Passagens subterrâneas 3

Publicado em Crônicas

 

Severino Francisco

Todo brasiliense tem uma história dramática de travessia do Eixão, a via de alta velocidade que corta o Plano Piloto de ponta a ponta, das asas Norte e Sul. O poeta Nicolas Behr tem poema minimalista sobre o drama de cruzar a célebre pista: “Nossa Senhora do Cerrado/Protetora dos pedestres/Que atravessam o Eixão/Às seis horas da tarde/Fazei com que eu chegue são e salvo/ à casa de Noélia”.

No caso, Noélia era a então musa de Behr, que tornou-se poeta. Renato Russo gostava muito dos versos de Behr, musicados por Nonato Veras, e a Legião Urbana gravou uma versão musical do poema no terceiro disco da banda. Eu tinha uma implicância com os versos e eles só passaram a fazer sentido para mim depois de uma experiência dramática de travessia no Eixão.

Resolvi atravessar a pista, na altura da 206 Norte, com o meu filho, João, na época, um moleque de uns seis anos. O movimento estava relativamente tranquilo, mas ele era intempestivo e, quando esperávamos no meio da faixa central, em um átimo, se desgarrou, abruptamente, de minha mão e cruzou a via, quase sendo atropelado por um carro em alta velocidade.

Dei-lhe uma daquelas broncas memoráveis, mas, até hoje, quando me lembro do episódio, me vem um frio na espinha e agradeço à Nossa Senhora do Cerrado e a todos os santos pela salvadora proteção.

O Ministério Público apresentou a proposta de reduzir a velocidade dos carros no Eixão de 80km para 60km ante o crescimento dos atropelamentos e reacendeu a polêmica sobre a via. É muito oportuna a atitude do MP, que deveria estar mais presente no debate sobre as questões urbanas da capital.

É sempre saudável reduzir a velocidade dos carros. Mas não se pode esquecer do descaso com as passagens subterrâneas, que precisam ser revitalizadas com urgência. Diariamente, milhares de trabalhadores, de pedestres e de ciclistas se expõem ao risco no Eixão. E não há para onde fugir; se optarem pelas passagens enfrentarão um caminho de calçadas quebradas, acúmulo de lixo, sujeira e perigo de ser assaltado. Se atravessam pelo Eixão, a possibilidade de um atropelamento é real.

Os artistas plásticos poderiam ser convocados por meio de concursos para promover a integração arte-arquitetura com painéis de azulejo, sem prejuízo das manifestações espontâneas. As passagens pedem uma ação conjunta que inclua reformas na estrutura, iluminação, limpeza e medidas de segurança. Existe, ainda, a sugestão para que a área se dinamizada pela instalação de quiosques e pelo comércio. Seriam necessárias rondas contínuas da polícia para proteger os passantes.

É absurdo o descaso com as passagens subterrâneas e com as pessoas que precisam usá-las para atravessar o Eixão. A lógica rodoviária precisa ser contestada. Existe dinheiro para construir viadutos, mas não para revitalizar as passagens subterrâneas. Esse problema poderia se transformar em uma bela solução se houvesse investimento de verbas, inteligência e talento nas passagens subterrâneas.

 

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