Severino Francisco
Em 2015, a mineira Bruna Evangelista começou do zero um empreendimento quixotesco: com a cara e a coragem, criou a Gymnart, uma escola de ginástica rítmica em uma das salas de uma igreja do Jardim Botânico. No início, só tinha duas alunas. Mas, aos poucos, graças à informação boca a boca dos pais e avós das crianças, a Gimnart atraiu uma legião de novas alunas mirins. E uma delas foi a minha neta Aurora, então com 4 anos, que passou a fazer ginástica rítmica em 2017.
Desde pequena, observei que Aurora caminhava com graça natural, parecia mover-se com passos de bailarina. Então, a minha filha a colocou na escolinha da Bruna. No início, Aurora enfrentou dificuldades. No entanto, graças à tenacidade, o rigor, o incentivo e o carinho da mestra, ela conquistou concentração, disciplina, domínio do corpo e confiança. Participou de diversas apresentações públicas, com segurança e desenvoltura.
Pouco tempo depois, aproveitei o contato com a dança e li para Aurora o lindo poema A bailarina, de Cecília Meireles, para estabelecer a conexão coma poesia: “Esta menina/tão pequenina/quer ser bailarina./Não conhece nem dó nem ré/mas sabe ficar na ponta do pé./Não conhece mi nem fá/mas inclina o corpo para cá e para lá/não conhece nem lá nem si,/mas fecha os olhos e sorri.”
Ao ouvir os primeiros versos do poema, logo Aurora pediu que eu continuasse porque ela queria inventar uma coreografia para o texto de Cecília. Já era uma influencia direta da professora Bruna. É algo inusitado dançar com palavras, mas, na verdade, ela percebeu que a poesia de Cecília tem uma música interna: “Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar/e não fica tonta nem sai do lugar./Põe no cabelo uma estrela e um véu/e diz que caiu do céu.
Ela improvisava passos de dança para acompanhar o ritmo de Cecília.”Esta menina/tão pequenina/quer ser bailarina./Mas depois esquece todas as danças,/e também quer dormir como as outras crianças.”
Bruna começou a dançar ginástica rítmica, tardiamente, para a modalidade, aos 25 anos. Mesmo assim, conquistou vários títulos na cidade. E ela aplicou a tenacidade, a disciplina e a competividade ao projeto de educação no sentido da superação dos limites. Com isso, buscava sempre extrair o melhor de cada aluna.
Paulatinamente, as crianças experimentavam a força de dominar o corpo, a graça de dançar com elegância e a alegria do movimento ritmado. Tudo conseguido com esforço, treinamento, disciplina, suor e foco. E o importante é que elas levavam essas qualidades para a vida. Bruna tem um raro talento de educadora. Pela Gymnart passaram mais de 300 meninas.
Mas, há duas semanas, ficamos em estado choque quando Bruna leu, comovida, um texto em que anunciava o fim de um ciclo: “A gente passa pelos lugares e leva um pedacinho das pessoas de quem gostamos”. No entanto, logo entendemos as razões dela e a necessidade de alçar novos voos. Sempre ciosa, ela partiu, mas delegou a responsabilidade de ensinar ginástica rítmica para outro grupo de professoras de sua confiança.
Ela fez a diferença na vida de muitas meninas. E, por isso, sempre será lembrada com reconhecimento e carinho. Muitas e muitos choraram (ou se seguraram para não chorar) as tais lágrimas de esguicho de que falava Nelson Rodrigues. Lágrimas da mais pura gratidão. Que Bruna seja feliz nesta nova jornada da vida.

