Respeito a Dulcina

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Na morte de Dulcina de Moraes, em 28 de agosto de 1995, Marília Pera foi uma das poucas artistas do Rio que veio a Brasília para ver aquela a quem chamava de “minha mãe teatral”. Marília estava acompanhada de Nicete Bruno, Paulo Goulart e Bibi Ferreira. Aquele mulher extraordinária não poderia morrer esquecida, morando de favor e recebendo três salários mínimos, entendia Marília.

Em 2008, Marília Pera veio a Brasília para falar aos estudantes da Faculdade Dulcina de Moraes sobre a relevância da atriz, educadora, líder e empresária do teatro. Sempre sentiu prazer em evocar Dulcina. Era como se fosse uma missão reavivá-la. Os pais de Marília eram atores e viviam na companhia de teatro de Dulcina. Desde muito nova, Marília a via atuando no palco e dirigindo peças. A acompanhou milhares de vezes.

Havia uma peça chamada Doce inimiga, na qual Dulcina saía de cena e vestia um bolerinho. De vez em quando, Marília o pegava da mão do camareiro e ia vesti-lo, ela era muito perfumada. Mais tarde, Marília contracenou com Dulcina na peça Ópera dos três vinténs, de Brecht. Dulcina interpretava a personagem Jane Espelunca, e Marília, Polly Peanchum.

Por isso, Marília confessava que sempre se inspirou em Dulcina para compor as personagens que encenou no teatro, na televisão ou no cinema. Em sua visão, o humor escrachado de Regina Casé, por exemplo, teve origem em Dercy Gonçalves. Mas Marília se filiava mais ao humor de Dulcina, um humor mais sutil, delicado, perfumado, com segundas e terceiras intenções. Quase nunca caía no escracho.

Marília sempre gostava de exagerar no vermelho ou nos óculos enormes pensando na mestra. Ouvia dos autores que Dulcina não era bonita, mas ficava bonita quando subia ao palco.”Sempre vi Dulcina bela, um ator ou uma atriz sempre podem ser belíssimos, se eles quiserem. Sempre aprendi com ela. Os meus olhos de criança sempre viram Dulcina belíssima, uma fada mesmo. Se tiver alguma atitude de paixão, de fé, você é bonita. Ouço dizer que estou mais bonita do que antigamente. Eu digo que serei ainda mais bonita e as pessoas acreditam”.

Em 1972, aos 64 anos, trocou a comodidade de uma cidade quatrocentona pela aventura da poeira de uma Brasília nascente. Começaria tudo do zero. Nunca se arrependeu.

Em entrevista a Sérgio Viotti, autor de biografia sobre a dama do teatro, Dulcina afirma, com todas as letras: “Eu amo Brasília. Amo. Quando volto pro Rio eu me sinto tão…tão… Tão – perdida. Tão fora de casa. Eu sinto falta destas larguezas. Desta amplitude. O Rio não era assim. Ficou sufocante. Aqui, eu respiro! Eu me sinto tão bem aqui! Eu me sinto livre! A minha quadra é das mais bem arborizadas”.

Na segunda-feira, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal revalidou o tombamento do Teatro Dulcina de Moraes e dos acervos da atriz, além de inscrever o ideário de Dulcina de Moraes no Ensino e no Fazer Teatral Brasileiro no Livro dos Saberes, reconhecendo-o como Patrimônio Imaterial do Distrito Federal. Foi um ato importante, mas é preciso mais. É necessário desatar os nós, responsabilizar os que cometeram irregularidades, sanear as dívidas e criar um projeto sustentável para as atividades da Faculdade e do teatro. Isso seria respeitar a memória de Dulcina de Moraes.

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