Severino Francisco
O traçado urbanístico de Brasília é coletivista, democrático e comunitário. É uma capital onde você pode colher manga, pitangas, amoras, jacas ou abacates nas superquadras ou nos eixos. Além disso, Lucio Costa previu muitos espaços para o lazer da população. No entanto, a cidade tem se mostrado, paulatinamente, cada vez mais hostil e intolerante com o patrimônio público comum a todos os brasilienses.
Nesta semana, vimos o caso de uma banhista impedida de tomar sol em um deck por um morador de uma casa na orla do Lago Paranoá. Ela era uma pedagoga, mas parecia uma advogada, gravou todo o diálogo com o morador de maneira a não deixar dúvidas sobre o caráter da intimidação e a presunção de ser dono de um espaço público. “Porque eu acho um abuso você entrar na propriedade dos outros e entrar, sem nem pedir”.
O próprio Instituto Brasília Ambiental (Ibram) esclareceu que o referido deck não é propriedade do morador. Foi construído antes da desocupação da orla e não precisa ser retirado, uma vez que não é mais do morador que o ergueu e se tornou patrimônio público.
Para quem não se lembra, por decisão da Justiça entre 2015 e 2017, a orla do Lago Paranoá foi desobstruída, não cabendo mais recurso. Com isso, o GDF foi condenado a remover todas as construções a menos de 30 metros das margens sul e norte do lago. A decisão transformou toda a orla em área de proteção permanente, com livre acesso à população.
Foi uma decisão acertada do governo de Rodrigo Rollemberg, em sintonia com o plano urbanístico de Lucio Costa. Ele queria evitar bairros residenciais na orla do lago, que ele chamava de lagoa, ” a fim de preservá-la intacta, tratada com bosques e campos de feição naturalista e rústica para os passeios e amenidades bucólicas de toda a população urbana. Apenas os clubes esportivos, os restaurantes, os lugares de recreio, os balneários e núcleos de pesca poderão chegar à beira d’água.”
Mas não é só à flor d’água que o espaço público está sendo apropriado pelo privado. Um amigo e ex-aluno, morador do Plano Piloto, saiu, acompanhado pelos dois filhos e pela sogra de 70 anos, em busca de mamões verdes para fazer um doce. Arrumaram uma vara emprestada para ajudar na colheita e caminharam entre becos floridos da Asa Norte. Começaram colhendo jenipapo e pinha.
Andaram sem pressa para apreciar as flores, as mangueiras, os abacateiros e as paineiras. Eis que avistaram um mamoeiro com frutos verdes de bom tamanho. Se aproximaram, mas, de repente, abriu-se o portão de uma casa e um homem esbravejou: “Você plantou esse mamão, você cuida dele?” E continuou: “Você está cometendo um crime”. Questionado, não soube dizer qual era a lei que tipificava o delito.
Em tom raivoso, o homem disse que o mamão era dele tudo estava sendo filmado. A família teve de procurar outro mamoeiro sem dono para colher o fruto a ser usado no doce. São dois exemplos de apropriação indébita do espaço público pelo privado. Querem surrupiar o que a cidade tem de melhor, mais democrático e singular.
Os dois episódios revelam que é preciso uma campanha de educação para que os brasilienses possam se conscientizar da singularidade da escala bucólica da cidade e de como usufruí-la. Precisam passear aos domingos no Eixão do Lazer para aprender o verdadeiro espírito comunitário que inspirou e rege o que há de melhor em Brasília.
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