Severino Francisco
Que me desculpe os entendidos, mas darei também as minhas caneladas no futebol. Antes da final do mundial de clubes entre Fluminense e Manchester City, eu falei para um amigo: escute o que vai ocorrer. O Manchester vai sufocar o Flu nos primeiros minutos, os tricolores sairão jogando perigosamente na proximidade da área, a bola será roubada e tomarão um gol logo no início.
Eu devia ter escrito neste alto de página ou talvez registrado a declaração com firma reconhecida no cartório. Não precisava ser profeta. Como bem disse Nelson Rodrigues, profeta é o cara que descobre o óbvio. Claro que sempre pode acontecer coisas imprevisíveis em um jogo de futebol e todos correm o risco de queimar a língua.
Mas, infelizmente, a lógica se confirmou. Com menos de um minuto, o Manchester surrupiou o passe errado de Marcelo e fez 1×0 contra o Flu. Vejam o caso de Gérson, o canhotinha de ouro da Seleção Brasileira. Ele foi um dos melhores meio-campistas do futebol brasileiro e talvez mundial. Atuava como se fosse um segundo técnico dentro de campo, no calor da hora, tinha uma visão do jogo excepcional, sabia a hora de segurar a bola e de fazer lançamentos.
Na Copa de 1970, deu passes espetaculares de 40 ou 50 metros, a bola viajava na extratosfera e caia no peito de Pelé ou Jairzinho na cara a cara com o goleiro adversário. O domínio de bola do Gérson valia o preço de um novo ingresso. Muitas vezes, a bola chegava quadrada, ele aparava no peito, a pelota escorria no corpo e morria na ponta da chuteira.
No entanto, quando percebia que a defesa estava desarmada ou o perigo ameaçava, Gérson dava um tremendo bico para fora do estádio. Bola pro mato que o jogo é de campeonato. Bem sei que desde aqueles tempos o futebol mudou muito, mas a lição do mestre permanece válida. Em vez disso, Fernando Diniz armou o Fluminense para jogar de igual para igual com o Manchester City.
Claro que não daria certo. Ao longo da história do futebol, já assistimos times inferiores vencerem os melhores. Mas, para isso, é preciso uma estratégia. Diniz não pretendia vencer; queria apenas mostrar para o mundo o dinizismo. Não jogou com a gana de campeão, disputando todas bolas ou chutando para a arquibancada quando a situação exigia.
Diniz fez um belo trabalho no Fluminense, restaurou a confiança e extraiu o melhor de Ganso, Cano, Julian Arias, John Kennedy, entre outros. Conseguiu ganhar a Libertadores com um time desacreditado. Mas, com o Manchester, a história era outra. O time inglês tinha muito mais técnica, força física e coletiva.
Perdia a bola e logo se reposicionava para recuperar sem oferecer espaços. Jogava e não deixava jogar. Jogava e deixava um aperto de futebol de salão para o adversário. O equívoco de Diniz é que ele só sabe jogar de uma maneira. A única chance de vitória que teria era a de forjar uma armadilha para neutralizar e, quem sabe, superar o oponente mais forte. O futebol narrado e eternizado nas crônicas de Nelson Rodrigues não existe mais.
Antigamente, todos os erros abissais fora de campo eram resolvidos pela improvisação e pelo talento dos craques brasileiros. Agora, isso não é mais suficiente. Os europeus contrataram os melhores jogadores do mundo e estabeleceram uma nova cultura do esporte. E o Brasil terá de mudar muito para retomar a sua identidade e rivalizar com o futebol europeu.
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