Severino Francisco
Nesta longa estrada da vida jornalística, em 1986, eu desentrevistei Rubem Braga. Explico: desentrevista é quando você fica frente a frente com um grande personagem e não consegue entrevistá-lo. É uma das maiores frustrações para um jornalista. Naquele fatídico dia, o então editor do caderno de Cultura do Correio, Claudio Lysias, avisou com o estilo cordial de carioca elegante: “O Rubem Braga está na cidade, já marquei a entrevista. Capricha, vamos dar uma ou duas páginas”.
Na hora agendada, 10 da manhã, lá estávamos eu e a minha amiga Mila Petrillo, a bela, talentosa e carismática fotógrafa. Mas ao chegarmos à portaria do hotel, o funcionário informou que “o senhor Rubem Braga estava dormindo.”
Naquele instante, pintou uma dúvida hamletiana: acordo ou não acordo o Rubem Braga? Já tínhamos dado meia-volta rumo à redação do Correio, quando resolvi retornar ao hotel, afinal, a entrevista fora marcada. Solicitei ao funcionário que avisasse que havíamos chegado.
Braga pediu que subíssemos. Quando entramos no quarto, o encontramos de pijama, com cara de poucos amigos, gestos lentos, esfregando os olhos para espantar o sono. Senti que o clima era totalmente desfavorável. Mas eu confiava na minha capacidade e habilidade de reverter as situações com leveza.
Comecei com cuidado. Paulo Francis disse que Rubem Braga havia promovido uma pequena revolução na língua portuguesa, ao escrever com naturalidade e simplicidade, nos livrando dos vícios de retórica pedantesca e falsa. Ele desconversou, comentou, preguiçosamente, que quem escrevia em jornal precisava se comunicar com todos, tinha de simplificar a linguagem.
Braga respondia a todas as perguntas com evidente desinteresse, limitando-se a frases monossilábicas. Depois da terceira pergunta, pedi desculpas por tê-lo acordado e sugeri a ele que interrompêssemos a conversa e retomássemos a entrevista em outro momento. Braga retrucou firme: não, vamos fazer agora.
Ainda sondei o que ele achava das crônicas de Clarice Lispector. Braga disse que considerava Clarice melhor em livro do que em jornal. No entanto, condescendeu: os textos que escreveu sobre Brasília estavam entre os melhores de toda a obra dela.
Há uma foto reveladora flagrada pelo olhar sensível de Mila: Braga aparece coçando a cabeça, com claro desconforto. Encerrei a desentrevista, agradeci e pedi desculpas, mais uma vez, por tê-lo acordado. As duas páginas programadas pelo editor se reduziram a míseras 40 linhas. Como pequena vingança, fechei o texto com uma alfinetada: “E, no mais? No mais, deixemos o cronista em paz”.
Quando escrevi esse arremate, tive uma secreta intuição de que Braga gostaria do final quando lesse. A biografia Um cigano fazendeiro do ar, de Marco Antônio Carvalho, me revelou uma cena intrigante.
Ao responder um questionário indagando que conselho daria aos escritores jovens, Braga respondeu seco: “Quem deixem os escritores velhos em paz”. É a glória amigos, não sei se vocês perceberam: Rubem Braga me plagiou descaradamente. Por favor, mantenham essa informação sob o mais rigoroso sigilo.
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