Severino Francisco
Confesso que entrei meio derrubado pelas notícias ruins do país na exposição Atos – Artes cênicas e dança nas décadas de 1980 e 1990, em cartaz no Museu da República. Mas saí de lá com nova alma, atingido em cheio pela beleza das imagens.
Carmem Moretzsohn (curadora da mostra), Gioconda Caputo e eu tivemos o privilégio de trabalhar com Mila Petrillo durante mais de 20 anos e fiz várias pautas que resultaram nas fotos. Mesmo assim, continuam a provocar o espanto, o êxtase e a surpresa. E isso acontece porque, além de jornalismo, são arte na acepção mais alta da palavra.
Ela não faz fotos de teatro; faz teatro com as fotos. Capta a alma dos personagens e das cenas, com a técnica e o coração. A maioria foi tirada para cobertura jornalística no caderno de cultura do Correio.
As imagens da Mila nos ajudam a perceber que, com todas as condições adversas, Brasília construiu um vigoroso movimento de artes cênicas nas décadas de 1980 e 1990, que se estende até hoje. Atos é uma exposição que dignifica Brasília e deveria ser mostrada em outros estados.
Alguém disse com muito senso de humor que existe o Sebastião Salgado e Mila doce. Sim, ela é uma entidade da beleza, da afirmação, do otimismo e da amorosidade. Tomo a liberdade de compartilhar com vocês trecho do texto que escrevi para o catálogo da exposição.
“Nos tempos de criança, quando os adultos perguntavam a Mila Petrillo o que ela gostaria de ser quando crescesse, ela sempre respondia: pintora, bailarina, atriz, diretora de teatro ou cineasta. E, de fato, Mila é um pouco de tudo isso com uma câmera na mão. Suas fotos são, esteticamente, multimídias, têm algo de cinema, de pintura, de teatro, de escultura, de artes plásticas e de balé.
Algumas vezes, destacam-se pelo enquadramento ou os jogos de luz, sombra e cor, como se fossem cinematizadas. Em outras, apresentam-se com o aspecto de esculturas vivas, na acuidade para captar as curvas, os volumes, as saliências, as reentrâncias, a musculatura e a materialidade do corpo.
Ou então revelam-se quase como pinturas impressionistas, com os corpos se desintegrando nas cores e ganhando a leveza da luz. Ou flagram, a seco, na fisionomia do rosto, o átimo desvelador do estado de espírito do personagem. Ou, ainda, as imagens das cenas teatrais dançam como uma pintura em movimento. E o movimento da dança ganha um ritmo de música para os olhos.
Se nas fotos da cobertura do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Mila valorizava o enquadramento, a composição do quadro e o jogo de claro e escuro; nas imagens de artes cênicas e dança, ela explora o movimento, a gestualidade dramática, as máscaras faciais, a materialidade do corpo e as reverberações da luz. Ela tem o instinto fulminante da beleza. Fica de tocaia com a máquina na mão e o olho atento à espera de captar a luz precisa que lhe permitirá registrar um instante fugaz de eternidade.
As imagens que arranca da cena documentam, enfatizam, sublinham, recortam, amplificam, desdobram, estendem e dramatizam. São imagens vivas que agonizam, gritam, sorriem, sofrem, deslocam-se, pulam, levitam, fecham-se em drama estático, gargalham ou silenciam. Só faltam sair da moldura e convidar os leitores para tomarem uma cerveja no Beirute ou comerem um pastel com caldo de cana na Rodoviária”.
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