Os rios voadores

Severino Francisco

Os cientistas já haviam detectado que as árvores da Amazônia arremessam na atmosfera uma enorme quantidade de vapor d’água. Esse vapor d´água é carregado pelo vento para até outras regiões. Eles se transformam em chuva que é essencial para viabilizar a produção agrícola. É o fenômeno chamado de “rios voadores”.

Pois bem, mas faltavam estudos minuciosos para estabelecer uma relação mais direta entre os ciclos da chuva e a atividade do agronegócio. Não faltaq mais. Cientistas do Brasil e da Holanda calcularam, pela primeira vez, que 80% da área coberta por lavouras e pastagens no Brasil depende das chuvas produzidas pelas florestas remanescentes nas terras indígenas da Amazônia.

É isso mesmo. A notícia saiu em reportagem de Bernardo Esteves, na Revista Piauí, aquela que tem um nome fake, mas publica matérias muito interessantes. Sigamos com a leitura. Os cientistas estimaram a quantidade de água dos chamados “rios voadores” gerada nesses territórios e qual o trajeto percorrido ao levar umidade para o restante do continente. As chuvas geradas nessas florestas beneficiam 18 estados e o DF, incluindo trechos do Cerrado, do Pantanal e da Mata Atlântica.

Os nove estados mais bem aquinhoados produzem 57% da receita do agronegócio, informa a matéria. O Paraná, grande produtor de soja e milho, é a unidade da federação mais beneficiada pelas chuvas formadas nos territórios indígenas da Amazônia, com 25%. Em seguida, vem o Acre e o Mato Grosso do Sul, com 20%. É interessante notar que, em algumas áreas desses estados, chega a um terço as chuvas vindas pelos rios voadores das matas indígenas. Os resultados da pesquisa foram publicados em nota técnica assinada por 10 pesquisadores.

É ou deveria ser óbvio que o agronegócio deveria ser o primeiro a defender a preservação das matas, pois depende, em larga escala, de um ciclo regular de chuvas para desenvolver as suas atividades. Segundo dados levantados pela Confederação Nacional dos Municípios, os prejuízos com as mudanças climáticas alcançaram a cifra de 6,7 bilhões em 2024.

Ouvido pela reportagem de Bernardo Esteves, o hidrólogo Caio Mattos, um dos autores do estudo, enfatizou que a pesquisa mostra que o setor agropecuário depende da conservação, do cuidado e do manejo que as populações tradicionais dão à floresta:”A conservação desses territórios não é pauta apenas dos povos indígenas, mas da sociedade e da economia brasileira”, argumenta o pesquisador.

Entre 2013 e 2017, o déficit hídrico chegou a 37%, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento e o IBGE. “O aumento do desmatamento pode ser catastrófico para a segurança alimentar e econômica do país”, alerta Caio Mattos na matéria. Todos esses números deveriam ser suficientes para que o setor do agronegócio liderasse um movimento de preservação e de respeito aos territórios indígenas.

No entanto, ocorre precisamente o contrário. Os ruralistas ameaçam, constantemente, as terras que garantem a geração de chuva para as suas atividades. Inventaram a tese do Marco Temporal para burlar os direitos concedidos pela Constituição. Não dá para entender qual é a estratégia, uma vez que os maiores prejudicados serão os que se dedicam à atividade agrícola. O Congresso Nacional precisa acordar para essa grave questão que afetará a todos.