Severino Francisco
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, deflagrou uma cruzada contra os livros físicos em favor das aulas em formato, exclusivamente digital. Segundo o secretário de educação, aulas deverão se transformar em um grande programa de televisão. É uma decisão surreal. Não é fundada no diálogo com os educadores nem com os gestores, não se fundamenta em nenhuma pesquisa ou se ancora em precedente.
Pelo contrário: a Suécia, país com muito mais recursos tecnológicos, tentou a inovação e teve de recuar, ante o fracasso completo da experiência. Eles propuseram um ambicioso projeto de digitalização do ensino há 15 anos. Mas ele foi suspenso depois das notas das avaliações de leitura caírem vertiginosamente.
As próprias autoridades educacionais reconheceram que, se insistissem no erro, os resultados seriam negativos: “Estamos em risco de criar gerações de analfabetos funcionais”, alertou a ministra da Educação da Suécia. E os efeitos nocivos não se limitaram aos alunos, mas, sim, a toda a comunidade escolar.
Sem exercitar a concentração dos livros físicos, os alunos perderam o hábito da leitura. O acesso dos professores aos livros foi dificultado. E, da parte das mães, pais e responsáveis, também houve prejuízo de aprendizagem, pois eles não conseguiram ajudar aos filhos.
A ideia de que o simples acesso a computadores, tablets, iphones, aplicativos e plataformas garante a qualidade do ensino é falaciosa. Nada contra a tecnologia, mas é preciso a mediação crítica e pedagógica. Os pedagogos recomendam um modelo híbrido, com livros físicos e recursos tecnológicos de maneira complementar.
Além disso, as pesquisas realizadas em vários pontos do mundo sempre revelam que o livro físico é o meio que proporciona mais aprendizado. Segundo Jorge Luís Borges, de todas as invenções humanas, o livro é o único que é uma extensão da imaginação.
A proposta de digitalização do governo de São Paulo exclui os livros físicos do Programa Nacional do Livro Didático, coordenado pelo Ministério da Educação, com obras avaliadas e selecionadas por comissões de pesquisadores de alta qualificação. Com isso, erros, preconceitos, imprecisões e distorções podem ser evitadas.
E a pandemia desfez a ilusão de que o país é conectado virtualmente. Muitos alunos pobres ficaram prejudicados pelo ensino remoto, simplesmente porque não tinham acesso a computadores ou celulares. E também porque a exclusão dos alunos da rede pública de São Paulo do PDL pode prejudicá-los nas avaliações do Enem.
Como se vê por esse resumo do debate, trata-se de uma proposta totalmente disparatada e fadada a dar com os burros n’água. Só agravaria as desigualdades sociais e educacionais. Parece que o governador de São Paulo deflagrou, no início do seu mandato, campanha eleitoral para a disputa da presidência da República em 2026. Depois de se posicionar a favor da reforma tributária, ele quer acenar para os extremistas.
E o governador se apresenta ou é apresentado como uma liderança moderada. Essa proposta de digitalização total é um projeto para formar analfabetos funcionais, capazes de acreditar que a terra é plana, que vacina tem chip, que livro físico é coisa de comunista, que Paulo Freyre é o responsável pela crise na educação, que as urnas eletrônicas não são confiáveis e que as vítimas dos golpes são os culpados.
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