Onda jovem de Brasília

Publicado em Crônicas
Crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press.  Malabarismo em frente ao Museu da República.

 

 

Severino Francisco

Nos anos 1970, o irreverente professor da UnB, João Evangelista, chegou a propor a criação de uma associação de não moradores de Brasília, tamanha era a alienação e o descompromisso dos brasilienses com a cidade.

 

Mas, nas duas décadas iniciais do século, as novas gerações abraçaram e ocuparam Brasília, amorosamente, com novos valores. Isso é algo para celebramos na passagem dos 60 anos da cidade, mesmo no caos.

 

É verdade que não foram os únicos. A primeira leva de brasilianos transplantados de outras regiões no início de Brasília tinha grande afeição pela cidade erguida em cima do nada: “A gente tinha a impressão de não estávamos construindo uma cidade, mas, sim, uma catedral”, disse o artista plástico Cildo Meireles.

 

 

Crédito: Ed Alves/CB/D.A. Press.  Green Move Festival, que levou  200 mil pessoas ao Museu da República.

 

 

Depois, dos anos de chumbo do regime de exceção, a geração do movimento Cabeças botou o bloco nos gramados das Superquadras. No entanto, agora, é uma onda muito mais ampla que tomou conta da cidade com shows ao ar livre, fruição dos parques, passeios de bicicletas, criação de coletivos, food trucs em Entrequadras e múltiplos projetos de ocupação cultural.

Crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press. A comida de rua ocupa espaço nas Entrequadras.

 

Em vez da ostentação predominante nas capitais, elas substituíram a pompa por uma concepção tribal da existência. Em primeiro lugar, houve a questão do pertencimento. As novas gerações resolveram fazer de Brasília o seu pedaço. Tem muita gente nas ruas para vender comida, roupas ou serviços.

No entanto, o dinheiro não é o único combustível. Essa turma organiza o trabalho e desfruta a cidade de maneira coletiva. As vaquinhas virtuais foram incorporadas para financiar projetos culturais.

 

Crédito: Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press.  Ciclistas no passeio ciclístico Rodas da Paz no Eixo Monumental.

 

E também os coletivos. Junta, por exemplo uma turma de estudantes de arquitetura, aluga um lugar desvalorizado por um preço mais em conta, transforma o espaço degradado e estabelece uma interação com o entorno. Muitos pequenos lugares foram revitalizados.

 

Crédito: Marilia Lima/CB/D.A Press. Brasil. Os amigos Caio Dutra (careca), Felipe Velloso (de preto) e Ian Vianna criaram o projeto No Setor para ocupar o Setor Comercial Sul e torná-lo um ambiente cultural seguro.

 

O gosto pela bicicleta também foi trazido pelas novas gerações. Na verdade, apesar da precariedade e insuficiência das ciclovias, a cidade é um permanente convite às pedaladas, com suas linhas retas que tocam no horizonte.

 

Os espetáculos gratuitos enriquecem a cidade em projetos desenvolvidos no Setor Comercial Sul, no Museu da República ou no Parque da Cidade. O carnaval transformou as avenidas de Brasília em sambódromos.

Crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press.  Foliões desfilam no Bloco Divinas Tetas: o brasiliense passou a ocupar os espaços públicos com alegria.

A cada ano surgem novos grupos. A alma brasiliense se renovou e a cidade ficou melhor. As novas tribos brasilienses reensinam a desfrutar a cidade, os espaços, os parques, o Eixão nos fins de semana, o sol e a alegria da luz brasiliana.

 

Se não fosse a pandemia, essa turma toda estaria na rua e faria da resistência democrática uma festa pacífica na Esplanada dos Ministérios, que projetaria uma imagem mais verdadeira (e digna) de Brasília para si mesma e para o restante do Brasil.

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