Profissão livreiro

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Severino Francisco

“Alô, aqui é o Ivan. Estou com o Saramago aqui no aeroporto, se tiver espaço, estou indo com ele direto para a redação”. Do outro lado da linha quem falava era o livreiro Ivan Silva, o Ivan da Presença. Se confundiu e se fundiu tanto com a livraria que passou a ser chamado simplesmente de Ivan Presença. É um grande personagem da vida cultural de Brasília.

Ivan é o carioca despachado, sem burocracia, falante, informal, que resolve tudo na hora: “Alô, aqui é o Ivan. Estou no Aeroporto com o José Simão. Se vocês tiveram espaço, vamos direto daqui para a redação”. E, 10 minutos depois, o macaco Simão estava na redação se apresentando: “Muito prazer, Severino Xique Xique”. E eu para o macaco: “Te arrespeita, macaco abusado”. O macaco se desmanchava de rir: “Rarara!!!”

Ivan figura na galeria daqueles personagens de Brasília em busca de um autor para fazer um filme à altura de sua importância. E ele encontrou. Pedro Lacerda apresentou na Mostra Brasília do festival Profissão livreiro, centrado nas trajetórias de Ivan e do Chiquinho da UnB. São histórias ainda mais pungentes porque representativas das desigualdades sociais brasileiras. Nenhum dos dois posa de intelectual e nada indicava que pudessem se tornar amantes dos livros.

Ivan era office boy no Rio de Janeiro e começou a se interessar pelo mundo editorial colecionando gibis; e Chiquinho entrou em contato com o mundo das palavras vendendo o Correio Braziliense nas superquadras de Brasília. A Livraria Presença era uma empresa comercial, mas a paixão de Ivan pelos livros a transformou, ao mesmo tempo, em uma instituição cultural brasiliense.

Lá, quem amava os livros ou tinha algum projeto cultural sempre era acolhido pelo afeto, a generosidade e o carisma do Ivan. Ferreira Gullar, Henfil, José Saramago, Paulo Leminski, Hilda Hilst e Rubem Braga participarão de sessões de autógrafos na Presença.

Na verdade, o filme tem dois planos e dois dramas que se entrelaçam nas histórias dos dois livreiros: o humano e o cultural. O documentário expõe os dilemas e os desafios da transição do livro do papel impresso da era de Gutemberg para o livro da era virtual.

Cristovam Buarque conta que, ao pedirem indicações de escolas para os filhos, ele faz a seguinte recomendação: escolham as que conseguem fazer com que as crianças leiam o maior número de livros. A nossa Dad Squarisi vaticina que, no futuro, o livro físico tal como conhecemos sobreviverá apenas nas edições de arte.

O livro para leitura deverá ser virtual. Mas não importa se no tablet ou no celular, será imprescindível a ação de educadores ou animadores, como são os livreiros, para despertar a paixão pelas obras.

Ao assistirmos as histórias de Ivan e de Chiquinho nós choramos as tais lágrimas de esguicho de que falava Nelson Rodrigues. Profissão livreiro é um documentário clássico, não se propõe a inovar a linguagem, mas tem o mérito de evocar as histórias de personagens brasilienses de maneira comovente e de inseri-las em um valioso debate sobre o futuro do livro, da educação e da cultura.

Ivan e Chiquinho são personagens que se situam no limiar de um mundo que se desfaz e de outro que desconhecemos ou ainda não fomos capazes de criar.

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