O mistério do Botafogo

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Severino Francisco

Quando eu morava na 203 Norte, ia todos os domingos até a 403 Norte no Só Drinks, que era uma espécie de sucursal do Botafogo em Brasília. Torço e me retorço pelo Corinthians, mas ia lá, trocava o conforto da poltrona para me sentar em cadeiras precárias ou para ficar em pé apenas para sentir aquele clima de arquibancada de um estádio de futebol.

Algumas vezes, Brasília parece uma cidade fantasma, sem ninguém nas ruas. Mas aquela parte da cidade tem algo muito vivo do clima de subúrbio do Rio de Janeiro. O Botafogo não ganhava nem campeonato de cuspe a distância, mas a torcida mantinha-se fiel, apaixonada e desvairada. Naquele tempo, o Botafogo tinha um timeco e lutava para não cair para a segundona do Brasileirão. Mas, agora, todos os que apreciam o bom futebol, gostam de ver o Botafogo jogar.

Faturou o Brasileirão e a Libertadores, mas de maneira dramática, como sempre acontece. Na final da Libertadores, contra o Atlético mineiro, o meio-campo Gregori deu uma botinada no Fausto Veras, com 20 segundos de jogo e foi expulso. Os botafoguenses se desgrenharam de desespero. Mas o time se superou em ganhou de 3×1 jogando 10 contra 11 do Atlético.

No Brasileirão, o Botafogo estava empatado com o São Paulo, seria campeão de uma maneira sem graça, mas, no último minuto, Gregori rouba uma bola na área do adversário, avança e chuta para marcar 2×1 e imprimir uma energia de festa ao sagrar-se campeão. No entanto, é intrigante como o Botafogo desperta tanta paixão.

Como se explica o mistério de o Botafogo não ganhar por tanto tempo e manter uma torcida tão fanática? Para responder a essa pergunta só mesmo Nelson Rodrigues, o nosso Freud de Madureira. Vamos digitar o endereço eletrônico de Nelson no outro mundo: sobrenaturaldealmeia@nelsonweb.com. Fala, profeta do óbvio: “Estava escrito há 6 mil anos antes do paraíso que o Botafogo seria campeão da Libertadores e do Brasileirão. Vocês viram que o Gregori deu uma botinada na cara do jogador do Atlético mineiro na final da Libertadores, com 20 segundos de jogo. Foi expulso e, mesmo assim, o Botafogo venceu. O que ajudou a salvar o Botafogo foi a fé. Sem fé, você não chupa nem um picolé de Chica Bom. Você engasga com o

palito e é atropelado pela carrocinha”.

Mas por quê torcer para um time que provoca tanto sofrimento? Pausa. Nelson faz suspense por alguns segundos e responde: “Pergunto eu – por que vamos ao campo de futebol? Porque esperamos a vitória. Os outros comparecem na esperança de saborear, como um Chica bom, o triunfo do seu clube. Mas o torcedor do Botafogo compra o seu ingresso como quem adquire o direito, que lhe prece sagrado, de sofrer.”

Explique melhor, Nelson, peço ao nosso profeta do óbvio: “No fundo, existe no alvinegro nato um pouco do Jeremias de Portinari. Ele só está feliz e realizado quando arranca os cabelos e chora lágrimas de esguicho”. É, Nelson, o Botafogo passou sufoco, mas, desta vez, os botafoguenses estão chorando lágrimas de esguicho, mas da mais pura felicidade.

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