Severino Francisco
Neste início de semana, perdemos o cineasta e roteirista Pedro Anísio, paraense, 69 anos, que era, a um só tempo, um contestador nervoso, inquieto e incisivo, mas simpático, educado e elegante. Ao lado de Marcelo Coutinho e João Facó (filho do escritor e deputado Ruy Facó, autor de Cangaceiros e fanáticos) formou o trio de mosqueteiros anárquicos que animou o cinema brasiliense com intervenções sempre provocadoras.
Em 1978, sob os ventos da redemocratização que sopravam no país, mas ainda sob as ameaças dos estertores do regime militar, eles formaram a Pedra Produções, a primeira produtora independente anarquista do cinema em Brasília. Com grandes esperanças, os movimentos se multiplicavam em luta pela reconquista dos direitos civis e da democracia.
Eles nasceram dentro desse caldeirão de inquietações . Antes deles, só existia o cinema produzidos pelos professores-cineastas. Sintonizados com o inconformismo dos movimentos estudantis, eles desencadearam intervenções críticas, bem-humoradas e anárquicas.
Por uma dessas coincidências felizes, a Pedra Produções estava instalada numa sala da 302 Norte, em cima do Bar Chorão, ponto de concentração do bloco carnavalesco Pacotão, que desfila o deboche político pela contramão da W3 Norte. E, de fato, os filmes da Pedra também iam na contramão do cinema hegemônico. A inspiração vinha do cinema marginal de Júlio Bressane, de Rogério Sganzerla e, principalmente, da fase mais experimental de Glauber Rocha.
As pedradas da trupe anárquica atingiram as vidraças da Brasília oficial, que passou a ser ocupada com filmes baratos, rodados na rua, com a câmera na mão, a cara e a coragem. Algumas vezes, eles filmavam manifestações políticas na cidade, mas subvertiam todo o material ao criar uma narrativa em off que produzia um efeito de choque.
Os títulos dos filmes são representativos da visão ácida do grupo sobre Brasília. Em 1979, João Facó filmou Fig meu anjo: os três poderes são um só: o deles, a partir da indicação do presidente João Figueiredo por uma junta militar. Em seguida, rodaram Escrevendo certo por linhas tortas, sobre a primeira greve dos professores, depois de uma lacuna de 15 anos. A última havia sido em 1964. Em 1980, Pedro Anísio dirige Conversa Paralela, curta que mixa imagens documentais de Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Paulo Brossard, Raoni, com cenas de um casal em crise numa paisagem agreste de Brasília.
Os filmes da Pedra estavam em sintonia com o cinema marginal, com o rock insubmisso de Renato Russo e companhia, com a poesia irreverente de Nicolas Behr e com o espírito de insurreição dos movimentos estudantis. Mas eles sempre driblavam o mero panfletarismo com muito humor.
Lembro que me chamava a atenção como convidavam a um novo olhar sobre os prédios, as passagens subterrâneas e as manifestações públicas, numa mixagem de sátira e política. É fundamental digitalizar esses filmes em 16mm para que as novas gerações possam desfrutar desse cinema audacioso que compõe parte relevante da história do cinema em Brasília. Seria a melhor homenagem a Pedro Anísio.