Vi em imagem tremida, captada por um celular de minha filha, professora da rede pública do DF, uma festa antecipada do Dia das Crianças em uma cidade da periferia. Como é fácil fazer uma criança feliz. É só juntá-la com outras, distribuir balinhas, colocar alguma música e deixar que se espalhem no pátio.
Que alegria gratuita! Em um átimo, transformaram o pátio em um parque de diversões. Misturavam-se em uma grande algazarra crianças negras, brancas, loiras e mulatas. Só depois é que aprendem a discriminar os outros pela cor, porque são pobres ou não usam um tênis de marca. A partir da imagem do celular, resolvi fazer uma oração para São Cosme e São Damião, os santos protetores das crianças, atualizando uma célebre crônica de Rubem Braga para o mundo da idade mídia virtual.
“São Cosme e São Damião, em primeiro lugar, protegei os meninos e meninas dos que só querem dispensar atenção a eles no Dia das Crianças e viver com boa consciência no restante do ano, pois é sabido que precisam de cuidados todos os dias.
Protegei as crianças que reviram os detritos nos lixões da Estrutural e da Ceilândia, disputando comida com os urubus, mas também os meninos dos bairros , pois o dinheiro não compra tudo. Protegei os meninos pobres e os ricos do lixo comercial, industrial, tecnológico e virtual.
Ó São Cosme e São Damião, protegei as crianças do tráfico e drogas e do tráfico de asneiras midiáticas. Protegei as que não têm brinquedos e as que ganharam brinquedos importados que brincam sozinhos sem precisar de crianças. Protegei as crianças dos pais separados e as dos pais que não se separam, mas dizem e fazem coisas piores que as dos pais separados.
Protegei os meninos e as meninas da gripe suína, da dengue, da catapora, do zica vírus, das balas perdidas, do funk carioca, do sertanejo universitário e do Big Brother Brasil. Velai pelos mirradinhos que não têm nada para comer e pelos que, tendo demais, ficam obesos.
Crédito: Mila Petrillo/Projeto Tapera das Artes, Ceará
Ó São Cosme, ó São Damião, livrai as crianças das reformas de ensino concebidas pelo Alexandre Frota. Protegei da competência da publicidade, que induz algumas a roubarem tênis de marca das outras. Iluminai a cabecinha delas para que percebam que tênis é um sapato de borracha que produz muito chulé.
Protegei os meninos e meninas dos pais covardes, que bebem e ficam valentes. Velai pelos que são órfãos de fato ou são órfãos de pais vivos. Protegei os filhos dos pobres e os filhos dos pobres de espírito. Ó São Cosme, ó São Damião, protegei os meninos de Brasília e do Brasil.”
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