio da Alvorada, no Itamaraty, no Teatro Nacional e na Universidade de Brasília e no Iate Clube, entre outros. A maioria a pedido de Oscar Niemeyer.
De maneira semelhante ao que ocorreu com Athos Bulcão e Marianne Perretti, guardadas as devidas proporções, a carreira de Sérgio, o mais importante designer de móveis do Brasil e um dos mais conceituados do mundo, ganhou impulso com os móveis que criou para as obras arquitetônicas de Brasília. São peças robustas, ergonômicas e belas.
A coluna Capital S/A informa que o secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, está com um problemão nas mãos. Sob a alegação de que não atendiam aos requisitos de segurança e de acessibilidade, as cadeiras do Cine Brasília foram substituídas durante uma reforma realizado no governo de Agnelo Queiroz. Essas 700 cadeiras estão abrigadas em um depósito do Teatro Nacional.
A Secretaria de Cultura está realizando uma reforma na Sala Martins Pena. Com isso, mais 400 cadeiras serão retiradas, somando 1.100 móveis. Quando chegar a vez da Villa Lobos, serão cerca de 2 mil. Segundo os técnicos da Secretaria, restaurar as cadeiras uma a uma não funcionaria porque continuariam sem condições de atender, além de se transformar num trabalho caríssimo e sabe-se até quando iria, informa a coluna Capital S/A.
As cadeiras são consideradas inflamáveis e, portanto, inadequadas do ponto de vista da segurança. O secretário de Cultura Bartolomeu Rodrigues quer abrir um debate sobre o destino dos móveis, que talvez poderiam ser leiloados ou doados a museus. Bem, parece-me que o tamanho do problema decorre de um erro fundamental, que precisa ser reparado: na primeira reforma, o Instituto Sérgio Rodrigues deveria ter sido consultado.
Como alguns arquitetos sugeriram, o Instituto poderia adequar as cadeiras às normas de acessibilidade e de segurança, mantendo o design de Sérgio Rodrigues. E vale o mesmo para as salas Martins Pena e Villa-Lobos.
É possível alegar falta dinheiro e que essa reforma consumiria muito tempo. A argumentação não se sustenta quando sabemos que sobra grana para construir viadutos ou museus da Bíblia, questionáveis sob vários aspectos. Essa é uma grande oportunidade de reparar o erro cometido no Cine Brasília e honrar a condição de Brasília como patrimônio cultural da humanidade, principalmente depois da invasão da horda de bárbaros para depredar os monumentos da democracia na capital.