Odette Ernest Dias

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Tudo ficava mais elegante, delicado, livre e leve quando Odette Ernest Dias (que nos deixou na terça-feira) soprava a sua flauta. Ela era uma francesa, nascida nas ilhas Mauricio, filha de pai com origem indiana, amiga de Villa-Lobos, de Pixinguinha e de Tom Jobim. Essa dama elegante da música brasileira formou várias gerações de instrumentistas em Brasília e teve participação decisiva na criação do Clube do Choro, um dos endereços da boa música na cidade.

E, na verdade, ela tinha uma trupe respeitável de músicos em casa: os filhos, Beth, Deda (flautistas), Jaime (violonista) tocam ou tocaram em shows e gravaram ou gravam com os melhores músicos brasileiros. Todos respiravam música desde pequenos e se conectaram com ela da maneira mais natural.

Quando Odette chegou a Brasília, em 1974, já existia um núcleo forte de chorinho, comandado por Avena de Castro, Waldir Azevedo, Pernambuco do Pandeiro e Bide da Flauta. Era um respeitável time de craques da música instrumental brasileira, que faria bonito em qualquer palco do mundo. Waldir Azevedo parecia um Mané Garrincha do cavaquinho, buliçoso, manhoso, veloz e arisco, driblando tudo o que passasse pela frente.

Pois bem, certo dia, Odette se encontrou com o clarinetista Celso Cruz, que a convidou para participar das rodas de choro na casa do jornalista Raimundo de Brito. Embora tímida, Odette gostava das rodas musicais, compareceu e se inebriou. Mas, logo na sequência, Raimundo morreu e ela chamou todos para fazer o sarau no amplo apartamento em que morava, na 311 Sul. Aí, apareceram Waldir Azevedo, Avena de Castro, Valério, Alencar Sete Cordas, Pernambuco do Pandeiro, entre outros. Já imaginou esse time tocando na sala ou na cozinha de sua casa?

Todos os sábados, o apartamento virava uma festa muito animada. Logo, alguém providenciou a cerveja e a feijoada. O sarau cresceu tanto que vinha gente de outros estados para apreciar. Mas chegou um instante em que o apartamento de Odette ficou pequeno para tanta agitação. Havia gente tocado na sala, na cozinha, nos quartos e no banheiro. E, neste ponto, Odette e o marido, Geraldo, se mobilizaram, chegaram até o governador Elmo Serejo, e conseguiram uma sede para o Clube do Choro.

Contudo, um detalhe nada desprezível é o da participação das plantas na história do choro em Brasília. Odette cultivava avencas e jiboias em vasos no apartamento. A audição contínua daqueles mestres do choro fez com que as plantas vicejassem com um esplendor extraordinário. As jiboias subiram até o teto, chegando inclusive a atrair um pássaro preto, que morou no apartamento durante certo tempo. As plantas revelaram um ouvido musical apuradíssimo, pois quando cessaram as rodas de choro, elas feneceram.

Nos últimos tempos, Odette morava no Rio de Janeiro, no bairro de Santa Tereza. Sempre que ela soprava sua flauta, aparecia um beija-flor adejando pelo apartamento. Com certeza, Odette se lembrava dos saraus musicais na 311 Sul, pois os voos caprichosos, zigue-zagueantes, velozes e leves do beija-flor se pareciam muito com os chorinhos de Waldir Azevedo. Odette era uma francesa muito brasileira, que tinha alma de chorinho.

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