Presença de Gougon

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

“Morreu o Gougon”, recebi a mensagem de uma amiga. E eu comecei a me lembrar da figura sempre elegante e bem-humorada. Misturava, naturalmente, jornalismo político e charge. Brasília costuma ser, para a maioria, uma cidade partida. Mas Gougon transitava pelos dois lados: a Brasília do poder e a Brasília gregária.

Participava, ativamente, do cotidiano e dos movimentos culturais da cidade. Transitava, mas não vivia encerrado na bolha do poder. Ele concebeu intervenções poéticas muito pertinentes nas paradas de ônibus com placas-totens. Era algo que se integrava perfeitamente ao desenho urbanístico do Plano Piloto, sempre com poetas brasilienses.

Gougon incorporou a milenar arte do mosaico ao cotidiano de Brasília, mesmo enfrentando muita incompreensão. Na 509 Sul e 510 Sul, fez intervenções de poesia nas paradas de ônibus. Mas as placas-totens com textos de poetas brasilienses, criadas por Gougon, instaladas próximo a paradas de ônibus da W3 Sul, foram destruídas a golpes de marreta pelos funcionários do projeto Cidade Limpa. Segundo o GDF, na época, eles confundiram poluição visual com intervenção artística. É perigoso despoluir a paisagem com esse método.

O melhor de tudo foi a reação inventiva, imaginativa e bem-humorada de Gougon e dos poetas que, com os tótens derrubados, resolveram plantar poesia com cimento no chão, honrando o nome Loucos de pedra: “É impossível derrubar o chão. Do chão, a gente não passa”, alardeava o poeta Nicolas Behr no megafone.

Na Biblioteca Demonstrativa da 507 Sul, atual Biblioteca Maria da Conceição, utilizou as paredes laterais para inscrever poemas de Francisco Alvim, Carlos Henrique, Ana Maria Lopes, Nicolas Behr, Angélica Torres, Cassiano Nunes e Climério.

As intervenções de Gougon, transformando poemas em totens, estavam em plena sintonia com o espírito público, o caráter escultural, a signagem estética (SQS, SQN, W-3, SIG), a dimensão espacial e concreta de Brasília, concebidas por artistas do porte de Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Athos Bulcão.

Quem passava por aquele território avistava os sinais da poesia, concebida precisamente para uma leitura e apreensão rápida do passante. Muita gente sente falta daquela experiência cotidiana de lirismo no meio do frenesi da cidade. No entanto, durante o governo Bolsonaro, novamente os painéis foram retirados para uma reforma da Biblioteca. E cabe a pergunta: onde eles estão?

Gougon compôs também mosaicos de JK, Honestino Guimarães, Paulo Freire, Ary Pararrayos, Burle Marx, entre outros. O humor das charges políticas está registrado nos livros Que país é este e Dosimetria das penas. Lembro que ele gostava de desenhar personagens que se distinguiam pelas casacas.

Conheci Gougon de longe, de passagem, em breves encontros nas redações dos jornais, pelas intervenções poéticas nas ruas e pelas charges. Mas guardo uma lembrança de que a sua presença era sempre de leveza, inteligência, crítica, elegância e bom humor.

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