Severino Francisco
Maria Cobogó é um coletivo de mulheres de diversas idades, elegantes, bravas, generosas, delicadas e inflamáveis. Elas sabem fazer as coisas acontecerem. Quando lançam livros no Beirute, costuma faltar quibe. Em quatro anos de existência, lançaram mais de 20 obras, que revelaram ficcionistas e poetas da cidade.
Duas produções foram reconhecidas como finalistas do Prêmio Jabuti: o projeto Calango Leitor, de estímulo à leitura nas escolas, coordenado por Claudine Duarte, em 2018, e o livro Fios, de Christine Nóbrega, destinado especialmente ao público infantojuvenil.
Os livros da Maria Cobogó são marcados pelo capricho, o esmero e o requinte gráfico. Quem cuida da edição, com olhar de arte, é a arquiteta, escritora e diretora de teatro Claudine Duarte. Mas em Francisco, ficção infantojuvenil, a escritora ocupa o primeiro plano.
Na página de abertura da ficção Francisco, Claudine Duarte faz uma dedicatória a todos os leitores: “inventado ou não, ao Francisco de cada um”. E, de fato, embora seja, em princípio, dirigido ao público infantojuvenil, como ocorre com todos os textos literários de qualidade, pode ser lido por leitores de todas as idades.
No caso, o Chico em questão é o santo Francisco de Assis, atualizado em uma fábula urbana, situada no cenário de Brasília. Certo dia, em plena capital dos engravatados, Francisco tem um estalo e resolve despir-se inteiramente de qualquer roupa e inicia uma errância pela cidade espacial, acompanhado apenas por um cão vira-lata. “Caminhavam lado a lado. Inteiros e em silêncio, como é próprio dos homens e dos cães. Segundo relatos foram vistos na avenida principal. Traçavam linhas paralelas com passos calmos e ritmados”.
É com mão de escritora e olhar de arquiteta que Claudine compõe o livro em parceria afinada com as belas ilustrações de Carmem San Thiago. Nos convidam a um passeio pelas paradas de ônibus, as casas das cidades da periferia, os carrinhos de pipoca na Praça dos Três Poderes, as pombas do Espírito Santo, os palácios com a guarda de prontidão, os personagens à margem do teatro do poder e a plataforma da Rodoviária sob o fundo espacial do crepúsculo brasiliense.
“Despido do que não era, levou consigo só o que importa”, diz o narrador de Francisco. A trama de ficção de Claudine é uma fábula sem moral. Mas o texto é pontilhado sugestões poéticas e de ironias às excelências que reinam no mundo artificial, inessencial e falso do poder. “Não é da natureza dos governos admitirem homens nus em suas hostes. Nos palácios, são expressamente determinados os ternos e seus acessórios, incluindo gravatas e inverdades”. Francisco mobiliza o espírito da utopia contra a distopia, da essencialidade contra a artificialidade, da poesia contra a burocracia. Realmente, atiça o São Francisco que cada um traz dentro de si.
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