Severino Francisco
No táxi, no cafezinho e no carro, voltando para casa, só se fala em um assunto: o tapa de Will Smith em Rock, durante a cerimônia do Oscar, em represália às facécias do suposto humorista sobre a esposa de Will, Jada Pinkett. Mas, antes de entrar no tema, permitam-se uma digressão. Há alguns anos, quando trabalhava no caderno Turismo, do Correio, ganhei um modesto prêmio de melhor matéria sobre o Recife.
Acho o Oscar uma festa cafona, de cartas marcadas da indústria cinematográfica, em que nem sempre os melhores e os mais talentosos levam o prêmio. Mas é uma vitrine fantástica, onde qualquer espirro repercute para o restante do planeta.
O tapa de Will em Chris Rock roubou a cena. Na biografia recém-lançada, existe uma explicação para a atitude intempestiva de Will: ele se sentia culpado pelo fato de, durante a infância, não ter defendido a mãe de uma agressão do pai. Não cometeria o pecado da omissão uma segunda vez. Qualquer um de nós poderia ter aquela reação.
Chris Rock mereceu o tabefe, mas, ainda assim, está claro, a esta altura dos acontecimentos, que a decisão Will Smith não foi a melhor. Fazer piada com a doença de uma mulher é, antes de tudo, covardia. Não consigo encontrar graça em algo tão estúpido. A maneira como rimos é reveladora dos nossos valores, da nossa sensibilidade, do nosso caráter e da nossa humanidade. Existem situações em que não cabem nenhuma gracinha.
Falar quando você não está na pele ou na situação do outro é fácil. Todos nós estamos expostos a essas circunstâncias e a esses riscos. Will perdeu uma grande oportunidade de dar uma lição de civilidade ao planeta em um momento tão marcado pela violência e pela boçalidade. Seria muito bom se ele tivesse feito um discurso certeiro quando fosse receber o prêmio e expusesse a covardia e a boçalidade de Chris Rock.
Rock alegou que desconhecia a doença de Jada. O planeta Terra inteiro sabia, menos ele. Rock agrediu primeiro e foi o único a não pedir desculpas. Os imbecis sempre existiram, mas, com a internet, eles ganharam voz e plateia. Ante às cenas deprimentes a que estamos expostos nos últimos tempos, lembrei-me de trecho escrito pelo poeta franco-uruguaio Lautreamont.
Ao se deparar com o riso de um filósofo que assiste à cena de um asno comer um figo, o poeta se inflama de indignação e de senso de humor: “Ah, o filósofo insensato que se pôs a gargalhar vendo um asno comendo um figo. Nada invento, os livros antigos mostraram com mais detalhes esse vergonhoso despir-se da nobreza humana. Pois bem, fui testemunha de algo mais forte, vi um figo comer um asno. E, todavia, não ri, francamente, nenhuma porção bucal chegou a mover-se. A necessidade de chorar tomou conta de mim com tamanha força que meus olhos deixaram cair uma lágrima: ‘Natureza, natureza’; exclamei soluçando, ‘o gavião estraçalha o pardal, o figo come o asno e a tênia devora o homem!’”.
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