Severino Francisco
Se você precisa receber um jato de alegria, de humor, de eletricidade, de lirismo e de energia, não pode deixar de ver a remontagem de Os saltimbancos, com a Agrupação Teatral Amacaca, sob a direção de Hugo Rodas, o nosso bruxo emérito do teatro, em cartaz no CCBB até agosto.
Como diz um texto de apresentação da trupe Amacaca, ele é o nosso guru das artes do movimento, que é o músculo onde funda o seu discurso poético e é o que o espectador deve apreciar. E, de fato, Hugo só acredita nos deuses que saibam dançar.
O som vem de longe. Mas logo a algaravia toma conta do espaço e dos corpos. A trupe dionisíaca da Agrupação Teatral Amacaca arma a sua investida: “A sua orquestra/É uma festa/Que vem chegando saltimbanca/pra encantar os corações/Guerreiros da beleza e da alegria/Ô bate palma pra saudar a companhia.”
É um time que não joga para zero a zero. Atua sempre no ataque. Ataque de humor, de lirismo, de humanismo, de ritmo e de graça. Tudo transcorre com grande vigor, dinamismo e intensidade. Eles são os próprios saltimbancos candangos. Orquestra que dança, dançarinos que contam histórias, atores que fazem acrobacias, contadores de histórias que cantam.
A nova montagem celebra 80 anos de Hugo e 42 de uma das mais memoráveis encenações do teatro brasiliense. As filas dobravam a esquina, tinha gente até no lustre, diria Nelson Rodrigues. A peça, animada pelo grupo Pitú, ficou três anos em cartaz, rodou o Brasil e ganhou o prêmio de Melhor Espetáculo Infantil em 1977 no país.
Antes de brasileiro, o uruguaio Hugo Rodas se considera candango. Não se trata de uma formalidade. Ele se tornou um dos maiores diretores do teatro brasileiro ao fazer da cidade o campo das suas experimentações estéticas. É um bruxo emérito que mistura todas as linguagens no caldeirão e arranca a alegria das situações mais difíceis.
O que impressiona na trupe Agrupação Teatral Amacaca é a força com que cada integrante toma a cena. Ninguém entra com energia meia-boca. Entra com toda força corporal e anímica para atropelar a indiferença, a insensibilidade, o tédio e a tristeza. Em cada ator/bailarino/músico transpira uma fé inquebrantável no teatro e na arte, capaz de mover montanhas de desesperança.
É o sopro ou o berro do mestre dionisíaco Hugo Rodas. Tem 80 anos, mas é um adolescente nato, diante dele, todos são caretas. Ele utiliza a peça Os saltimbancos para propor um ritual de comunhão para todas as idades. Construiu um espetáculo para nos lembrar que somos animais alegres, animais imaginosos, animais brincantes. Não importa o que acontecer, todos juntos somos fortes.
Entrei uma pessoa e sai outra depois do espetáculo, revivescido, reenergizado e revitalizado. Os saltimbancos é um espetáculo que renova a nossa fé na arte, na solidariedade e no humano. É só a arte que nos salva. Hugo fez aniversário, mas foi ele quem, generosamente, nos ofereceu um maravilhoso presente. Não bebo nada de álcool, no entanto, sai do teatro meio alterado, com a sensação de ter tomado um bom vinho. Evoé, Hugo Rodas, evoé, Amacaca!
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